sábado, agosto 26, 2006

FANTASIA PARA DOIS CORONÉIS E UMA PISCINA

De um modo geral, a crítica literária universitária é parcimoniosa na utilização de adjectivos, quando se ocupa de autores contemporâneos. Sente-se mais responsável e, prudentemente, não emite juízos de valor, que o tempo poderá ou não confirmar. Como não é esse o meu caso, direi que FANTASIA PARA DOIS CORONÉIS E UMA PISCINA, de Mário de Carvalho, é um romance sublime, que a pátria certamente não merece, como poderia dizer o autor no seu registo parodístico.
Mário de Carvalho é um autor que se lê com facilidade, porque as suas histórias são imaginosas sem deixarem de ser verosímeis e a sua prosa é das mais escorreitas que Portugal produz.
Credite-se ainda ao autor de OS ALFERES uma superior ironia e algumas inovações no plano estritamente formal. Aquela de pôr o narrador a dialogar com as "coronelas", tornando-o momentaneamente personagem, reabre a nunca encerrada questão do papel ontológico do narrador. É o autor, sem papas na língua, a dar voz às duas mulheres, para que ninguém possa dizer que o romance é misógino (É claro que li o "LL").
Neste romance, Mário de Carvalho produz uma radiografia de Portugal, onde não falta sequer um tal Januário, trazido pelo coronel Lencastre, seguramente na casa dos cinquenta e muitos e que representa o que de pior há na sociedade portuguesa: o proxeneta (lactu sensu), o gabarola, o chico-esperto, o trafulha, etc. Afinal de contas, aquele que só paga em tribunal. Haverá sem dúvida um excesso caricatural, mas fica-se com a ideia de que passarões assim perpassam amiúde o nosso quotidiano. No seu "falajar", a coronela Maria das Dores é impagável. O mesmo se poderá dizer do "falajar" do filho do coronel Lencastre. No fundo são espécimes que existem, mais recorrentes até do que seria desejável e que são parte deste Portugal burlesco ( às vezes também grotesco), em que temos de viver. É talvez esta conformidade com o real quotidiano, a que os literatos chamam efeito de verosimilhança, que explicará o sucesso de FANTASIA PARA DOIS CORONÉIS E UMA PISCINA.
Nesta obra finíssima, onde a língua ganha palavras novas e o vernáculo de Maria das Dores não ofende, é também de registar os diálogos dos pássaros - que grandes passarões! -, que vão assistindo e comentando as acções dos humanos. São, apesar do muito que têm aprendido, o resto do velho éden, que os humanos não se cansam de enjavardar (palavra cara ao autor e que este seu leitor usa com frequêmncia). Por vezes, são tão tagarelas como a fauna humana do país.

quarta-feira, agosto 23, 2006

A HERANÇA DE ESZTER

Foi através do padre Manuel de Aguiar, antigo professor de português no liceu Pedro Nunes e homem de vasta cultura e erudição, que conheci o escritor húngaro Sándor Márai, quando me presenteou com o romance As velas ardem até ao fim. Li a obra com uma volúpia adolescente e sobre a mesma produzi um pequeno texto, que consta do meu diário ainda inédito.
Há dias encontrei A Herança de Eszter, do mesmo autor, que comprei imediatamente e que voltei a ler com a tal volúpia adolescente. Trata-se de um romance muito belo, publicado na colecção Ficção Universal da Dom Quixote, traduzido do húngaro pelo "magister" Ernesto Rodrigues. E com a menção na capa, pouco ingénua mas muito feliz: do autor de As velas ardem até ao fim.
Em ambos os romances, num dado momento, alguém pretende resolver, de forma definitiva, questões que ficaram pendentes durante décadas. Há boa maneira dos trágicos gregos, Sándor Márai usa a denominada lei das três unidades, isto é, as unidades de tempo, espaço e acção. E no caso concreto d' A herança de Eszter, nem sequer falta o coro, a cargo de Laci, Tibor e Endre. Neste último romance, Eszter aceita passivamente, contra a vontade de Endre, as "imposições chantagistas" de Lajos, considerando-o "o único e verdadeiro sentido" da sua vida (pág.49). Mais: Eszter, na noite que antecede a chegada anunciada de Lajos - e após a conversa acerca do anel falso que este lhe dera após a morte de Vilma, como sendo a jóia mais preciosa da família -, diz: "Pensava que, sem ainda ter chegado, Lajos já me roubara qualquer coisa. Pelos vistos, não pode ser de outra maneira. Esta é a lei. A sua lei" (pág. 29). As duas citações configuram, em minha opinião, que Eszter aceita Lajos como o próprio e inexorável destino.
Em traços largos, a história poder-se-ia resumir assim: Lajos, estudante universitário, é trazido para o seio da família de Eszter pelo irmão desta, Laci. Lajos, que a todos seduz através da palavra, modifica os hábitos de uma família humilde de província. Transforma a casa da família de Eszter numa espécie de palco para as suas exibições mundanas. Namora Eszter, mas acaba por casar com a sua irmã Vilma, da qual tem dois filhos. Lajos escreve cartas a Eszter para se explicar, porém Vilma intercepta-as e aquela só agora, vinte anos depois, saberá toda a verdade (o destino a fazer das suas). Vilma morre e pouco tempo depois Eszter regressa a casa, deixando os sobrinhos e Lajos numa cidade distante. A vida de Eszter decorre tranquilamente, após um período inicial de grandes dificuldades, na companhia de uma parente, Nunu. E com Laci, Tibor e Endre por perto. Vinte anos depois, num sábado dos finais de Setembro, Lajos anuncia que vai regressar, no dia seguinte. Convoca Endre, o notário, e fá-lo preparar o documento legal que tirará a Eszter e a Nunu a própria habitação.
Este pequeno grande livro de Sándor Márai, cuja história é comovente, tem a particularidade de, através da análise dos sentimentos de Eszter, indubitavelmente contraditórios, mostrar como o amor pode conduzir a atitudes perfeitamente irracionais. No final do romance, o leitor, tal como Eszter, dificilmente odiará Lajos, apesar de o poder considerar um requintado "sacana".

sexta-feira, agosto 18, 2006

MATA ( o velho CHAFARIZ)


Na fotografia temos uma vista parcial da Praça do Rossio. Ao centro encontra-se o velho chafariz, agora uns metros mais recuado, provavelmente para facilitar as manobras das camionetas.
Merecia ser bem preservado, porque assistiu a muitas cenas e nem todas edificantes. Durante os longos estios de muitas décadas, este chafariz, que apenas gotejava era o único ponto de abastecimento público de água potável de que a freguesia dispunha. As pessoas esperavam-se horas e horas por um (a) cântaro (a) de água. O que este chafariz podia contar de de mil e uma conversas, de mil e uma horas perdidas!
Este chafariz é ainda a testemunha mais qualificada de muitas iniquidades. A família Melo, cuja casa não se vê na fotografia, podia dispor de muitos cântaros e de empregadas, que os disponham seguidos na bicha. E o bom povo que esperasse, até os cântaros dos senhores estarem todos cheios.
E no entanto, a Senhora D. Conceição até era uma pessoa piedosa e capaz de uma palavra de simpatia para toda a gente. Desta família, quando a casa for vendida, ficará apenas o nome numa rua. E os restos mortais de alguns no cemitério.
Se o chafariz falasse!...

domingo, agosto 13, 2006

MATA (UM NOVO CHAFARIZ)


Com uma figueira frondosa e algumas oliveiras como pano de fundo, mesmo à beirinha da estrada, foi construído, já este ano, um novo chafariz. Quase em frente da Senhora dos Caminhos.
Uma bica de água, de preferência potável, e num local de passagem, é sempre uma obra de vulto e merece ser notícia.
Que a nova bica corra por muitos e anos!

sexta-feira, agosto 11, 2006

O cavaleiro da Águia (continuação)

Em nome de Deus e de Allah, mouros e cristãos combatem-se ferozmente. E no entanto, olham uns para os outros e a miscigenação acontece. Uns e outros sentem mútua atracção, que a beleza e as razões do coração são facilmente separáveis do fanatismo religioso. E aí temos Afonso VI casado c0m uma irmã de Buthayna e esta casada com Gonçalo Mendes. Ainda que o casamento de Gonçalo Mendes com Buthayna pertença ao mundo da ficção - então não é simplesmente maravilhoso ver o nosso Gonçalo Mendes casado com uma filha do poeta de Silves e rei de Sevilha al-Mutâmid?-, sabe-se que nas zonas conquistadas os vencedores se misturavam com os vencidos e que o sangue se cruzou, muito mais até do que muita gente supõe.
Este romance dá destaque, em minha opinião, a duas questões fundamentais: a luta mais ou menos permanente pelo poder e pelo espaço para o seu exercício, que é visível entre as filhas de Afonso VI, Urraca e Tareja, e entre Urraca e Afonso de Aragão, com quem chega a casar por razões de natureza estritamente políticas; e o fanatismo religioso, talvez mais visível do lado mouro, que foi durante séculos a causa de ódios inenarráveis e de mortandades sem conta. Este último continua, estupidamente, nos tempos que correm, a provocar morticínios, um pouco por todo o mundo.
Este romance de Fernando Campos poder-se-á ler numa perspectiva actualizante. Os problemas da idade média permanecem mais ou menos os mesmos. Outros são certamente os actores. Porém, as lutas pelo poder e pelo espaço para o seu exercício, bem como o fanatismo religioso, este do lado muçulmano, aí estão, no seu esplendor, para nos mostrar que a natureza humana permanece mais ou menos imutável. E tudo podia ser diferente, porque Deus e Allah são apenas formas diferentes de nomear a mesma divindade.
Uma última palavra para este antigo professor de língua portuguesa. Através de uma criteriosa escolha das palavras, recria para os seus leitores a época da Reconquista e da fundação do reino de Portugal, com uma mestria verdadeiramente espantosa. O que significa que para além do saber acumulado ao longo de uma vida, o autor de A Esmeralda Partida continua a trabalhar incansavelmente. Exemplar!

O cavaleiro da Águia (continua)

Terminei hoje a leitura do romance O cavaleiro da Águia de Fernando Campos, que, como é usual neste autor, trata magistralmente um período da História de Portugal. No caso concreto de O cavaleiro da Águia, Campos é muito mais abrangente, dando-nos conta, com muitos pormenores, das lutas travadas durante e após a morte de Afonso VI de Leão e Castela, dos reinos cristãos entre si, destes com os mouros do chamado al Andaluz e também dos diversos reinos mouros entre si. A par desta narrativa fabulosa, decorre outra, de índole policial, em que são protagonistas o cronista de O cavaleiro da Águia e o seu ajudante Randulfo.
Sendo certo que a História dos países começa sempre antes da declaração de independência e que a das nações é ainda mais anterior, não cometemos imprecisão de maior ao afirmar que a matéria narrada tem a ver com um período da História de Portugal. É personagem central Gonçalo Mendes (da Maia), o Lidador, grande cavaleiro e Homem de enorme coração, que morre em combate, com a provecta idade de noventa e quatro anos, na célebre batalha de Ourique. Cavaleiro ao serviço do conde D. Henrique, serve a causa de D. Tareja contra D. Urraca e quando aquela se desvia dos sonhos do marido, entretanto falecido, junta-se a D. Afonso Henriques e luta pela independência de Portugal.
Fernando Campos casa Gonçalo Mendes com Buthayna, filha do grande poeta al-Mutâmid, por quem se apaixonara numa visita diplomática que os filhos do malogrado rei de Sevilha fizeram a Afonso VI. Aquando da queda e deportação de seu pai, Buthayna é salva por Soleima, que a traz para terras cristãs, mas são tantos os desencontros iniciais, que prenunciam muitos outros desencontros futuros, mais ou menos ao sabor dos avanços e recuos de cristãos e mouros. Os encontros do casal são mais ou menos fortuitos, porque a ética do cavaleiro o obriga a seguir os seus senhores e porque é um homem de acção. A bela Buthayna, a cujo envelhecimento o leitor vai assistindo, estava condenada à infelicidade: morrem-lhe os filhos, perde as netas e desencontra-se definitivamente de Gonçalo. Desencontros a mais, que parecem querer simbolizar a proximidade e a distância a que os mouros e os cristãos da Península sempre estiveram.

quinta-feira, agosto 10, 2006

BRAGANÇA


Bragança, que deu o nome à dinastia iniciada em 1 de Dezembro de 1640 e que só viria a terminar com a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, é ainda título honorífico dos pretendentes ao trono de Portugal. Estamos, pois, em presença de uma cidade estreitamente ligada, através do nome, à família que mais tempo governou Portugal.
Situada no nordeste de Portugal, e ainda muito mal servida de acessos rodoviários, esta cidade quase fronteiriça tem crescido à custa das populações das freguesias rurais e mesmo dos concelhos, que sempre é preferível viver na sede do distrito. Sexta-feira, deste tórrido mês de Agosto de 2006, e os espaços contíguos à Sé e ao Palácio da Justiça, com os passeios cheios de gente. É sempre bom ver gente nas ruas e outros espaços públicos das cidades. Falando de espaços, refira-se aqui e agora, que ao contrário de outras cidades antigas, Bragança possui espaços amplos, onde o visitante respira e se sente bem.
O Castelo, deveras altaneiro, e por sinal muito bem conservado, é a jóia da cidade. Com a particularidade de, no interior das muralhas, ainda se poder visitar um monumento único, o "domus municipalis".

segunda-feira, agosto 07, 2006

MONTESINHO



Montesinho é nome de localidade, de serra e de parque natural, no concelho de Bragança.
A serra faz parte de um maciço a que pertencem as serras de Gamoneda, Segundera e Cabrera Baja, que rodeiam o grande lago de Sanábria, de origem glaciar e o maior de Espanha. A portuguesa serra de Montesinho teria certamente outro nome, se Portugal não se tivesse tornado independente e a linha de fronteira não passasse por ali. As montanhas têm ali uma forma arredondada, no cimo das quais são visíveis enormes pedragulhos de granito. Porém, o xisto e o calcário também estão presentes e constituíram-se desde sempre como materiais de construção.
O Parque Natural de Montesinho foi criado em 1979 e é um excelente pulmão do Nordeste de Portugal. O turista ocasional dá-se conta da existência de diversos tipos de pinheiro, muitos castanheiros dispersos e alguns soutos e carvalhos. A flora da serra de Montesinho é, todavia, muito mais variada.
Na povoação de Montesinho, onde predominam as construções antigas, foram executadas obras de restauro, nas últimas décadas, mas respeitando a tradição, ou seja, sem as costumadas agressões nacionais. As poucas construções novas respeitam também a tradição, mormente no que respeita à utilização de materiais.
Como em todo o interior, Montesinho tem perdido muita população e a juventude demanda outras paragens.
É uma aldeia tranquila, que vale sobretudo pelo silêncio, pela qualidade do ar e pela beleza das montanhas. E se for possível ter lá um amigo de qualidade, ir a Montesinho torna-se mesmo um imperativo.

RIO DE ONOR (FOTOS) - 4

RIO DE ONOR (FOTOS) - 3

RIO DE ONOR (FOTOS)-2

RIO DE ONOR (FOTOS)- 1

RIO DE ONOR

Ouvi falar deste topónimo, há muitos anos, na FL da Universidade Clássica de Lisboa. Vicissitudes várias conduziram-me sempre para outros destinos, quiçá mais modernaços, mas menos enriquecedores.
Rio de Onor é uma localidade do distrito de Bragança, paredes meias com a Espanha, e constitui mesmo um caso singular de iberismo. Na verdade, não chega a haver uma descontinuidade acentuada entre a parte lusa e a parte espanhola. Porém, nota-se que apesar dos espanhóis estarem reduzidos a doze almas, as suas casas apresentam um aspecto cuidado e advinha-se um certo conforto interior.
Na parte portuguesa, habitada por cerca de sessenta pessoas, a degradação é patente nas construções. Rio de Onor é uma localidade quase fantasma, onde se espera, provavelmente, que a vida vá decorrendo, sem grandes sobressantos, até à morte ou à deserção dos últimos habitantes.
Daquele falar de que os académicos gostavam, uma mistura de português, espanhol e umas tantas palavras autóctones, só o senhor Agostinho da café da Associação continua disponível para esclarecer o visitante com curiosidades linguísticas. É indicado pelos restantes habitantes como sendo o guardião das tradições. Uma conversa em riodonorês parece-me já impossível.
No entanto, mantêm-se algumas tradições: o rebanho comunitário e a resolução das pequenas questiúnculas entre vizinhos. Foi-nos mostrada e explicada a "vara da justiça". Ficámos a saber que as multas eram remíveis a vinho, indo os montantes da meia canada ao almude do precioso líquido, se a memória não me atraiçoa.
Mas o que ali dói não é o desaparecimento do riodonorês, que é coisa do passado e que os meios de comunicação social, a rádio e a televisão, se encarregaram de sentenciar à morte. O que dói em Rio de Onor é o estar ali naquele abandono, distante de todo o progresso e do conforto. Basta olhar à volta e o visitante notará sem esforço, onde acaba Portugal e a Espanha começa.

quarta-feira, agosto 02, 2006

MATA (SENHORA DOS CAMINHOS)


A Senhora dos Caminhos - um nicho e um conjunto de azulejos com a imagem de Nª Senhora-, foi mandada executar pela Senhora D. Ester, professora primária, durante décadas na Mata. Porém, com o dinheiro obtido num peditório à população. Data da década de sessenta. Não possui qualquer valor artístico.
Teve o condão de alterar a toponímia. O local começou a chamar-se a Senhora dos Caminhos.

O AMOR INFINITO DE PEDRO E INÊS

Acabei de ler o romance O Amor Infinito de Pedro e Inês, de Luís Rosa, de quem ouvira falar vagamente. O autor trata um dos temas mais apaixonantes da História de Portugal, por obra da literatura, desde Resende ao próprio Luís Rosa, que ao longo dos séculos foi construindo e sublimando o mito. Na verdade, este par amoroso pode ombrear com os outros grandes pares da cultura europeia, que estiveram na origem de mitos, onde quer que o poder e o amor ou o amor e o poder se influenciaram.
Luís Rosa escreve prosa escorreita, seguindo, quiçá involuntariamente, a lição dos gramáticos mais exigentes. Ao contrário da frase berroca de muitos autores do sé. XX e do actual, este autor exprime-se quase sempre através de frases curtas e tensas, que são, frequentemente, verdadeiros aforismos. Este facto não faz de Luís Rosa "um mâitre à penser", mas obriga o leitor a parar para pensar.
É notável o trabalho de pesquisa do autor, que nunca se distancia muito do que se sabe das intricadas relações do poder em Portugal e Castela, por volta de 135O. Dir-se-ia que desfia as teses conhecidas e que o romance vale sobretudo pela quantidade de retratos que nos proporciona das figuras gradas da política nacional e castelhana daquela época. Retratos impiedosos de Pedro e Inês, dos reis de Castela e de D. Maria, a formosíssima de Os Lusíadas . Usa de benevolência com Afonso IV, ao qual só critica os ciúmes, de certo modo fundados, em relação a seu meio-irmão Afonso Sanches. O clero não é poupado, mormente pelo comportamento dos abades, que sustentam relações de mancebia e dão origem a vastas proles.
Para além das idiossincrasias formais, o elemento literário mais interessante desde romance reside, em minha opinião, na figura da bruxa da Atouguia e na crença do Mestre da Ordem Militar de Cristo, que conseguem através da leitura dos astros predizer o futuro da História de Portugal - a tal porta do mundo para lá de Castro Marim-, protogonizada pela melhor obra de Pedro, ou seja, a geração na galega Constança Pacheco, do seu segundo filho João, Mestre de Avis desde os seis anos e que será o futuro rei de Portugal. E o pai de Henrique, o navegador. Obras de Pedro, o cruel e desmedido. Na verdade, a magia, a crença no sobrenatural e o fantástico, são os ingredientes de que se faz a boa literatura.
Oriundo de um mundo exterior e não raramente hostil à literatura, Luís Rosa produziu um romance muito belo, que é recomendável a jovens a partir dos dezasseis anos. Pela qualidade da escrita, pela história e pelos dados da História, pelo português medieval e até pelo latim. Bravo!

MÉDIO ORIENTE

O mundo assiste, de novo, a um conflito israelo- árabe de grandes proporções. Por enquanto os teatros de operações têm sido o sul do Líbano e a denominada Faixa de Gaza. Libaneses e palestinos estão a ferro e fogo, em nome da segurança de Israel. O detonador foi o rapto de alguns soldados israelitas.
Em 1967, com quinze anos apenas, tomei partido por Israel e fiquei imensamente feliz por um Estado pequeno e ainda com poucos anos de existência ser capaz de derrotar em poucos dias o Egipto e a Síria e outros estados árabes. Poucos anos depois percebi a verdadeira natureza das coisas e a razão de todos os milagres israelitas. Tornei-me amigo da Palestina.
O mundo árabe vive ainda numa espécie de idade média. Dentro de cada Estado, partidários do mesmo Deus, mas de diferentes orientações, digladiam-se ferozmente; as mulheres são vítimas de discriminações e de maus tratos; os detentores do poder delapidam as riquezas naturais e condenam os povos às mais abjectas condições de miséria; o ensino dos jovens è de orientação religiosa e fanático; o poder é exercido de uma forma mais ou menos despótica em todos os países muçulmanos.
Porém, o reconhecimento destas verdades não implica a absolvição de quem quer que seja. E nomeadamente de Israel que, na cena internacional, se comporta como um país fora da lei, com a benção dos EUA e de alguns países europeus. E também dos EUA que usam sempre de dois pesos e de duas medidas em relação aos países árabes. E que pouco se importam com a legalidade internacional.
Os chamados direitos humanos são pouco mais que uma figura de retórica e a democracia só é respeitada quando os escrutínios se harmonizam com os interesses da superpotência. Sempre que os resultados não agradam aos EUA, faz-se tábua rasa da democracia. E isto devia chegar para os defensores do actual poder mundial se absterem de falar de democracia e de direitos humanos. Conhecemos-lhe a verdadeira natureza de classe e os seus interesses próprios. São os mesmos que advogam por esta sociedade cada dia mais desigual e podre.
O que fazer? Pôr fim ao conflito parece-me óbvio. Era bom que e Europa exigisse aos EUA que exigissem a Israel o fim do conflito. Era necessária uma força de intenvenção dos dois lados da fronteira, formada por tropas europeias não comprometidas com nenhum dos contendores, para garantir a segurança de israelitas e de árabes; era preciso impedir a todo o custo a obtenção da bomba atómica ao Irão e recomeçar-se a discussão do desarmamento nuclear a nível mundial, a começar pelos EUA. O poder atómico é mau, esteja onde estiver. Era preciso também dar combate sem tréguas e eficaz ao terrorismo.
Era preciso, fundamentalmente, que o mundo se livrasse do eixo do mal constituído por Bush e pelos membros da actual administração americana. Era preciso criar uma ordem mundial mais equitativa e solidária. E ajudar o mundo árabe a sair da sua idade média. Para estripar os Ben Laden e as complexas e enigmáticas organizações terroristas. Em suma, era preciso tornar o mundo mais limpo e fraterno.

domingo, julho 30, 2006

MATA


VISTA PARCIAL DA ESCOLA
ONDE É DESENVOLVIDO O PROJECTO EDUCATIVO
BELGAIS

MATA (S. PEDRO)



S. Pedro vive sozinho,

numa capela modesta.

Ao cimo do Azendinho,

onde o povo vai em festa.

MATA (BELGAIS)

Provavelmente, nunca saberemos os verdadeiros motivos que levaram Maria João Pires a abandonar Portugal e o projecto educativo que vinha desenvolvendo na freguesia de Mata, no concelho de Castelo Branco; ainda que, relativamente a este último, outro responsável tenha feito passar a ideia de que se tratatava de um até já.
A Granja de Maria João Pires é um local de acesso difícil e muito longe de qualquer centro urbano minimamente interessante. A margem direita do Ponsul poderá ser um óptimo refúgio temporário para trabalhar e pensar, um sítio agradável e com boa qualidade ambiental; porém, também há-de ter as suas horas de solidão, de melancolia e desconforto. Mesmo sabendo nós que a insigne pianista tinha o seu programa de concertos e de viagens, no país e no estrangeiro.
Na Mata, onde o projecto educativo estava a ser desenvolvido, o que obrigou a obras importantes na antiga escola primária, onde o autor destas linhas aprendeu a ler e a escrever, o mesmo era considerado elitista e extravagante. Porém, há que dar de barato essas opiniões, porque as populações do interior e menos dadas à inovação, resistem sempre ao novo e aquilo que foge aos seus conhecimentos mais ou menos empíricos. De qualquer modo, a Mata foi a localidade que mais ganhou com o projecto, que impediu o fecho da escola e inscreveu a terra no mapa.
De Maria João Pires sempre ouvi dizer bem. Tratava as pessoas com afabilidade e até comparecia nos funerais. Teve casa arrendada na própria localidade. No entanto, sei que ninguém chorará por ela. Ninguém assinará um abaixo-assinado a pedir-lhe que revogue a sua decisão.
Por último, uma nota pessoal: a pianista pode estar cansado do país e da sua gente; porém, não creio que tenha sido maltratada. Há outros com mais razões de queixa e que muito deram a Portugal. Nesta atitude da grande pianista perpassa, a meu ver, uma daquelas birras dos artistas, que se julgam sempre credores da pátria. Às vezes é tudo um questão de pilim e alarga-se a gestores, economistas, empresários. cientistas, etc. Às vezes, é mesmo uma questão de pilim.

sábado, julho 15, 2006

MATA



VISTA PARCIAL DA ESCOLA DA MATA

Para lá do mastro da bandeira, vê-se a antiga sala das raparigas.

Ao fundo, um anexo acrescentado recentemente.

É nesta Escola que está a ser desenvolvido o projecto educativo Belgais (vulgo) de Maria João Pires

quinta-feira, julho 13, 2006


LARGO DO PRATA

Aqui se jogava ao fito e bailava, nas tardes de domingo. Quem se recorda ainda?

Ó Zé aperta o laço,

Ó Zé apertó bem.

O laco bem apetado

Ó, ai José, fica-te bem!

MATA

DUAS PRECISÕES
A pressa, sabe-se, não é boa conselheira e faz-nos cometer alguns erros; porém, pior do que os erros é a falta de coragem para os corrigir. Vem isto a propósito de dois erros que detectei no trabalho "MATA - UM FALAR PECULIAR" e que não serão, certamente, os últimos. Aqui ficam, pois, as correcções:
1. As transcrições fonéticas ainda não foram introduzidas no trabalho. Hão-de sê-lo, oportunamente, ainda que a questão principal seja a africada /tch/, em todas as as palavras escritas com "ch" como "chave", "charco", "chabouco", etc.
2. As homófonas asado e azado são, na verdade, realidades diferentes: asado é o recipiente (sem asas, curiosamente) onde se guardava a água; azado (de azar) significa oportuno, jeitoso, cómodo, etc.
( Na foto: alargamento da rua de Santa Margarida. O local é um dos maiores largos da Mata. Foi conhecido pelo Largo do Prata, que era a alcunha do dono do principal café da localidade, nos anos sessenta. Ali se jogava ao fito tardes inteiras e se dançava ao domingo, ao som das "modas" cantadas por rapazes e raparigas).

segunda-feira, julho 10, 2006

A MATA E OS SEUS OLIVAIS


A presença da oliveira nos campos da Mata é, seguramente, anterior à fundação do próprio aglomerado urbano.
A aldeia tinha, no início do séc. XVIII, cerca de quarenta habitantes. Partindo desde dado demográfico, poder-se-á concluir, sem grande margem de errro, que a fundação da povoação terá ocorrido na segunda metade do séc. XVI. Havendo na folha da Mata oliveiras com muitas centenas de anos, cremos estar justificada a afirmação do parágrafo anterior.
Na verdade, a NE da aldeia, no ponto de confluência do ribeiro da Lousa com a ribeira de Alpreade, perto do moinho do "Ti Joaquim Rolo", há oliveiras verdadeiramente gigantescas ( com 500?, 600 anos?). Seja como for - e este não é o lugar da História -, a oliveira desempenhou sempre um papel determinante na vida da Mata, que, ainda hoje, fica situada dentro de um anel de oliveiras.
Esta árvore mediterrânea deu à Mata a luz e o calor, durante séculos, e ainda um tempero e um processo de conservação de alimentos preciosos. De folha persistente, a oliveira conferiu ao povo da Mata um carácter absurdamente perseverante ( na foto, com um enorme portão verde, as ruínas da Cooperativa dos Olivicultores ).

domingo, julho 09, 2006

A TOPONÍMIA DA MATA


A toponímia da Mata, ao contrário do que aconteceu com a da maioria das localidades portuguesas, ignorou os altos dignatários do chamado Estado Novo e as suas datas. Salazar e o 28 de Maio, não foram nome de rua ou de praça ou de simples travessa, nesta pacata freguesia do concelho de Castelo Branco. Por conseguinte, no pós-25 de Abril, não houve necessidade de reviralho.
As ruas da Mata têm o nome dos santos locais: S. Pedro, Mártir S. Sebastião, Santa Margarida e ainda do Espírito Santo. Outros nomes: Bairro de Baixo, Bairro de Cima, Adro, Escola, etc. Há uma rua 1º de Dezembro para atestar o patriotismo dos matenses..
Recentemente foram atribuídos os nomes de Melo Sanches e José Lucas Falcão a duas ruas: um grande proprietário e um professor de várias gerações de naturais da Mata, respectivamente. De ambos, que foram membros da Junta de Freguesia antes do 25 de Abril, não há quaisquer descendentes a viver na Mata.

quinta-feira, julho 06, 2006

MATA
UM FALAR PECULIAR


NOTA PRÉVIA

As ideias arrastam-se, às vezes, e levam imenso tempo a concretizar. Serve isto para dizer, que andava há anos para levar a cabo este trabalho, que executei com muito prazer e que deve ser visto apenas como uma dádiva ao generoso povo da Mata. Deu-me o empurrão definitivo o livrinho LADOEIRO: UM FALAR (A)TÍPICO, de Catarina Lourenço.
Provavelmente, só eu estava em condições de executar um trabalho desta natureza. Devido à formação académica e por possuir dos bens materiais o desprendimento dos poetas.
Prescindi de informantes por duas razões: não se trata de um trabalho académico e considero-me um lídimo representante da Mata que, já o escrevi e publiquei, considero a minha pátria primeira. Admito que podia fazer mais e melhor; porém, reclamo já para este meu trabalho um carácter pioneiro, e, passe a modéstia, de referência.
Agradeço à minha mãe as precisões que me sugeriu e à Filipa, minha filha, o relembrar de palavras e expressões e as transcrições fonéticas, que muito enriquecem este trabalho. Agradeço também à Zélia, minha afilhada, algumas “dicas” e o modo como me incentivou, logo que soube deste meu projecto.
As páginas do MEU DIÁRIO - ainda inédito -, saem tal como foram escritas, isto é, sem quaisquer arranjos de conveniência. São textos eminentemente subjectivos, mas que testemunham de uma forma inequívoca aquilo que penso e sinto da terra onde nasci e vivi a infância e parte da adolescência.

LOCALIZAÇÃO


A Mata é uma das vinte e cinco freguesias do concelho de Castelo Branco e fica situada a NE do mesmo e da cidade que lhe dá o nome. É vizinha dos Escalos de Baixo e da Lousa, que a limitam a S, O e NO e NO e N, respectivamente. A ribeira de Alpreade e o rio Ponsul, constituem as suas fronteiras a NE, E e a SE.
Os terrenos que confinam com os Escalos de Baixo e a Lousa são arenosos e foram, desde sempre destinados à vinha e aos eucaliptos. A pobreza dos terrenos e a estrutura da propriedade, nem uma economia de subsistência permitiam. As oliveiras tinham ali vida dura e representavam, de certo modo, a teimosia do Homem da Mata. O granito, sem qualidade, nunca foi explorado. De resto, vê-se a olho nu, que o xisto – a pedra “pserra”-, ganhou preponderância em relação ao granito.
À medida que se roda em direcção à ribeira de Alpreade, as terras barrentas e o xisto vão modificando a paisagem. É à volta da ribeira e do Ponsul e do planalto contíguo, que se encontra o verdadeiro rosto da Mata, isto é, a pujante oliveira que, em “tempos de servidão”, aliviou o mal-estar e a fome das sucessivas gerações de matenses, até meados dos anos sessenta do século passado.


UMA FORMA PECULIAR DE FALAR

Era meu desejo, de há muitos anos a esta parte, contribuir, na medida das minhas possibilidades e competências, para a preservação das palavras de um peculiar falar que aprendi na infância. Foram as palavras que reuni e defini, neste pequeno trabalho, algumas das primeiras que utilizei, quer nas conversas familiares, quer com os rapazes e raparigas com quem brinquei, nas ruas da Mata.
Com a aprendizagem da leitura e da escrita, já depois dos sete anos de idade, terei constatado - como outros terão constatado antes -, que havia diferenças intrigantes entre o falar normal da população e o que se aprendia na escola. Refiro-me a aspectos fonéticos e também a questões lexicais. A aprendizagem de novas palavras – significantes e significados -, não ponha em causa as aquisições linguísticas anteriores. É evidente que continuei a utilizar vocábulos como acajadar, amolengado, angarela, assedento, etc.; e que, ainda hoje, os continuo a utilizar, para me fazer entender perante a comunidade, nomeadamente, entre as pessoas mais idosas. E creio que preservei até mais tarde a africada /tch/ em palavras como charco e chave, que não é específica do falar da Mata. Esta africada é comum às variedades de português faladas na Beira Interior e Trás-os-Montes e Alto Douro. O uso persistente desta africada /tch/ é que já me parece um caso notável de longevidade, se se considerar a homogeneização conseguida através dos meios de comunicação social, vulgo, medea.
Outra questão fonética interessante prende-se com a pronúncia da palavra manhã, que na Mata se pronunciava e ainda há quem pronuncie manhem. A locução adverbial temporal amanhã de manhã pronunciava-se e ainda há quem pronuncie amanhem de manhem.
No que às questões lexicais concerne, tem havido uma evolução natural, que decorre da chamada democratização do ensino e também de uma maior mobilidade da generalidade das pessoas. Porém, a Mata continua a ser a localidade onde se vai propositadamente, como me fez notar e bem o poeta José do Carmo Francisco, apesar de, na actualidade, uma estrada estreitíssima a ligar também à Lousa.




O isolamento secular foi parcialmente rompido a partir de meados da década de sessenta do séc. XX, quando os homens e depois as mulheres começaram a emigrar para França e permitiram aos filhos o acesso ao liceu e às escolas técnicas. Os matenses que emigraram, esses constituíram pequenas comunidades fechadas, nos arredores de Paris e continuaram a falar como sempre falaram, acrescentando ao seu léxico do português inúmeras corruptelas do francês, nomeadamente. Os mais idosos, que criaram os netos, estranhavam o «falar à fina» dos mais novos, mas já eram demasiado idosos para aprenderem «línguas», confirmando o ditado.
Na actualidade, a Mata tem uma população muito envelhecida e escassa. Ao contrário do que acontece com outras localidades do concelho de Castelo Branco, não é procurada sequer para segunda habitação. Da Mata foge-se a sete pernas para a sede do distrito e para outras regiões do país. Não espanta, por isso, que entre os idosos mais idosos, se possam encontrar os traços distintivos de uma forma muito peculiar de falar, quer a nível fonético, quer a nível do léxico.





GLOSSÁRIO

Acajadar, v.t. guardar, proteger.
Acincho, s. m. utensílio em folha metálica utilizado para o fabrico do queijo tradicional. Com furos em toda a volta, nele se desfazia e comprimia a coalhada. O queijo permanecia dentro do achincho até ganhar consistência. O mesmo que cincho.
Aguamento, s. m. doença contraída pelas crianças de tenra idade, quando desejavam algo que viam e não obtinham para comer. Curava-se através de mezinhas caseiras. Diz-se na Mata e noutras regiões do país.
Alamar – s. m. diz-se de uma coisa sem Importância. Também se utiliza em relação às pessoas.
Amolengado, adj. adoentado.
Angarela, s. f. utensílio em ferro que, colocado sobre uma albarda, permite o transporte de cântaros de água ou de outro líquido qualquer, no dorso de muares e burros.
Apalamado adj. adoentado.
Aprisco, s. m. sítio junto ao bardo, por onde passavam as ovelhas para a ordenha.
Arincu, s.m. pirilampo; diz-se de uma pessoa sem habilidade, para a resolução de uma tarefa, num dado momento.
Arrela, s. f. território minúsculo, desenhado no solo, para jogar determinados jogos. Arremedar, v.t. imitar, repetir o que alguém diz; “fazer pouco”.
Arrenegar, v. int. negar.
Arrezoado, s. m. boato, conversa em voz baixa; zunzum;
Arrezoar, v. int. dizer em voz baixa, murmurar..
Asadinho, adj. o mesmo que jeitosinho.
Asado, s.m .recipiente de barro com a forma de grande bilha, mas sem asas; adj. Jeitoso;
Assedento, s. m. mau olhado.
Azinagre, s. m. líquido produzido no processo de moagem da azeitona, nos lagares. De cor escura, era um poluente natural e sazonal dos ribeiros; água-russa.
Baldão, s. m. diz-se de um homem que não encara a vida a sério, sem mérito e desleixado.
Banquinha s. f. mesa de cabeceira, com um espaço protegido com uma porta, onde se guardava o bacio.
Borrega, s. f. bolha provocada nos pés pelo calçado ou nas mãos por utensílios que não se utilizam com frequência.
Balho, s. m. local onde se baila e/ou o próprio acto de bailar.
Balho-ao-comprido, s. m. dança tipicamente matense (vide texto deste livro)
Balhar, v. int. bailar; v. trans. Bailar o fandango.
Borrachão, s.m. espécie de biscoito, em cuja confecção entra uma quantidade apreciável de aguardente.
Borregana, adj. cordeirinho, pessoa dócil e incapaz de fazer mal a alguém.
Botar, v. t. verter. Ex. Bota aí vinho no copo.
Braçado s. m. a quantidade de lenha ou palha que se leva debaixo do braço; porção
de erva ou de outro vegetal que se dá a comer aos animais.
Brusco adj. Nublado.
Burra, s f. picota. Serve para tirar a água dos poços.
Cacheirada, s. f. pancada; cajadada; arrochada.
Cacheiro, s.m. cajado.
Caço, s. m. utensílio de uso doméstico, mais fundo do que uma frigideira, mas
mais pequeno.Dotado de um cabo para segurar, enquanto se aquece água ou se
confeccionam alguns alimentos. Já não se usa.
Cagarrapo s. m. frito obtido a partir da massa da farinheira.
caibro, s. m. barrotes de madeira, onde se pregam ripas.
Cancelão s. m. portão; grande cancela.
Canchal s. m. pedra grande, que se atira a alguém.
Canhenha, adj. Emprega-se para qualificar uma pessoa física e intelectualmente
pouco capaz.
Cãozoada, s. f. muitos cães, matilha; em sentido figurativo: os poderosos
que mordiscam os pequenos.
Casar, v. int. fazer amor.
Cenave, s. f. a viga principal de um telhado de duas águas. Toro de eucalipto ou
de pinheiro.
chabouco, s.m. charco (o ch é africada. Lê-se «tch»
Chambaril, dispositivo em madeira ou em ferro, em forma de v, com uma argola
no vértice ranhuras para encaixar os tendões dos porcos, a fim de poderem
arrefecer e secar.
Champlantana s. m. pessoa sem maneiras; homem grosseiro.
Chapuço, s.m. indivíduo grosseiro; sem maneiras.
Chicalarica, s.f. excremento, fezes, merda.
Choço, s. m. espécie de cabana, de forma piramidal, feita de madeira leve e colmo,
onde dormiam os pastores.
Churra, adj. Espécie de ovelha, cuja lã se assemelha ao pelo das cabras.
Cobrão, s. m. doença da pele. Caracteriza-se pelo aparecimento de borbulhas
que vão alastrando, tornando-se perigosa quando se junta “o rabo com a cabeça”.
na Mata, curava-se com uma reza e um unguento de mel e cinza de alho.
comediante , adj. diz-se de uma pessoa que gosta de divertir os outros, quer
através de ditos, quer através de gestos.
Conana, s. f., o mesmo que simplório
Concha, s. f. macaco do nariz.
Conchela, s. f. propriedade pequena e com pouco valor.
Corna, s. f. segmento de um corno de vaca, munido de duas tampas de cortiça, onde
Se acondicionavam os condutos (queijo, toucinho, etc.) que se lavavam para o campo.
Correia s. f. cinto de homem.
Coucho s. m. utensílio de cortiça, que se colocava junto das fontes e dos poços, para
quem quisesse beber água. Parecido com a concha da das mãos, mas com
maior profundidade.

Criadilha s. f. míscaro. Desenvolve-se de baixo da terra e apresenta um
aspecto rugoso. Quando descascada tem cor branca e come-se com ovos.
Crujar, chuviscos fracos.
Crujeiro, chuva molha-tolos.
Desorelhado, s. m. papeira.
Embalde s. m. diz-se de pessoa que não presta, nem para comer.
Enfatulhar v. t. enfatulhar estacas. Colocar palha à volta de futuras oliveiras, com
a finalidade de não serem roídas pelos animais.
Entrego s. m. designação da parte nova da Mata, i. é, a parte situada a norte da
igreja matriz.
Entrudo s. m. é a quadra que começa a seguir aos Reis e termina na terça-feira
de Carnaval; Carnaval.
Chama-se Entrudo a um indivíduo com dotes histriónicos e também a uma
representação popular de uma qualquer situação risível que a comunidade conhece.
Escaleiro s. m. habitante dos Escalos de Baixo.
Estanfonar, v. t. gastar à toa; esbanjar; derreter uma fortuna.
Fandango s. m. é um tipo de dança local. Diz-se de algo sem qualquer ordem
ou autoridade.
Farronca, s. f. bazófia, jactância, fanfarronice.
Fega, s. f. conjunto de homens e mulheres que colhem e apanham azeitona por
conta de outrem.
Ferra, s. f. pá de zinco com que se apanha a cinza.
Ferrada, s. f. recipiente para onde se ordenham as ovelhas e as cabras.
Fito, s.m. jogar ao fito; jogar à malha; jogar ao chinquilho.
Fogaça, s.f. presente dado aos noivos pelos convidados, no dia do casamento.
Fogueiro s. m. pau alto, de forma arredondada, que se coloca nos carros de bois
para suster a carga (lenha, palha, feno e até sacos).
Forro, s. m. cobertura em madeira, que separa as divisões da casa do telhado. É
o sótão. No forro guardavam-se batatas, cebolas e outras coisas da casa.
Foucém s. m. pequena foice para cortar aveia ou erva para os animais.
Francela s. f. peça em madeira, com quatro pés, em cuja parte superior se faz o queijo
artesanal e onde permanece para escorrer.
Fúcia s. f. cara, rosto.
Furda s. f. pocilga. Diz-se de uma casa onde não há cuidados de higiene.
FUSCAR v. t. mascarrar as raparigas com massa de lubrificação, no dia de Carnaval.
Sujar-se com carvão, etc.
Gacho, s.m. uva (é uma corruptela de cacho).
Garrancho, s.m. o mesmo que ancinho.
Guarda-vestidos, s. m. roupeiro.
Gravanço, s. m. grão-de-bico ( por influência do cast. gravanzo)
Ibeido, s. m. natural do Ladoeiro.
jogar ao fito, jogar ao chinquilho
Judeu, adj. travesso, brincalhão. Aquele que gosta de pregar partidas.
Labajo, s.m. espécie de agrião que cresce nos cursos de água. É comestível.
Laburdo, s. m. o mesmo que suventre.
Lambisca, s. m. estalada, estalo, bofetada,levar uma lostra.
Lamira s. f. bofetada, estalo.
limbino, adj guloso.
Lincheira, s f. a parte visível de uma grande pedra de granito.
Linda, s. f. linha de separação entre duas propriedades.
Lostra, estalada, estalo,
Maçãzeira, s. f. macieira.
Machio, s. m. que não dá fruto ou que não se reproduz. Diz-se do fruto de casca
que não tem miolo.
Malhar, v. t. significa partir. Ex. malhar a carne.
Malho, s. f. machado.
mané-zé, s. m. simplório, pobre diabo.
Marafulho, s. m. orn. pardal.
marrancho, porco que está a meio do seu processo de crescimento.
Margadeira, s.f. romãzeira
margueida, s. f. romã.
Marraninho, s. m. porco já crescido, mas ainda não apto para a matança.
Marrano, s. m. porco; pessoa sem hábitos de higiene.
Melgo, s. m. o mesmo que gémeo.
Melias adj. uniforme. homem, mulher ou criança magros e com
pouco apetite. Usa-se sempre no plural.
Mostrunço, s.m. alguém com maus modos; grosseiro.
Músico, s. m. espertalhão. Diz-se daquele que se arma aos cucos.
Nenho, adj. Diz-se de alguém incapaz de executar determinadas tarefas, que
exigem esforço
Pachacho, s. m. simplório. No feminino, usa-se o diminutivo. A forma do feminino
é usada para designar, em calão, o sexo da mulher. O diminutivo pachachinho
é muito e sobretudo pelas mulheres.
Passeira, s. f. diz-se de uma construção em madeira e coberta com palha de centeio,
onde se colocavam os figos para secar
pelheira s. f. reservatório contíguo à lareira e cavado na própria parede da casa,
onde se guardava a cinza.
Pelice, s. f. sobrepeliz.
Pexilgo, s. m. pêssego
Pexilgueiro, s. m. pessegueiro.
Pichorro s. m. púcaro em barro. Pequeno jarro que se utilizava nas tabernas.
Pindrica s. f. órgão sexual da criança do sexo masculino.
Poucachinho, adj. é um diminutivo de pouco; simplório; alcançado de inteligência.
Pserra, s. f. tipo de rocha (xisto).
Respigo, s. m. um bocado de um cacho de uvas.
Retólica, s. f. o mesmo que retórica; conversa fiada.
Rodilha s.f. pano de cozinha, que serve para limpar loiça e /ou as mãos; artefacto
doméstico, de ourelos, de forma arredondada, que serve para colocar na cabeça para
transportar cântaros, cestos e outras coisas.
Rolho, s. m. jogo tradicional. Cada jogador coloca uma moeda num pino
minúsculo. Seguidamente e por ordem, cada jogador tenta derrubar o rolho com
um pataco. Até final, cada qual tenta colocar o seu pataco o mais próximo
possível das moedas. Ganha aquelas que estiverem mais próximas do pataco e
mais afastadas do rolho.
Sagorro, adj indivíduo rústico e que não se sabe apresentar.
Salta-pserras, s. m. queijo bastante duro. Usa-se sempre no plural.
Samarra, s.f. pele. Tirar a samarra ao coelho ou ao cabrito.
Santorinho, s.m. pão por Deus.
Santórum, s. m. pão por Deus.
Sardinha- do- ar, s.f. o mesmo que bofetada, estalo, pancada.
Sarrabulho,s. m. o mesmo que laburdo e suventre.
soquilho, s. m. espécie de biscoito com a forma de um s.
Sortes s. f. ir às sortes significava e/ou significa ir à inspecção militar.
Suventre, s. m. guisado de toucinho da barriga e do fígado porco, ao qual
era adicionado sangue do mesmo, previamente cozido, e que era desfeito
à mão. Levava rodelas de laranja e era um dos pratos da matança.
Talefe s. m. espécie de marco, de forma piramidal, que delimitava a área de
uma freguesia.
talheco s. m. adega particular e de pequenas dimensões.
Taloca s. f. toca, lura, buraco, cavidade.
Tanoco s. m. pequeno pau. Usava-se com mais frequência o diminutivo.
testelo,s. m. tarefa que consiste em apanhar a azeitona que cai espontaneamente. A
azeitona apanhada antes da colheita.
Travia s. f. no processo de fabrico artesanal do queijo, escorre um líquido branco,
o soro, que, depois de fervido coalha novamente. É a travia, que se come com ou
sem açúcar.
Trogalheiro, s.m. pessoa divertida e amiga de paródia
Trogalho, s. m. brincalhão.
Trombilo s. m. forma popular e pejorativa de nomear o rosto de alguém.
Zarroco s. m. pedra mais ou menos grande.
Zarrocada s. f. pedrada.


EXPRESSÕES
Andar ao baguinho – apanhar azeitona depois da colheita efectuada. Era tarefa
de mulher. A azeitona assim apanhada, em propriedade alheia, era posteriormente moída ou vendida. Era uma actividade importante para a economia doméstica.
Andar ao ganho – A expressão tem um carácter pejorativo. Andar na má vida.
cagar de alto, significa estar na mó de cima; estar numa posição vantajosa.
Cagató senhora avó – ora toma; quem diria…; ora aí tens!
Comer ar e vento – Não comer nada.
Estar quedo – estar quieto.
Ir cagar de um carro abaixo – vai-te “lixar”; vai chatear outro; vai dar uma volta.
Levar caminho – não singrar; estragar-se.
músico do Retaxo, a expressão tem o significado de músico.
Sardinha do ar, comer estalos, comer pancada.
Ser um cagalhão de Outono – Significa que algo não cresceu o suficiente. Os fru-
tos serôdios, por exemplo.
Ser um chapuço de Idanha – Não ter maneiras; ser grosseiro.
Ser um comediante – Ter dotes histriónicos; ser divertido e gostar de divertir.
Ser um conana mansa – Ser simples e incapaz de grandes voos.
Ser um entrudo das baraças – Ser divertido e gostar de divertir.
Ser um justo – não ter maldade; ser cordato e crédulo.









AS ALCUNHAS

Como o prefixo “al” muito bem indica, a palavra é de origem árabe e significa sobrenome. À partida, dir-se-ia que uma alcunha teria sempre a ver com uma característica específica de uma família, quer de origem moral ou física, quer de origem comportamental. No entanto, no que às alcunhas das famílias da Mata concerne, é nossa convicção que nasceram de geração espontânea e que só num caso ou outro funcionou a regra geral. Todas de origem obscura, aqui fica um rol apreciável delas, pela ordem que me ocorreram: ceroulas, malato, caga-dinheiro, xi-xi, mangas, mexe, careca, sanfarro, japona, doutor, galego, redondo, mal-casado, picha-torta, grilo, catramona, cagão fatela, escangalhado, borracheiro, gazula, pão-trigo, ninho, boucha, castanha, passarinha, rameco, masseiras, baiucas, catita, sapateiro, xé-xé, cantigas, barbosa, caçolas, peluda, cadeiras, chouriço, estapi, chisco, bimbas, mina, batata, barrigana, carchano, moucho, cabaço, capelão, farinheira, raposo, rambóia, chacho, côdeas, pechirra, xila, cheira, estafa, cabeçudo, caixote, caixeirinho, borralha, gaitas, canuna, parranço, cagado, marraninha, chapoa, patanisco, bufas, etc.
É evidente que todas estas antonomásias, associadas ao nome próprio de um indivíduo, permitem, pela força do hábito e pelo seu carácter individualizante, uma mais rápida identificação. Tenderão a ser esquecidas e registam-se neste trabalho para que as gerações vindouras saibam mais acerca da sua terra ou da terra dos seus antepassados. Muitas têm o seu quê de pitoresco e de escatológico, tornando-se tão peculiares como as palavras acima recenseadas e que constituem a razão de ser deste trabalho.









A MATA DA MINHA INFÂNCIA

1. TRANSPORTES

Até meados dos anos sessenta do século passado, o meio de transporte utilizado para se ir à sede do concelho, Castelo Branco, era a carroça. Recordo-me muito bem de haver na Mata vários operadores na área dos transportes – passe a ironia -, ou seja, aquilo a que poderíamos chamar os táxis das segundas-feiras, sem qualquer tipo de conforto, sem qualquer tipo de protecção! A carreira Castelo Branco – Rosmaninhal passava no Mata 3, isto é, no sítio onde a estrada camarária entroncava na E.N. 240, mas a três quilómetros e mais cara. Os meus conterrâneos mais velhos, entre os quais incluo os meus pais, mantiveram - e ainda mantêm - uma relação especial com o dinheiro. Tendo conhecido a pobreza, olharam sempre para as «notitas» com muito respeito e aprenderam a gastá-las com parcimónia.



2. OCUPAÇÕES PROFISSIONAIS

No fim dos anos cinquenta, a Mata era uma terra de pedreiros e de trabalhadores rurais. Dito de outra forma: era uma terra de operários e de servos da gleba.
Os operários tinham bicicleta e trabalhavam em Castelo Branco, Alcains, Escalos de Cima, Ladoeiro, etc. A semana tinha seis dias. O domingo de manhã era aproveitado para consertar a bicicleta e para dar uma ajuda nas hortas que, por norma, eram tratadas pelas mulheres. De tarde, os homens saíam de casa para dar uma volta pela povoação e beber vinho em todas as tabernas. Recordo-me da Mata ter onze tabernas a funcionar, simultaneamente.
A vida dos trabalhadores rurais era ainda mais dura e pior remunerada. Eram jornaleiros de grandes e médios proprietários rurais, que viviam da exploração da mão-de-obra barata. Os chamados remediados davam meia dúzia de dias de trabalho por ano e por vezes eram quase tão miseráveis como os assalariados.
As mulheres tratavam dos filhos (?) e trabalhavam no campo. Deslocavam-se a pé, percorrendo por vezes vários quilómetros. Ganhavam cerca de metade do salário dos homens e vinham para casa, depois do sol-posto, para tratar da ceia e das tarefas da casa.

3. PRODUÇÃO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL

No fundo, quase toda a actividade económica da Mata gravitava à volta da oliveira. A colheita iniciava-se nos princípios de Novembro e durava, muitos anos, até quase ao fim de Janeiro. De seguida, fazia-se a limpeza, a lavra, a abertura de covas e a plantação de estacas. A colocação de palha à volta dos toros das estacas era feita por mulheres. Estas também se ocupavam do arranque e queima do mato. A fertilização dos solos fazia-se através dos rebanhos. Por vezes, o mato era traçado e enterrado junto aos toros das oliveiras. Havia proprietários que compravam lixos urbanos, que eram espalhados nas suas propriedades. Quando se semeava nos próprios olivais, utilizava-se então os fertilizantes artificiais.
Na denominada folha da Mata, não havia muitos terrenos para searas. De qualquer modo, semeava-se trigo, milho e algum feijão-frade. A vinha também não abundava. As maiores eram as da D. Antónia e o «Mateussobrinho». As restantes eram exíguas parcelas de terreno, de pequenos proprietários, que produziam o vinho para a família.
Na minha infância, chegaram a funcionar quatro lagares: o da família Melo, o da tia Floriana, o do Vaz Preto e o do Tomé. Estas pequenas unidades fabris chegavam a funcionar entre meados de Novembro e finais de Fevereiro, nos anos de boas colheitas. Na actualidade, a Mata não tem um lagar sequer!
Os salários eram miseráveis; porém, como as pessoas tinham necessidade de ganhar algum dinheiro, não cultivavam os seus próprios terrenos. Hoje, causa-me impressão o facto de, há cinquenta anos, não se plantarem árvores de fruto com abundância. Plantava-se uma árvore aqui e outra acolá, sem qualquer critério. O único povoamento criterioso era o da oliveira sobretudo nas propriedades dos ricos. As famílias, por vezes, tinham terras e poços, mas como trabalhavam de sol a sol, compravam os legumes que consumiam. Dir-se-ia que a miséria começava na própria imaginação.
Só no segundo lustro da década de sessenta é que se alterou este estado de coisas.




4. O CASAMENTO

Combinado o casamento, entre os nubentes e os pais, sempre na casa da noiva, dão-se os passos indispensáveis para a celebração do mesmo. E como só se celebravam casamentos católicos, o pároco da freguesia procedia à sua divulgação, durante três domingos consecutivos, no final da missa. Eram os chamados pregões.
No domingo do primeiro pregão, os noivos convidavam os seus amigos e os pais os familiares mais chegados para o casamento e a respectiva boda. O alargamento dos convites - e a celebração de casamentos com centenas de convidados -, só se viria a verificar com o dinheiro abundante provindo da emigração.
No domingo seguinte, também conhecido pelo domingo dos tremoços, os noivos recebiam os amigos – sempre em casa da noiva -, ofertando-lhes vinho, tremoços e água do asado. Eram festinhas simples que, observadas à distância de cinquenta anos, têm o condão de comover os que as viveram ou de parecerem inverosímeis aos mais novos.
Nas semanas seguintes, a noiva e a família mais chegada, a mãe e as irmãs, ultimavam o enxoval e preparavam a casa, onde a nova família iria residir. O noivo continuava a sua actividade habitual.
A semana do casamento era a de todas as dores de cabeça. Faziam-se os doces, as papas de milho e o arroz-doce para oferecer aos vizinhos que não eram convidados. Na sexta-feira matavam-se os carneiros e as ovelhas e as galinhas, que haviam de proporcionar a confecção de diversos pratos. Dos ovinos tudo era aproveitado! Até das tripas se fazia um arroz, com sabor a hortelã, e que era muito apreciado. A fressura era igualmente aproveitada Guisava-se carneiro com batatas e de carneiro assado no forno a lenha eram servidas fatias, acompanhadas de batata frita. A sobremesa era constituída por papas de milho e arroz-doce. Falo, obviamente, da refeição mais importante do dia do casamento, o jantar, porque a boda começava com o jantar de sexta-feira e só terminava, para a família, com o jantar de domingo. Mais tarde, quando as posses já eram mais, este festival de comida estendeu-se a todos os convidados.
Como é fácil de apreender, o peixe estava ausente, assim como a fruta e outras sobremesas triviais, nos nossos dias. Com excepção da sopa, tudo era comido do mesmo prato e o talher era constituído por uma colher e um garfo. As refeições eram confeccionadas e servidas pelos familiares dos noivos, sob a orientação de uma cozinheira contratada para o efeito.
Apesar desta simplicidade, o dia do casamento era alegre e os convidados divertiam-se. Durante o jantar, havia despiques de poesia popular, ouvindo-se coisas do género:

Aqui vai este copo de vinho,
Que leva um ramo de laranjeira.
Vivam todos os presentes
E também a cozinheira.

Aqui vai este copo de vinho,
No meio, leva um ramo de goivos.
Vivam todos os que estão
E especialmente os noivos.

O baile, animado por um acordeonista local ou contratado numa terra da região, servia para continuar o divertimento. O vinho, não raramente, provocava algumas zaragatas. Alziro Galante, natural de Orca, no concelho do Fundão, foi o mais famoso de todos os acordeonistas que tocaram na Mata.


5. HABITAÇÃO

Tirando as casas dos ricos e as de alguns remediados, as restantes eram quase todas de rés-do-chão. As divisões eram pequenas e desconfortáveis. Obedeciam quase sempre ao mesmo tipo de planta: uma porta de entrada e um corredor, no início deste uma porta que dava acesso a uma salinha e esta dava acesso a dois quartos, um destinado ao casal e o outro aos filhos e/ou às filhas. Quando havia filhos de sexos diferentes, as irmãs dormiam no mesmo quarto e na mesma cama e os irmãos compartilhavam uma cama no chamado forro, que era assim como que uma espécie de sótão, onde se guardavam os mais diversos tarecos familiares. Perto do telhado, de Verão e de Inverno, no concelho de Castelo Branco. Ao fundo do referido corredor uma cozinha, que era também a sala de jantar e uma outra divisão que servia de despensa e onde se amassava o pão. Quando as casas tinham quintal, na cozinha havia uma porta de acesso ao mesmo. O mobiliário, quase inexistente, era rudimentar e escassíssimo. Numa casa de muitos filhos, estes sentavam-se junto ao lume e recebiam das mãos da mãe a malga da sopa e a fatia de pão com conduto, se o houvesse. Mesas largas e altas e fartas e cadeiras para todos, só mais tarde fizeram o seu aparecimento.

6. SANEAMENTO BÁSICO

A água canalizada e a rede de esgotos são um luxo do princípio dos anos setenta. O calcetamento das ruas da Mata nova, o chamado Entrego, já foi feito depois da revolução de Abril.
O abastecimento de água era feito a partir de um chafariz que gotejava no Verão e onde os Melo colocavam inúmeros cântaros – na Mata diz-se cântara -,açambarcando uma quantidade de água muito significativa quotidianamente. Para regar os vasos da enorme varanda, também. Durante os meses de Verão, caminhava-se de noite e de dia para o chafariz, afim de se obter o precioso líquido. Muitas pessoas mendigavam cântaros de água aos proprietários de poços e transportavam-na à cabeça, percorrendo quilómetros, por vezes.
Contar-se-iam pelos dedos de uma só mão, as casas que possuíam uma casa de banho. As necessidades fisiológicas eram feitas nos quintais e nos descampados. O papel higiénico era desconhecido. Na escola primária, que estava dotada de sanitas e lavatórios, só os professores desfrutavam da comodidade da civilização. Os alunos e alunas iam “estercar” uma tapada que o professor possuía quase em frente da escola.
De um modo geral, as preocupações de higiene eram poucas. No Bairro de Baixo, na Mata velha, muitas casas não possuíam quintal. Era costume, por isso mesmo, despejar a urina na própria via pública. Imagine o leitor, habituado ao conforto dos tempos que passam, o terrível odor daquelas ruas, sobretudo no Verão. As fezes dos enfermos e dos preguiçosos que faziam no bacio, durante a noite, eram despojadas nas Quelhas ou a escassos metros do perímetro urbano.

7. FESTAS E OUTRAS DIVERSÕES

Apesar do estado de carência geral em todos os domínios, a vida ia decorrendo e o povo tentava divertir-se. Ia-se para o trabalho do campo em grupo e cantava-se pelos caminhos. Nas fegas, os homens e as mulheres, ora falavam, ora cantavam. Por vezes, faziam-no ao desafio. Quem canta seus males espanta, diz o ditado.
Nos domingos da parte de tarde, as raparigas vestiam os seus fatos melhores e juntavam-se aos grupos, nos largos. Subitamente, desatavam a cantar as modas que estavam em voga e dançavam umas com as outras. Os rapazes, que estavam sempre por perto, nas ruas ou nas tabernas, convergiam para o mesmo local e o baile começava.
A quadra carnavalesca começava no dia de Reis e terminava na terça-feira de Carnaval. Era um período de grandes paródias, bailaricos, representações dramáticas e muita licenciosidade. Fazia-se jus ao lema “é Carnaval, ninguém leva a mal”. No dia de Carnaval, os rapazes solteiros iam às casa das raparigas solteiras e faziam-lhes uma cruz na testa com a massa utilizada na lubrificação dos eixos das carroças e seguidamente atiravam-lhes mãos-cheias de farinha ao rosto. Era um verdadeiro jogo do gato e do rato. Havia sempre uma rapariga ou outra que escapava à praxe, sujeitando-se, todavia, de a ser “fuscada” e enfarinhada no próprio baile.
No Domingo-de-ramos, sob a égide do professor primário, realizava-se uma curta procissão, na qual participavam os rapazes da escola primária. Cada menino erguia uma pequena pernada de oliveira, enfeitada com flores da época, nomeadamente, goivos e malmequeres.
A Páscoa, após aquelas sete semanas soturnas da Quaresma, era como que um tempo de reinvenção da alegria. Da minha infância mais recuada, lembro-me de uma única Procissão dos Passos. Ouvi muitas vezes encomendar as almas. Esta tradição, que esteve esquecida durante anos, foi recuperada mais recentemente. No domingo de Páscoa, realizava-se uma procissão e cantava-se a “Aleluia”. Na segunda-feira havia festa rija, com fogo e música, em honra de S. Pedro. O dia começava com as boas festas. O pároco percorria todas as ruas da aldeia e entrava em todas as casa, onde havia, à entrada um pequeno tapete de rosmaninho, alecrim, goivos e malmequeres. para dar o crucifixo a beijar e recolher uma dádiva monetária dos paroquianos.

Ainda antes de almoço, realizava-se a missa e a procissão em honra de S. Pedro. Regressava-se à aldeia e da meia-tarde até ao pôr-do-sol, no largo da capela, cantava-se a plenos pulmões o “S. Pedro, senhor S. Pedro” e outras cantigas do folclore local e regional e “balhava-se” ao som da banda.. A festa continuava no Largo da Igreja. O piquenique dos vinhos e dos chouriços e outras comezainas, na segunda-feira de pascoela, é uma prática recente. Ainda não se trata de uma genuína tradição. E provavelmente nunca o será.
Os Santos Populares nunca foram motivo de festejos especiais. Coincidiam com tarefas urgentes nos campos. Faziam-se pequenas fogueiras nas ruas, nas quais se queimavam cabecinhas-do-menino-jesus (carqueja) e outros arbustos aromáticos e miúdos e graúdos saltavam sobre as chamas, numa vozearia que indiciava alegria.
Em Agosto, realizavam-se os festejos em honra de Santa Margarida, padroeira da Mata. Tinham uma componente religiosa e uma componente profana. Com fogo e música, missa e procissão, o povo divertia-se durante três dias. Não tinha data certa. Na actualidade, realiza-se no primeiro fim-de-semana de Agosto e nem sempre com fogo e música.
Em Setembro, realizavam-se os festejos em honra do mártir S. Sebastião. Era em tudo idêntica à de Santa Margarida, mas era menos participada e também já não tinha o fulgor da grande festa de Agosto. Deixou de se realizar, porque os emigrantes tinham as suas férias em Agosto e não podiam permanecer para dar continuidade à tradição. Numa primeira fase realizaram-se festejos conjuntos e na actualidade penso que só se celebra a Santa Margarida.
As três festas constituíam o grande pretexto para se comer melhor e para se descansar de uma vida bastante dura. As festas de Verão eram realizadas depois das ceifas e das malhas e antes do início da colheita da azeitona. Era o tempo adequado para o recargar de baterias. Comiam-se carnes de ovinos, caprinos e galináceos. Faziam-se os doces – sempre cozidos no forno a lenha -, arroz-doce e outras coisas simples, mas que eram, pela escassez, verdadeiras iguarias.
O dia de Santos – de todos os santos -, que é um dos chamados feriados religiosos, não merecia quaisquer festejos. Era aproveitado pelos rapazes e raparigas para pedirem o chamado «santórum», ou seja, o pão por Deus de outras regiões do país. Feita a volta, os miúdos levavam para casa, no saco de pano, laranjas, ameixas e figos secos, diospiros ainda verdes, romãs e outros frutos da época.
O Natal era também quase uma festa de praça pública. Aos rapazes, que, num dado ano civil, completavam dezassete anos, competia dar o madeiro e organizar o baile de Natal. E dar também o vinho que se bebia no baile e junto aos madeiros, no Adro da igreja matriz. Era uma festa de rapazes.
Não havia a chamada ceia de Natal urbana, tal como hoje existe um pouco por todo o país. Ceava-se como nos dias normais e cantava-se na rua, em grupo, o menino Jesus. Ia-se à casa de uma pessoa ou outra beber mais um copo e comer uma filhó. Como o clima era rigoroso, esperava-se junto aos madeiros pela Missa do Galo. Terminada esta cerimónia, as pessoas permaneciam junto aos madeiros ou dirigiam-se para as suas casas. No dia seguinte, assistiam de novo à missa e beijavam o Menino.
O baile de Natal decorria num dos salões da Mata e os encargos eram da responsabilidade dos rapazes de dezassete anos.


7.1. O BALHO-Ó-COMPRIDO

Constituía o momento alto de todos os festejos populares. Apesar da sua rusticidade, ou talvez devido a ela, o balho-ó-comprido era dançado por novos e velhos, juntando por vezes três ou mais gerações: avós, filhos e netos.
A banda tocava uma espécie de fandango, os pares, separados, executavam um movimento de vaivém ( para cima e para baixo), com os braços no ar e produzindo um estalido com os dedos médio e polegar. O par que se encontrava na posição cimeira, agora de mão dada ou cruzando um braço sobre os ombros, descia até ao fim da fila e recomeçava. E todos os pares restantes procediam da mesma forma. Por vezes, chegava-se a dançar quase uma hora. Como é óbvio, havia muitas desistências. Mas era um momento único!














PÁGINAS DO MEU DIÁRIO

Mata, 17 de Setembro de 2000 - Passei à porta da minha primeira escola, na Mata, onde levei muita pancada dos professores Ester e Falcão, mulher e marido, que durante muitos anos foram donos da escola e da maioria dos alunos. Era um verdadeiro casal de falcões numa terra de gente humilde e espoliada.
Ensinaram várias gerações de matenses a ler, a escrever e a contar, que era aquilo que o Estado Novo queria que as populações rurais soubessem. Mais os rios e as serras e as linhas dos comboios. Da História de Portugal aprendia-se os nomes dos reis, das rainhas e os nomes das batalhas travadas contra os mouros e castelhanos. E mais umas quantas coisas que após os exames todos esquecíamos.
As salas e os recreios estavam separados por um muro, embora as turmas fossem mistas. Não porque isso correspondesse a uma posição progressista, mas apenas por uma questão de gestão. A senhora com a primeira e terceira e o senhor com a segunda e a quarta classes. O método era o da chapada e da reguada. Constituíam excepções a esta regra os filhos e netos dos terratenentes. A Ana Vitória, filha do senhor Joaquim Capinha e neta do senhor António Tomé, suponho que nunca levou reguadas. E a Maria Hermínia Bernardo também não. Os outros levavam todos, ou porque era suposto serem mais rudes ou por não se saberem comportar.
Quando o professor se aproximava do pequeno portão os alunos formavam por alturas. Um aluno escolhido pelo mestre dava as ordens de “firme” e “sentido”. Com um gesto já conhecido do professor fazia-se “direita volver” e lá começava a marcha e um hino que começava assim :”Somos pequenos lusíadas”. Por vezes, era ao som do “um, dois, três, quatro”, que era a versão escolar da versão militar “ope, dois, erdo, direito “. E só depois deste desfile pseudo-cívico, pseudo-militar, pseudo-patriótico, pseudo..., que Deus lhe tenha a alma em sossego, se entrava na sala de aula.
Prometo que voltarei a este assunto. Não para ajustar contas, não para denegrir quem quer que seja, não para reabrir velhas feridas. Quero apenas fazer a minha catarse pessoal e deixar um testemunho de um salazarismo rasca, perpetrado por um servidor acérrimo de um regime sem alma nem coração.

Mata, 19 de Outubro de 2002 – Oh, que saudades eu tinha de pernoitar na Mata!
Jantei com delongas de abade, estive em duas tabernas a que eufemisticamente chamam cafés, dei uma voltinha redonda – passe o pleonasmo - para sentir bem o odor da terra, ainda espreitei a televisão, e, às onze e qualquer coisa, entreguei o corpo a morfeu.
Durante sete horas dormi o sono dos justos e acordei com o barulho das carroças madrugadoras, que o trabalho é muito e não se condói com preguicites. Fiquei quietinho na cama, tentando reconhecer vozes e ouvindo o canto desafinado dos últimos galos que teimavam em anunciar a manhã.
No mundo rural o tempo tem outra dimensão. Mesmo quando temos tarefas para executar, chega para tudo e ainda sobra. E não há correrias, que estas fazem mal ao coração e podem-nos ser fatais.
O que ali mata é o isolamento e a solidão. E se estes rapazes que nos governam, e se arrogam o direito de falar nos superiores interesses da Pátria, decidirem o pagamento de portagens na chamada A-23, maior será ainda o isolamento e a solidão dos nossos pais e parentes, que lhes entregaram de boa fé o voto, na ilusão de um aumento da reforma e de mais alguma protecção.
Pobre gente, a minha gente!


Mata, 1 de Dezembro de 2002 – O centro de Castelo Branco está irreconhecível. As obras do projecto polis arrancaram a trinta e nove à hora e para quem vem de visita é a barafunda geral. Quem se habituou a comprar jornais no Vidal ou no João, filho do velho Albino, está tramado. Não sei concretamente o que vai sair das obras. Não li nada, nem vi maquetas. Espero paulatinamente para ver o resultado final e desejo que estejam a ser rasgados caminhos para o futuro.
Um café na Colmeia e aí vai ele, J. A Morão abaixo, direitinho à Mata que nem um fuso. Sempre achei que a Mata é a minha pátria primeira. A ideia pode parecer extravagante, mesmo espatafúrdia, mas há entre mim e o espaço da aldeia uma identificação tão profunda, que a minha memória anda sempre em ebulição.
Bem vistas as coisas, vivi muito mais tempo noutros sítios do que na Mata. Castelo Branco, Paris, Luanda e Santa Iria de Azóia, consumiram quase quatro quintos da minha existência. E no entanto, à semelhança de Ulisses, é para a Mata que quero voltar. Para ter Castelo Branco por perto. E outros espaços da Beira, que são para mim um verdadeiro roteiro sentimental.
O ter vindo à Mata e a Castelo Branco, neste dia primeiro de Dezembro, provavelmente… Provavelmente, estava escrito no livro grande!

sexta-feira, junho 30, 2006

MEU PORTUGALETO

Perdidas as colónias, Portugal ficou um país pequeno. Mesmo contando com as adjacências da Madeira e dos Açores. E a prova de que o rectângulo é pequeno e a sua população escassa, se outras provas não existissem, é-nos dada pela presença de meia dúzia de artistas em tudo o que é espaço lúdico, artístico, cultural, político, etc. Sendo o espaço pequeno e a população escassa, é obvio que não há talentos.

Sendo poucos os talentos como já se disse e repete para que se não esqueça, há que agarrá-los e espremê-los, para que o bom povo não fique privado da sua erudição. Nesta linha se insere a presença de Rebelo de Sousa como comentador de futebol, neste tempo de mundial. Mas há outras presenças, igualmente cativantes e eruditas, que habitam na pantalha: António Vitorino de Almeida, Simone de Oliveira e mais uns quantos.

Eu não tenho nada contra aquelas pessoas. Acho apenas que a sua presença torna o país monótono. Não haverá por aí outros portugueses, mesmo menos eruditos e de verbo mais perro, que nos possam educar e entreter? Repito: eu não tenho nada contra aquelas pessoas e outras cujos nomes não me ocorrem agora. São portugueses de muita qualidade e muito estimáveis, mas fazem este país repetitivo e descolorido.

Eu sei que as intenções são boas e que tudo é feito para nosso bem.

Amén.

quinta-feira, junho 29, 2006

ASSIM TAMBÉM EU!

Escrevi várias vezes que o meu pai e os meus avós amaram Portugal, sem nunca terem recebido nada em troca. Porque nunca receberam nada em troca, o seu amor era verdadeiro e desinteressado. Nunca sentiram necessidade de, em alta vozearia, dizerem do seu amor por Portugal.
Eram outros os tempos. Eram outras as mentalidades. Tinha-se do amor à pátria uma outra concepção. Nos tempos que correm, são poucos os que se preocupam verdadeiramente com a pátria. Fala-se abundantemente de Portugal - e alguns até parecem grávidos de Portugal, como um actual menbro do Governo disse há anos de outro membro do Governo, com muita graça-, mas o país tem para essas pessoas uma função meramente instrumental. Proclamam alto e bom som o seu amor à pátria, mas sugam-lhe as tetas até sangrar. A pátria é para essa gente uma espécie de vaca leiteira. Têm reformas milionárias, benefícios de toda a ordem, ordenados chorudos e muita riqueza acumulada. Nada devem à pátria e a pátria é sempre sua devedora.
Ontem, durante a hora da refeição, fiquei a saber que há um português, que apenas singrou na política, que aos cinquenta anos já é reformado, que vai ser novamente deputado e que foi nomeado como assessor da Caixa Geral de Depósitos. Num país com tanto desempregado - passe o populismo -, não se poderia arranjar tacho para dois ou três jovens, em princípio de vida e com mais necessidades? Que segredos se enterram com estas assessorias? Que silêncios se compram com certas nomeações?
Pobre pátria, a minha!
Assim, também eu!...

domingo, junho 25, 2006

AINDA OS PROFESSORES

Concordo inteiramente com o meu amigo José Ribeiro, quando afirma que as corporações defendem os seus e que há professores assim e assado. De resto, com a provecta idade que vamos tendo, ambos conhecemos ao longo da vida professores excepcionais, outros assim-assim e outros ainda que não mereceriam sequer a denominação.
O que me dói não é o facto da corporação poder funcionar bem. Dói-me, verdadeiramente, o facto da corporação não ter capacidade de auto-crítica e de não intervir para corrigir e melhorar o sistema. Eu gostava que a Escola Pública fosse capaz de dialogar construtivamente com a totalidade da comunidade escolar, porque há vivências, saberes e experiências, que poderiam contribuir para melhorar o nosso nível de ensino.
A minha amiga Lucília Mendes mandou-me por correio electrónico um documento espantoso, no qual se defendem - e muito bem-, os professores. Eu estou de acordo e até assino de cruz. Conheço a especificidade da matéria e revejo-me no documento. Porém, o meu problema é outro. Uma quantidade apreciável de professores não faz aquilo que o documento diz que os professores fazem. Se assim fosse, a nossa Escola Pública seria excelente e ambos sabemos que a realidade é bem diferente.
Verdadeiramente, eu apenas queria que a Escola Pública fosse um modelo de virtudes democráticas e de cidadania, o que está longe, muito longe de se verificar. O saber é muitas vezes arrogante e totalitário!

domingo, junho 18, 2006

AVALIAÇÃO DOS PROFESSOES II

Os professores são muito ciosos do seu trabalho e da sua competência. De um modo geral fazem de si próprios um juízo muito positivo e quando se fala de insucesso, a culpa é sempre de quem dirige, na 5 de Outubro. E também dos alunos e da restante comunidade escolar.
Se um pai ousar falar com o psicólogo e chamar a atenção para determinados comportamentos de docentes, o psicólogo dirá imediatamente que fulano e sicrano é bom professor e que desconhece o que se faz nas salas de aulas. Se o mesmo pai for falar com o director de turma e levar os mesmos problemas, aquele dir-lhe-á que vai falar com o colega, mas que tem notícia de que é uma pessoa irreprensível e tecnicamente competente. É a corporação a funcionar no seu melhor e isto não é caricatura.
Na escola pública, os professores tendem a privilegiar os alunos mais dotados. O professor de Matemática gosta dos melhores alunos, o professor de Português gosta dos melhores alunos e o Educação Visual gosta dos melhores alunos. Dir-se-á que tudo isto é normal. Porém, eu argumento com uma tirada do meu mestre Saint-Exupéry: o verdadeiro homem deve confrontar-se com as situações mais difíceis. Trabalhar com os melhores é uma concessão à facilidade.
A avaliação contínua é e foi sempre uma "treta". Aluno esforçado, mas com duas negativas nos testes, nunca tem nota positiva. Talvez a Educação Física e a Religião e Moral, onde os alunos de nota quatro e cinco a muitas disciplinas, para não destoarem, acabam também por terem nota quatro e cinco. É a unanimidade da corporação.
Os pais intervenientes são mal vistos e os seus educandos prejudicados. Mesmo que não vão à Escola para defenderem os filhos. Quem ousar pôr em causa a sapiência e os métodos de determinados professores, vai ter a corporação contra si. Sei do que falo, porque sou pai e conheço bem a corporação. Por isso mesmo, sei que é uma ousadia glosar este tema. Não uma epopeia, obviamente.
Quem pensar que os professores são todos pessoas moralmente irrepreensíveis, está enganado. Têm todos os defeitos e virtudes dos restantes cidadãos. Por isso mesmo, devem ser classificados e avaliados com base em critérios utilizados para outras categorias profissionais.
Inculindo a Professora Bonifácio e o sempre contundente e sabe-tudo Vasco Pulido Valente.

sexta-feira, junho 16, 2006

COM MÁGOA

Mário Ventura Henriques, jornalista e escritor talentoso, morreu hoje com setenta anos de idade. Homem das palavras, e também homem de palavra, fico com a ideia de que as usava com muita parcimónia. Diria até que passou pela vida de forma discreta, se se atender às múltiplas actividades e cargos que exerceu.
Lembro-me dos tempos que se seguiram ao 25 de Abril e de ver o Mário Ventura Henriques, sempre empenhado nas transformações revolucionárias, a participar em sessões de esclerecimento e em actividades da sua estrutura profissional. Suponho que era um homem respeitado pela inteireza de carácter e pela forma como se dava aos outros.
Li com muito interesse o seu romance A VIDA E MORTE DOS SANTIAGO, que fui recomendando aos meus amigos e conhecidos. Não me lembro de ter lido textos críticos sobre o livro. Advinho para amanhã, à boa maneira portuguesa, os choradinhos e os elogios do costume. Amanhã como sempre.
Mário Ventura Henriques, através dos livros que nos deixou e dos exemplos de cidadania que nos deu, vai continuar vivo na memória de muitos portugueses.

quarta-feira, junho 14, 2006

LEITURAS OBRIGATÓRIAS

Li há momentos o artigo de opinião de Vasco da Graça Moura, publicado na edição de hoje do "Diário de Notícias" e confesso, sem quaisquer constrangimentos, que gostei do texto. Não porque me esteja a tornar num cavaquista ou coisa parecida, mas porque as ideias são interessantes e merecem ser discutidas.
Concordo que haja livros de leitura obrigatória, a partir do quinto ano de escolaridade. Livros adequados à idade dos estudantes e que versem temáticas suficientemente modernas e apelativas. Necessariamente (eu sei que é óbvio) em português, ainda que se possa recorrer às traduções.
A quantidade não será o mais importante. Porém, dos mesmos seriam feitos testes de verificação de leitura que contariam para a classificação final da disciplina de Português, em cada ano.
Percebo que VGM fale da Odisseia e de Frederico Lourenço, d'Os Lusíadas e de Amélia Pinto Pais, num programa mais vasto e que implicasse a televisão. E porque não a Divina Comédia e Vasco da Graça Moura?
Trazer os clássicos à colação, nestes tempos que correm, dominados por outros chamamentos, poder-se-á revelar contraproducente. O Professor Saraiva, apesar dos seus dotes de comunicador, não conta entre os seus ouvintes os jovens de Portugal. Outros terão de ser os meios e os veículos de sedução. E é aqui que está o nó, no que à televisão diz respeito.
Como o óptimo é inimigo do bom, comece-se pela obriagatoriedade a partir do quinto ano de escolaridade. Três ou quatro livros por ano. A cruz é grande, mas o objectivo é nobre!

sábado, junho 10, 2006

DUAS NOTAS

O Presidente da República agraciou com a Ordem da Liberdade o cidadão Óscar Lopes, neste dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. É gesto largo que merece ser saudado. Poucos portugueses se poderão igualar a Óscar Lopes. É o ensaísta mais proficuo de toda a História da Literatura portuguesa; quiçá um dos homens mais sábios do seu tempo; o que ficou e lutou sempre, denodadamente, pela liberdade do seu povo.
Cavaco Silva, que há anos confessava que não sabia quantos cantos tinham Os Lusíadas, ontem, provavelmente aconselhado por sua mulher, lembrou que José Gomes Ferreira tinha nascido no Porto, na Rua das Musas, em 9 de Junho. Em 9 de Junho de 1900. Atravessou quase todo o séc. XX. Escreveu vários volumes de poesia, muita prosa narrativa e crónicas. Foi um dos poetas mais amados do seu tempo. Foi um poeta da liberdade.
Para quem teria um défice cultural, registe-se a atitude do Presidente.

quinta-feira, junho 01, 2006

AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES I

Na minha humilde opinião de ex-professor do ensino privado nocturno, a intervenção dos pais na avaliação dos professores faz todo o sentido. Oxalá a Ministra não vacile, que esta poderá ser uma medida capaz de mexer com o "deixa andar" das nossas escolas.
Esta minha posição poder-me-á custar caro, porque a sei ao arrepio do que pensa a poderosa corporação; porém, ficaria a mal com a minha consciência, se não exprimisse a minha opinião frontal e sincera. Felizmente não pertenço ao grupo - nem quero pertencer-, daqueles a quem uma arrogante professora Bonifácio apelidou de analfabetos ou coisa parecida, num recente debate televisivo.
Nas nossas escolas, os professores têm sempre razão. E o problema não é de hoje. Herdá-mo-lo do Estado Novo e parece que há forças poderosas dispostas a manter a situação. Têm sempre razão em matéria disciplinar, têm sempre razão em matéria científica, didáctica e pedagógica, têm sempre razão em matéria de avaliação de conhecimentos. Este ter sempre razão é simplesmente arrogância pura. Nas nossas escolas, na verdade, pontifica a arrogância e a prepotência. E daí a lindeza de resultados, nomeadamente na Escola Pública.
A defesa da Escola Pública, onde sempre estudei e estudam os meus filhos, passa por uma intervenção efectiva de todos os elementos que constituem a denominada comunidade escolar. E deve partir-se do princípio que o elemento principal e a razão de ser da própria escola é o aluno. Se entretanto se coloca o enfoque da problemática escolar no professor e as culpas são atribuídas aos pais e aos alunos, o que se pode dizer, no mínimo, é que há sempre uma desresponsabilização dos mesmos.

sexta-feira, maio 26, 2006

INCLUSÃO

No discurso proferido no dia 25 de Abril, na Assembleia da República, o Presidente Cavaco Silva elegeu a inclusão social como tema central dessa sua comunicação aos deputados e ao país.
Alguns dos papagaios do costume, habituados a olhar o Presidente apenas como economista, não valorizaram suficientemente o tema eleito. E muitos houve até que se preocuparam mais com a questão do cravo na lapela, que com a questão substantiva da dicotomia inclusão/exclusão.
Sabe-se hoje que o Presidente, que quer ser consequente com o seu discurso do 25 de Abril, vao visitar concelhos deprimidos do Algarve, Alentejo e Beira Baixa. Em Vila Velha de Ródão, reunirá com autarcas dos distritos de Castelo Branco e Portalegre.
Sabe-se que o Presidente não tem poder executivo. Porém, o facto de visitar concelhos como Castro Marim, Nisa e Vila Velha de Ródão, vai certamente obrigar os media a falarem sobre a desertificação paisagística e humana e os problemas das populações do interior mais interior.
Não votei em Cavaco Silva e não tenho por ele nenhuma simpatia especial. Parece-me, todavia, que é da mais elementar justiça saudar a iniciativa presidencial. Os nossos concidadãos do interior merecem o nosso olhar atento e a nossa solidariedade. É preciso que se passe das palavras aos actos. E a iniciativa presidencial poderá ser a grande pedrada no charco.
Os portugueses do interior não devem ser olhados como uma espécie em vias de extinção. E dever-se-á assumir que a excessiva litoralização de Portugal é hoje a sua doença mais grave.

sexta-feira, maio 19, 2006

AO CONTRÁRIO DE BORGES

Ao contrário de Borges, cedo dissipei as minhas dúvidas. Não haverá "ciclo segundo". E mesmo as cidades, quando as sabemos dos escombros erguidas, ainda que ocupem o mesmo espaço, nunca são as mesmas.
Um dia, não quando a luz deixar de ser visita dos meus olhos, mas sim quando a máquina que bate dentro do meu peito refractária se tornar ao seu incessante trabalho, ao crepúsculo terei chegado.
Não haverá "ciclo segundo".
O que já foi, nunca mais voltará a ser.

sábado, maio 13, 2006

PARIR EM CASA

Vistas as coisas com frieza, parir nas maternidades é um luxo perfeitamente dispensável. No meu caso pessoal, ainda que não me lembre, nasci em casa e a parteira foi a minha avó paterna. E cá estou, não rijo e forte como um pero, mas com vontade de inetrvir e, se possível, ajudar a formar opinião acerca deste e de outros assuntos. Sempre numa óptica progressista e humanista.
Os direitos sociais dos cidadãos - os ainda existentes-, estão ameaçados, porque o mundo mudou, dizem, e é preciso proceder às convenientes adaptações. A economia é global, lembram-nos quotidianamente, e é preciso competitividade. O que, trocado por miúdos quer dizer que é preciso trabalhar cada dia mais e de preferência com piores salários e menos direitos sociais. Perceberam?
O encerramento das maternidades é uma parcelinha do todo. Há que racionar -não, não é racionalizar-, os custos, à custa do bem-estar e da segurança das parturientes, porque os 6,83 de 2004 terão de ser menos de 3, em 2009. E depois, de um momento para o outro, os próceres do regime desataram a querer reduzir o peso do Estado e a despesa pública a todo o vapor, mesmo que a taxa do desemprego se escreva com dois dígitos.
Sabendo nós quão capaz é a sociedade civil portuguesa, que tem chupado a teta do Estado até onde pode e amealhado ou delapidado a mais valia da exploração, estamos conversados. Dentro de cinquenta anos continuaremos na cauda da Europa, já atrás da Roménia e daBulgária, ainda que o simples facto de o mundo ser mundo, permita alguns avanços no domínio do bem-estar humano.
Voltando ao princípio, porque os excursos são sempre perigosos, quero aqui lembrar que parir em casa é a melhor solução, porque filhos e mães podem ficar tranquilamente em casa, sem os incómodos de ambientes estranhos e de perigosas correntes de ar. E rodeados da simpatia e do carinho de toda a família.

sexta-feira, maio 12, 2006

A FEBRE

Dir-se-ia que as chamadas democracias caminham, dia após dia, no sentido do esmagamento das liberdades direitos e garantias dos cidadãos. A pretexto da segurança colectiva e para se precaverem de aventuras totalitárias. Dentro de poucos anos, não conseguiremos dar um passo sem a presença discreta de uma câmara, sem o olhar invisível e omnipresente de um satélite. É a febre securitária.
Pelo rumo que as coisas levam, começo a acreditar que caminhamos efectivamente para o fim da história. Doravante, tanta é a vigilância e a sua qualidade, que ninguèm poderá ter a veleidade de um "putch", mesmo quando os governantes se mostrem incompetentes e intoleráveis. O mundo dito democrático está a perder atractivos
Aos Gueterres sucedem os Barroso, aos Barroso sucedem os Santana e aos Santana sucedem os Sócrates, mesmo que as legislaturas não sejam acabadas. Sai-se e entra-se no pântano ou entra-se e sai-se do pântano, que o diabo venha e escolha, que a sorte do povoléu parece estar traçada desde o princípio do mundo: criar mais-valia para encher a pança de meia dúzia de comandantes da economia e da finança. Mais aos fazedores de leis de serviço, que nunca se cansam de meter o bedelho na vida dos cidadãos. Mais aos executantes das leis que os fazedores parece que fazem, mas não fazem, porque quem faz são os os pançudos que mandam na economia e na finança.
Aposto que um dia dá-lhes na gana e por decreto vão-nos proibir o direito ao suícídio!