sexta-feira, abril 30, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 30 de Abril de 2010 – Confesso que já começo a ficar farto de certos basbaques que não se cansam de repetir que é preciso dizer a verdade ao povo. Ora se estes detentores de verdades, mais ou menos teológicas, só agora ou recentemente se tornaram adeptos de falar a verdade ao povo, algo fede neste nosso reino da Dinamarca.

Portugal é hoje um lugar perigoso, porque há gente muito influente na política sem cultura democrática. É evidente que um aldrabão é um aldrabão, mas ninguém se pode arrogar a posse de verdades únicas para dizer ao povo. O PPD-PSD tem sido o campeão nesta matéria, mas pela razão comezinha de que quer voltar a sentar-se à mesa do orçamento quanto mais depressa melhor. Porém, era bom que não comesse tanto queijo e que nos dissesse que verdades nos disseram no passado, nomeadamente quando houve dinheiro a rodos para modernizar o aparelho produtivo nacional e deixaram tudo piorar.

Era bom que o PPD-PSD dissesse verdades simples como estas: connosco, as contas das obras públicas também derraparam e as construtoras encheram-se à tripa forra; companheiros nossos, que foram ministros e secretários de Estado, cometeram crimes económicos que o povo vai ter que pagar com língua de palmo e meio; companheiros nossos, com a ajuda do partido, foram nomeados para administradores de empresas públicas e ou pelo Estado participadas, auferindo, num país onde grassa a mais abjecta pobreza, ordenados e prémios obscenos; etc.

Dizer que se vai dizer a verdade ao povo é apenas um cliché, que, no momento actual, serve para mentir ao povo. Falar verdade ao povo seria, por exemplo, dizer coisas simples como estas: todos os carros ao serviço da governação, nos seus diversos escalões, têm de durar, no mínimo, quatro anos, mesmo que entretanto se mude de governo; nenhum ministro poderá, seja a que pretexto for, comprar mobiliário novo e remodelar aposentos; nenhum ministro ou outro mandante qualquer, poderá ter mais de três (este número poderá ser revisto) secretárias; nenhum ministro ou outro mandante qualquer, poderá encomendar estudos fora do seu ministério, desde que no mesmo haja pessoal qualificado para o efeito; nenhum governante poderá nomear filhos, enteados, sobrinhos e outros parentes seus, ou que tenham um vínculo idêntico com outro membro do governo.

Falar a verdade ao povo, antes de mais, passa por dar o exemplo. O exemplo valeria por milhares de palavras e o nosso amado P. António Vieira poderia descansar eternamente em paz.


QUADRAS DE ESCÁRNIO

Abril vai passando, lento,
E com poucas emoções.
O país vive o momento
Dos pulhas e dos ladrões.

Meu Portugal videirinho,
Onde tanto se labuta,
Tudo metes no cuzinho
De certos filhos de puta.

Ergue a cabeça e explode,
Como naquele outro Abril
E verás que quem te fode
Vai de novo pró Brasil

Ou outro sítio qualquer,
Com a fortuna aumentada.
Até te leva a mulher,
Deixando-te cá sem nada.

II

Eu amo este belo país,
Que espera quem não vem.
Terra de gente infeliz
De olhar vago e sempre aquém.

Obediente aos tiranos,
Pouco preza a liberdade.
Passa séculos e anos
Muito atido à caridade.

Um povo quer-se viril
E capaz de fazer frente
Aos que por maroscas mil
O querem triste e indigente.

Eu sei que não fico bem
Em tão severo retrato.
Azar. Português também,
Não mereço melhor trato.

quarta-feira, abril 28, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 27 de Abril de 2010 – Uma sigla e uma notação puseram um país habitualmente tranquilo em polvorosa. S&P e “A-“, são as causadoras das nossas apreensões, que já eram muitas e agora passam a ser muito mais.

Sócrates e Passos vão encontrar-se hoje para concertarem não sei quê, porque se soubessem concertar fosse o que fosse, já tinham dado um conserto nesta coisa toda.
Não há, pois, nada de bom a esperar deste encontro, porque vão servir-se de um receituário velho e que deu os bonitos resultados que estão à vista.

Na minha humílima opinião, garanto que o mundo está perigoso, porque os tratantes de anteontem são os mesmos que agora aparecem virtuosos a dar notas e a recomendar o que se deve fazer, que, inevitavelmente, nos há-de conduzir, debelada a crise actual, a crises futuras. Dir-se-ia que o capital especulador tomou conta do mundo, relegando a economia para um secundaríssimo plano.

Nós estamos agora a pagar as favas pelo desmoronamento do nosso aparelho produtivo, que, de cedência em cedência, se resume agora a meia dúzia de coisas sem grande importância. Valham-nos as temperaturas altas de ontem e de hoje, que até parecem estar em consonância com o terramoto que nos está a atingir.

Valha-nos Santa Quitéria!

segunda-feira, abril 26, 2010

Malveira, 26 de Abril de 2010 – Ontem, 25 de Abril, meti-me no comboio em Santa Iria de Azóia – coisa que já não ousava fazer há vários anos -, e fui com o senhor meu sogro desfilar na Avenida da Liberdade, que é a única artéria da cidade que merece receber aqueles milhares de celebradores contumazes. E a viagem até foi rápida e nada maçadora.

Antes de falar das pessoas que vi e das palavras de ordem que ouvi, quero aqui dizer que os comboios foram extremamente pontuais e já possuem asseio e conforto que não destoam dos seus congéneres franceses, que são os que conheço melhor.

A Avenida encheu-se de gente – não à pinha, obviamente -, e por ali se viam as “vacas sagradas” destas coisas e aquele genuíno povo de Lisboa e arredores, sempre generoso e combativo. Sim, aquele povo que só sonhou com um Portugal mais solidário e nunca com este território de desigualdades mais ou menos obscenas. Era esse povo que gritava a urgência de mudar de rumo às políticas do governo. Francisco de Assis ( eu não sei se é com “de”, como o outro que era filho e de um negociante de tecidos e veio a ser santo) não pôde deixar, ainda que em ambiente festivo, as profundas preocupações dos que ainda festejam Abril.

Tempo para ver Miguel Urbano Rodrigues, à distância, que chegou a dormir com a cabeça encostada no meu ombro direito, entre a Venda Nova e Santa Iria de Azóia, nos tempos dos comícios, colóquios e outras actividades lúdicas e culturais. Miguel Urbano, que é autor de um romance muito ousado e bem escrito, ALVA, lá ia com a família, ainda em muito bom estado, apesar da sua vida cheia de aventuras.

Quem não vi, e que também andou na minha Dyane azul-celeste, foi a D. Zita Seabra. Desencontrámo-nos, provavelmente.

sexta-feira, abril 23, 2010

Jardim Ary dos Santos

SANTA IRIA DE AZÓIA





Ó vila de Santa Iria,

Minha terra de adopção,

Ao 25 de Abril

Deste o braço e o pulmão!




Deste o braço e o pulmão,

Numa louca correria.

Foram tempos de paixão

E de fraterna utopia.



Manuel Barata, QUADRAS QUASE POPULARES, ULMEIRO, 2003.

quinta-feira, abril 22, 2010

QUADRA DESTE TEMPO

Nevoeiro de manhã
Não casa nada comigo.
Prefiro o sol de Junho
Pra ir à praia contigo.

quarta-feira, abril 21, 2010

CONFISSÃO

Há dias,
Despudoradamente,
Roubei um verso
Ao poeta Albertí.

Coisa sem importância
Dirão os (des)entendidos
Que pululam
Por aí.

Roubar, meu amor,
Só na loja das flores,

uma rosa
para ti.

sexta-feira, abril 16, 2010

ACERCA DOS LIVROS
1


De e com livros tem sido feita a minha vida:
Bons, maus, e assim-assim.
Neles, aprendi metade do pouco que sei;
Sem eles, não sei dizer o que de mim seria!

Outro homem, decerto, seria…

2



Com Fonseca, Manuel como eu,
No culto das musas me iniciei:
Ainda hoje vejo passar a tuna do Zé Jacinto
E me delicio com as alvas rolas,
Que Maria Campaniça escondia sob a blusa.

Por mil anos que um homem viva
Há metáforas que nunca morrem nem esquecem.

3


A prosa chegou com a colecção seis balas.
Só depois chegou Ferreira de Castro
E o seu casto português.
Fiz-me amigo de Manuel da Bouça e de Ricardo;
E, sobretudo, de Marreta e Horácio.

(E é chegado o momento de dizer,
Que se dane o espanhol que não quer
Referências culturais na poesia.
Que se dane pois o espanhol,
Cujo nome já esqueci).

4


Santareno
Veio ainda antes de Vicente!
Primeiro, o Édipo de Alfama;
Só depois, chegou o autor das barcas
e o pai de Antígona.

Franzino, António Martinho do Rosáro
Teve artes para ganhar a dianteira.

Em boa hora.

5


De e com livros tem sido feita a minha vida.

Manuel Barata, FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, Santa Iria, 2009




sábado, abril 10, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 10 de Abril de 2010 – Escolhido o lidere, o PSD reúne-se em congresso para tentar arrumar a casa e transmitir ao país a ideia de que é a grande alternativa à actual governação do PS. O novo Messias aí está, rodeado de apóstolos, pronta para pregar um Portugal novo, enquanto a comunicação social o quiser e os seus não decidirem pela crucificação.

Passos, que dos paços pouca experiência tem, tem boa imagem e fala sem gaguejar. Reúne todas as condições para vir a substituir Sócrates, que, sendo engenheiro, também conhecia bem o poder da retórica. E a retórica, como escreveu Roland Barthes, é efectivamente um poder. Dir-se-ia que só Cavaco, que nem sequer sabia o número de cantos da epopeia nacional, constituiu uma excepção. Sabia de economia e tinha uma imagem de austeridade, que, na época, colheu junto dos portugueses.

O grande espectáculo está montado, nomeadamente na SIC-Notícias do tio Balsemão, por onde passam Passos e os seus ajudantes, futuros isto e aquilo, comentadores, analistas e muitos jornalistas. Em bom rigor, podemos dizer que estão a ser criadas as condições subjectivas para mudar de chefe e de governo.

Eu sei de ciência exacta que o que aí vem não é bom. Não digo isto pela pessoa de Passos. Não digo isto por nenhum dos outros Passos, incluindo os da minha cor política. O que conta são as políticas protagonizadas e que os actores querem levar à prática. Do simpósio conhecido do novo senhor PPD-PSD não consta nada de novo para receitar.

E este, como agora se diz por aí, é que é o ponto.

quarta-feira, abril 07, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 5 de Abril de 2010 – E agora que se andava a falar de submarinos e de alta corrupção, desenterra-se a actividade de Agente Técnico de Engenharia de Sócrates e deixam-se afundar os referidos submarinos. De um momento para o outro, numa espécie de truque de magia à Luís de Matos, recolocam-se no centro da discussão política os projectos de engenharia assinados pelo actual primeiro-ministro, quando era deputado a tempo inteiro, ou seja, em regime de exclusividade. Um caso com barbas de vinte anos ou quase.

Eu não gosto de Sócrates e já o escrevi inúmeras vezes; no entanto, parece-me haver um exagero na perseguição ao passado do homem. E quer-me parecer que com o intuito pouco claro de deixar morrer ou marinar sem consequências situações muito mais graves e lesivas do interesse nacional.

Não gosto de Sócrates, repito. Tem feito muito mal ao país e aos portugueses. No entanto, os seus inimigos não são, certamente, as vítimas maiores das suas políticas. Os seus inimigos são aqueles que gostariam de ver os da sua cor no poleiro. Os grandes inimigos de Sócrates são os que querem alternar no exercício do poder.
Portugal não precisa de alternância no poder. Portugal precisa de políticas alternativas. E essas não virão, com certez, das fileiras da direita.

Bem ou mal, os portugueses deram a vitória ao PS e a Sócrates, nas últimas eleições legislativas. Por isso mesmo, tem toda a legitimidade democrática para governar. E talvez seja este o momento de relembrar a parábola bíblica da adúltera.

sábado, abril 03, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 3 de Abril de 2010 – Acabei de ver o programa “Plano Inclinado”, na SIC-Notícias, onde pontificam Medina Carreira, Nuno Crato, Mário Crespo e João Duque. Nada menos que três distintos professores e um insigne jornalista, que têm entre si dois traços comuns notórios: um enorme pessimismo e uma grande animosidade em relação ao actual executivo.

Durante uma hora, os intervenientes falaram de coisas importantes, nomeadamente de algumas das chagas do sistema educativo. Medina, sempre mais acutilante e recorrendo as expressões patuscas, ditou para a acta que este país não tem nada bom.

Eu não tenho quaisquer dúvidas de que nem tudo vai bem neste nosso reino da Dinamarca. Penaliza-me ver a anciã Maria Barroso, por exemplo, ser madrinha de um dos submarinos do nosso escusado endividamento; penaliza-me saber que a justiça tem dois pesos e duas medidas; penaliza-me que os governantes não tenham rasgo e não resolvam os grandes problemas nacionais.

Penaliza-me saber Portugal prisioneiro destes críticos e destes governantes, porque não é com uns e outros que venceremos a crise e nos tornaremos numa pátria mais fraterna. Portugal precisa de querer e saber ousar novas soluções governativas. Portugal precisa de políticas que apostem no renascimento do nosso aparelho produtivo.