segunda-feira, dezembro 26, 2011

DO MEU DIÁRIO

Altar da Sr.ª de Mércoles

Santa Iria de Azóia, 26 de Dezembro de 2011 – Nos últimos tempos tenho-me entregado muito à preguiça. Uma leitura ou outra, meias-horas de marcha para combater a sedentarização e pouco mais. Mas isto não pode continuar!


Ontem, já tarde, peguei no último “Reconquista” e na segunda página deparei com um poema de Tarsício Alves, padre, alusivo à quadra natalícia e aos tempos que vão correndo. Agradável surpresa, porque Tarsício Alves foi meu explicador de latim, no primeiro ano da década de setenta (do século passado, claro) e com ele tive o primeiro contacto com os textos de Cícero.


Era um jovem padre que se dedicava à poesia e ao estudo das línguas. Sabia latim e grego (clássico e moderno), francês, italiano, russo, inglês, hebraico e outras! Sim, e outras! E ainda tinha tempo para dedicar ao estudo do património, tendo editado um trabalho sobre a capela de Nossa Senhora de Mércoles. Um sábio e um ser humano de eleição.


Castelo Branco merece este Homem!

domingo, dezembro 25, 2011



TENHO O VELEIRO ANCORADO



Com David Mourão-Ferreira ne memória




Ah, dói tanto esta ferida,

que trago no coração.

É por te não ver, querida,

que não tenho outra razão.



Preciso de te falar,

de te abrir o coração.

Já não posso mais calar

a minha inquietação.



Tenho o veleiro ancorado

e sinto forte a aragem.

Vem meu amor desejado

pra fazer nossa viagem.



Vamos sulcar largos oceanos

à aventura e sem medo.

Quero mostrar-te lugares,

contar-te um velho segredo.



Vem. Vamos neste veleiro,

hoje, já, sem rota certa.

Vem meu amor feiticeiro,

que a porta está sempre aberta.




in Quadras Quase Populares, Ulmeiro, Lx., 2003.

sábado, dezembro 24, 2011



QUANDO

quando o teu choro inundou
o silêncio doloroso daquela noite longa

quando me apoderei da certeza
de perfeição desejada

quando...

quando meu amor
soube tudo
do pouco muito que queria saber
corri pelas ruas da cidade
como um cavalo sem freio
para repartir a alegria incontida
de ter dado vida à vida

e após respirar fundo o ar
de Lisboa ainda adormecida
recostei-me no banco do automóvel
e deixei que os meus olhos vertessem
uma lágrima comovida.

Lisboa21 de Janeiro de 1981

quarta-feira, dezembro 21, 2011

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 21 de Dezembro de 2011 – Hoje, pelas 18H00, na Biblioteca Municipal de Castelo Branco, será lançado um novo trabalho do poeta João de Sousa Teixeira, Súbita FlorestaEnquanto durar a eternidade, da rvjeditores, com um prefácio de Carlos Semedo, que fará também a apresentação.




Voltarei a falar deste trabalho em prosa de João Teixeira, aliás, João de Sousa Teixeira, focando o espaço do Barrocal e de personagens como João Moncarche e Mariazinha, de “copos de leite” e de “meninas amélias”, isto é, de espaços e denominações que ainda continuam a povoar o meu próprio imaginário.




Aqui fica a notícia, neste humílimo espaço, para a cidade e o mundo.

sexta-feira, dezembro 16, 2011



COMO SALOMÃO
(inspirado nos Cantares)
I
Só os deuses sabem,
Ó amada minha!,
Como o meu coração se agita
E a minha alma rejubila,
Quando entro na tua vinha
E saboreio os melhores cachos.

II
Só os deuses sabem,
Ó minha amada!,
Como é forte e doce o néctar precioso
Que saboreio nos teus lábios.

Por isso quero ser, noite e dia,
Ó minha amada!,
O guarda da tua vinha.


Santa Iria, 2001


terça-feira, dezembro 13, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 13 de Dezembro de 2011 – Era bom que alguém levasse aquela senhora alemã, que quer governar toda a Europa, a um bom oftalmologista. É que eu vejo a senhora sem óculos – e não topo se usa, ou não, lentes de contacto – e sei que ela sofre de miopia. De uma miopia tão grave, que um dia há-de ter que comprar um cão para poder andar na rua.


Édipo ainda teve Antígona, boa filha e também boa irmã, que o amparou, quando, finalmente, percebeu a causa das desgraças que se abatiam sobre Tebas e teve de deixar o poder. Édipo cegou-se e quis expiar todos os seus crimes, chamemos-lhe assim. A sr.ª Ângela, que de anjo pouco terá, terá mesmo de comprar um cão, porque quando cair em Berlim, não terá nenhuma Antígona a seu lado.


Mas era óptimo que levassem Merkel a um bom oftalmologista - nunca a Medina Carreira nem a António Barreto -, porque a miopia da senhora já trouxe muita desgraça e mais desgraça trará, se não lhe receitarem um eficaz par de óculos.


Sim, o problema da Europa e do Ocidente é a desindustrialização. Mais o capital beduíno e as holandas e os patriotas do cifrão, que tudo vêem e tudo medem em função dos seus mesquinhos e insaciáveis interesses. E também do espírito santo e de todos os espíritos santos lusos e do mundo inteiro.

quinta-feira, dezembro 08, 2011

DO MEU DIÁRIO

Sociedade Recreativa 1º de Agosto Santa Iriense

Santa Iria de Azóia, 8 de Dezembro de 2011 – A sala de espectáculos (multiusos) da Sociedade Recreativa e Musical 1º de Agosto Santa Iriense encheu-se, a noite passada, para se falar da vida e obra de Alves Redol. Sala cheia e ninguém arredou pé antes do porto de honra com que se encerrou esta iniciativa cultural, que vai ter novos capítulos nos próximos dias.
Falou-se mais do homem do que da obra. Desta falou-se ao de leve e para realçar o modo com Redol recolhia a matéria que, numa fase posterior, haveria de romancear. Dos AVIEIROS se falou, do BARRANCO DE CEGOS e dos GAIBÉUS. E também do CONSTANTINO, pois claro.
Afinal de contas, o nome da biblioteca desta colectividade de cultura e recreio teve mesmo o consentimento de Alves Redol, que esteve presente em sessões culturais. O convite foi levado pessoalmente por José Maria da Silva e por Manuel Lourenço, no distante ano de 1964. Ontem, ambos abriram o livro e disseram como foi.
Uma palavra para José Movilha – verdadeira enciclopédia da vida e obra de Redol -, que foi, de longe, a pessoa que mais informação trouxe ao colóquio.
E claro, também uma palavra de agradecimento a todos os que, de uma forma ou outra, possibilitaram a realização deste evento, comemorativo do centenário do nascimento do introdutor do neo-realismo em Portugal.

domingo, dezembro 04, 2011

DO MEU DÁRIO

LOBO DE CARVALHO, SOUSA DIAS E CRISTINA MENDES


Santa Iria de Azóia, 4 de Dezembro de 2011 – Ontem, houve colóquio no Castelo de Pirescoxe. De PATRIMÓNIO físico se falou durante mais de duas horas.
Usaram da palavra Sousa Dias (arquitecto), Cristina Mendes (acérrima defensora do património de Santa Iria) e Lobo de Carvalho (arquitecto). Três intervenções interessantes, em que os oradores expuseram as suas ideias acerca do património e da sua conservação.
Sousa Dias, que é um pensador do urbanismo e que teve a felicidade de trabalhar na área da arquitectura que escolheu, falou do modo peculiar como os portugueses sempre construíram as suas cidades, ora amontoando casas sobre casas, ora obedecendo a planos racionais, dando de Lisboa o exemplo do Castelo e da Baixa Pombalina. Falaria ainda da Cidade da Praia, em Cabo Verde e de Vila Real de Santo António.
O Professor Sousa Dias explicou a feliz conjugação de esforços que conduziu à reconstrução e/ou restauração-reconstrução do Castelo, ou seja, o local com História que os urbanistas procuram para desenvolverem os seus projectos. Ainda que a restauração-reconstrução do Castelo tenha sido concluída após a construção da Quinta do Castelo, esta foi toda pensada em função do Castelo e do Tejo.
Cristina Mendes falou do Castelo propriamente dito e do papel que desempenha na localidade. Fez uma sinopse completa da História do morgadio, desde as origens à actualidade, com o enfoque nas famílias que foram proprietárias da propriedade, ou seja, um vasto espaço que confinava com o Tejo.
Lobo de Carvalho falou do conceito de PATRIMÓNIO, um conceito recente e europeu, diferente dos conceitos orientais, onde não há a intenção da conservação, mas da reprodução “tout court”. Introduziu ainda o conceito de PATRIMÓNIO natural. Parece-me ter havido convergência de pontos de vista entre os dois arquitectos numa questão fundamental: nada é eterno; e, por conseguinte, há que ajudar o PATRIMÓNIO a perecer com dignidade.
Como não tirei quaisquer apontamentos, poderei ter cometido imprecisões. Se o fiz, fi-lo involuntariamente; creio, todavia, que não abastardei o pensamento de ninguém. E sinto-me feliz por ter estado, ainda que displicentemente neste evento, do qual saí com mais conhecimento acerca do trabalho dos fazedores de cidades.

quinta-feira, dezembro 01, 2011

veredas e caminhos

Santa Iria de Azóia, 01 de Dezembro de 2011 – Neste 1º dia de Dezembro, feriado nacional, inicio uma nova etapa na minha vida. E com uma sensação estranha. Eu explico: nunca gostei da minha actividade profissional na Função Pública, embora sempre tivesse feito tudo para desempenhar bem as minhas funções; e ontem, quando pedi para me deixarem sair, pressenti que por detrás ficava uma porta para sempre fechada.
Não sou dado a grandes comoções; reconheço, todavia, que não passamos incólumes pelas instituições, que, ainda bem que assim é, são, antes de mais, constituídas por pessoas. E se não gostava das funções, sempre gostei das pessoas, com as quais me fui relacionando, ao longo de quase trinta e seis anos, sem quaisquer problemas. E ontem, antes de sair, comovi-me abraçado a um dos homens mais humilde que conheço e cujo nome aqui fica: José António Cana Verde, o funcionário da reprografia. E também da Luciana. Ambos sportinguistas, com quem me fui metendo ao longo destes anos.
Porta fechada, capítulo encerrado, nova etapa na minha vida. De livros e de flores e de frutos quero que o futuro seja feito. Ler poetas e fazer livros é uma intenção antiga; porém, como os tempos não vão muito com os prazeres da minha vida, outro poderá ser o caminho. A ver vamos, como dizia o cego.

terça-feira, novembro 29, 2011

DO MEU DÁRIO


Santa Iria de Azóia, 26 de Novembro de 2011 – Portugal vive hoje acocorada perante três governadores estrangeiros, que vêm cá, de quando em vez, para dizerem se os serventes locais estão ou não a fazer bem o trabalhinho encomendado.




Esses gigantones, que o nosso povo não elegeu, servidos internamente por servidores sem brio patriótico, rasgam-nos a constituição, suprimem-nos todas as leis, impõem-nos a “governança”, como se quem empresta, para além dos juros e das comissões extraordinárias que recebe, ainda tivesse o direito de insultar quotidianamente o devedor.




E não contente com os malefícios presentes, os troikos de fora, e os de dentro mais ainda, querem-nos ver no futuro, com língua de palmo e meio, em ansiosas filas onde será distribuída a quotidiana sopinha. Quem é que entrevista um tal Paulo Portas e o confronta corajosamente com as suas promessas passadas? Quem?

sexta-feira, novembro 25, 2011

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 25 de Novembro de 2011 – A direita ainda não tem a coragem de contestar o direito à greve; mas, começam a surgir sinais de que o poderá vir a fazer a breve trecho.


O direito à greve foi conquistado ainda no século dezanove e tem sido comummente aceite pelas democracias como um direito inalienável dos trabalhadores. O direito à greve tem sido uma das marcas das democracias. Acontece, todavia, neste mundo em permanente mutação, que os sagrados mercados começaram a impor governos aos povos. Atente-se nos exemplos da Grécia e da Itália para já. Um dia destes, os sagrados mercados, mais as troikas e os serventuários locais das mesmas, lembram-se de suprimir o direito à greve e zás!


É inquietante que algumas das perguntas recorrentes do dia seguinte ao da Greve Geral sejam estas: o que mudou de 23 para 25? O que se alterou? Ficou melhor o país e as pessoas? Parecem perguntas pertinentes e simples, mas encerram em si o mais primário desprezo por um direito constitucionalmente protegido e que é considerado como a principal arma daqueles que vendem a outrem o seu trabalho.


Sinal dos tempos, ou talvez não, estas e outras atitudes antidemocráticas começam a fazer o seu caminho. É preciso, portanto, que se dê combate permanente e eficaz a todos aqueles que só vêm no lucro o fim último da actividade económica. É preciso lutar e reafirmar a superioridade do Estado Social, perante os interesses individuais e mesquinhos dos que detêm os meios de produção da riqueza.

quinta-feira, novembro 24, 2011

UM DIA NUMA VIDA



Foi em 27 de Julho. Era de 1970. Paris.
Na pacatez da rua Fleurus, Vitória,
Exuberante, exibia o Le Monde e gritava:
“O Salazar morreu! O Salazar morreu!”

Ah, como eu me lembro ainda do teu sotaque inglês
E dos teus longos cabelos pretos, Vitória!

Eu nunca te poderia olvidar, Vitória,
Ainda que não tenhamos bebido o comemorativo champanhe!






inédito

quarta-feira, novembro 23, 2011

O AREEIRO

Só os tolos ousam
Contra
A vontade dos povos.

Talvez daqui a mil anos
O Areeiro
Se chame
Praça Sá Carneiro.

(Agora
É só nome p’ra carteiro).

sexta-feira, novembro 18, 2011

JOÃO RODRIGUES, Amato Lusitano

João Rodrigues, Amato Lusitano

João Rodrigues, hebreu,
Médico de profissão,
Pela fé dos seus sofreu
Graças à Inquisição.

Imponente, está agora
Num subido pedestal;
Contemplando, hora a hora,
O céu azul de Portugal.




inéditas

DO MEU DÁRIO


Santa Iria de Azóia, 28 de Dezembro de 2006 – Os meios de comunicação social fizeram-se eco, nestes últimos dias, da febre consumista que atingiu os portugueses este Natal. E forneceram números e mais números e até o montante gasto ao segundo.


A comunicação social, de um modo geral, tem uma enorme capacidade de se surpreender. Ou então, os rapazes e as raparigas que produzem a informação andam permanentemente desatentos. Em Portugal, estima-se que a economia paralela, também dita informal, valha mais ou menos 25% da economia que conta para as estatísticas e que é tributável. Assim sendo, anda por aí muito dinheiro à solta para comprar os mais diversos produtos. E também viagens, pois claro, como notava António José Teixeira, hoje, no circunspecto DN.


O problema – que é problema e sério -, radica no fato de Portugal não produzir e consumir. Ninguém se pode queixar seja do que for. Houve sempre quem tivesse pregado no deserto contra a destruição do nosso aparelho produtivo. Só que os políticos de serviço na governação não só não souberam impedir a destruição do aparelho produtivo, como estimularam o consumo desenfreado. E quem se habitua a um determinado modo de vida, dificilmente aceita andar de cavalo para burro


E por que razão havíamos de ser refractários a esta religião que, ao contrário das outras, nos mostra felicidade ao alcance dos nossos olhos?

quarta-feira, novembro 16, 2011

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 7 de Março de 1994 -Portugal é hoje um país de répteis. Não admira, assim, que a traição espreite a cada esquina. Os portugueses sempre foram mesquinhos e interesseiros. E nada dói tanto como a ausência de grandeza. Portugal começou a agonizar, com efeito, ainda na primeira metade do séc. XVI. Inelutavelmente, caminha para a dissolução final. E sobretudo, porque nunca mais soube encontrar alternativas credíveis e atempadas. Hoje, agarra-se e chupa a teta da mãe Europa com quantas forças tem. O pior virá, quando a teta, sugada até ao tutano, deixar de ser o almejado D. Sebastião.


Curiosamente, a religião fez-nos grandes e pequenos. Com o mito de cruzada dominámos metade do mundo; a Inquisição parece ter-nos castrado para sempre.

quinta-feira, novembro 10, 2011

S. MARTINHO

São Martinho é português,
Ninguém pode duvidar.
Dá-nos tinto aragonês
Outros vinhos de encantar.

Não há outra santidade
Deste povo mais querida.
Há festas na puridade
Alegres e divertidas.

Castanhas, chouriço e pão,
Tudo regado com vinho!
Haverá melhor razão.
Pra gostar do S. Martinho?

in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005

quinta-feira, novembro 03, 2011

DO MEU DÁRIO


Santa Iria de Azóia, 3 de Novembro de 2011. Esta pátria já não é a minha pátria. É o país deles. De Álvaro, de Gaspar e de Passos. E também do senhor Saraiva e do senhor Van Zeller e do senhor Belmiro e do senhor Santos e de outros que tais. É um país de gente que apostou num ajuste de contas com o 25 de Abril e com as suas conquistas.




Portugal, a pátria que sempre quis fraterna e solidária, é agora um sítio hostil, onde o chefe da governação sonha com tumultos, sendo que o seu governo é uma verdadeira central de convulsões. Portugal é, na hora que passa, um sítio que fede.




Neste sítio, portanto, que outrora foi a minha pátria, alguém usurpou o poder, porque de usurpação teremos que falar quando, não se dizendo ao que se vem, se ludibria o povo para lhe subtrair muitos direitos e a sua escassa fazenda. Este sítio, onde o trabalho é abastardado todos os dias e as desigualdades crescem, é o país deles. Por isso aconselham os jovens a abandonar o seu país, a sua terra, a sua pátria. Querem ficar sozinhos para raparem o fundo ao pote.



Definitivamente, Portugal já não é a minha pátria. É o país deles.

domingo, outubro 30, 2011

DO MEU DÁRIO


Santa Iria de Azóia, 29 de Outubro de 2011 – O principal responsável (?) pela governação de Portugal defendeu há dias o empobrecimento dos portugueses. É óbvio que nem todos os portugueses vão empobrecer; pelo contrário, há portugueses que vão enriquecer, e muito, com esta crise. Enriquecem os tubarões da finança e da distribuição; empobrecem os do costume, ou seja, aqueles que só dispõem do seu saber e do seu trabalho.


Um líder que ganhou eleições mentindo, apesar do piedoso Correia achar que se pode mentir, não deve merecer o respeito dos portugueses. Só um homem pequeno (do lat. pittinu) pode falar de empobrecimento do seu povo sem pestenejar. Como se pode dirigir um povo, conduzir um povo a bom porto, se o que se tem para oferecer é empobrecimento? Eu compreendo que se fale de sacrifícios, de austeridade, de poupança, etc., mas acho absurdo falar de empobrecimento. Nomeadamente, quando sabemos que há portugueses ricos, mais ricos cada dia que passa, a prescrever austeridade, poupança, sacrifícios e empobrecimento para a maioria dos seus concidadãos. Isto é inaceitável! Isto é indecente!


Na verdade, o principal(?) responsável pela governação, só o é aparentemente. O que é de estranhar é que se sinta bem no papel de executor das medidas prescritas pela”troika” e tudo faça para não desagradar àqueles homens sem alma e/ou às instituições financeiras que representam. Eu creio que por detrás daquele arzinho seráfico, há um político de direita, de direita pura e dura, que quer pôr o país a pão e água.


Eu creio firmemente que a “mansuetude” dos portugueses também tem limites. E creio ainda que nas horas difíceis que aí vêm, o PCP e a CGTP podem não ser os diques capazes de suster o descontentamento. A ver vamos.

sexta-feira, outubro 28, 2011

DO MEU DIÁRIO

Alqueva

61
Ontem passei por Mourão,
A caminho da albufeira.
Piquenique com leitão,
Pinga tinta de primeira.

62
Vir aqui comer leitão
Não casa lá muito bem.
Bom queijo, chouriço e pão,
Sim, e não choca ninguém.

63
Juro que tive saudade
Da sopinha de cação.
E também muita vontade
Do rico rancho de grão.

64
Vinho de Évora ao almoço,
De Reguengos ao jantar.
Um bom tinto mesmo moço
É de beber com vagar.



65
Oh, que bom estava o cabrito
Tão tenro e apaladado!
Com EA também levito,
Eu que tenho o pé pesado.

quinta-feira, outubro 27, 2011

NAMBUANGONGO

Ansiosos,
como loucos,
esperávamos a DO.

E quem não recebia carta
ou aerograma
ficava mais triste
e só.


Era a puta da guerra
- já sem guerra -,
no degredo
de Nambuangongo.

Lá,
onde até o céu
parecia mais alto
e inclemente.

Lá,
onde o napalm
devastara a paisagem
e matara gente.


(inédito)

GOSTA O POVO DESTA MALTA

Gosta o povo desta malta
De falajar fluido e forte;
Faz vénias aos da alta,
Aos do Sul e aos do Norte.

Vive sempre acocorado
Face à gajada do mando.
Fica em casa acagaçado,
Só reage de vez em quando.

Aceita o roubo e a pobreza
Como coisa natural.
E consente que a esperteza
Vá mandando em Portugal.

Venera beatos e santos
Aos quais roga protecção.
Adora rezas e prantos
E andar de chapéu na mão.

Um dia há-de acordar.
Precisa de um abanão
E aposto que há-de lutar
E à canalha dizer não.

terça-feira, outubro 25, 2011


CONTINUA O MUNDO DESCONCERTADO

Continua o mundo desconcertado,
Um mar de mentira e hipocrisia.
Desde Camões, pouco terá mudado,
Continua a mandar a vilania.

Os ricos, ousados e poderosos,
Ditam suas injustas leis ao mundo.
Incapazes de gestos generosos,
Tudo submetem ao dinheiro imundo.

Vivemos um tempo de submissão,
Que ignora princípios e valores.
O estudo, a probidade e a razão,

Deram lugar às cunhas e aos favores.
E assim corre a vida desta nação,
De engenheiros, bacharéis e doutores.

in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005

segunda-feira, outubro 24, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 24 de Outubro de 2011 – Afinal de contas, alguns dos trastes, que mais têm defendido a austeridade e o rigor nas contas do Estado, andam a mamar impudicamente nas tetas da pátria, sem dó nem piedade. Cambada!


Afinal de contas, alguns dos que mais têm vociferado contra os subsídios de reinserção recebem os seus próprios subsídios de “reinserção” e sentem-se confortadíssimos com a protecção de leis que terão ajudado a fazer ou que foram feitas pelos seus amigos e correligionários. Não querem ouvir falar da iniquidade das mesmas e da sua consequente imoralidade. Cambada!


E depois vêm com a treta de terem prejudicado as carreiras e as vidas familiares. Não sabiam ao que iam. Pobres anjinhos! E alguns foram tão prejudicados, tadinhos, que são presidentes-directores-gerais das maiores empresas do país. Cambada!

domingo, outubro 16, 2011

É o tempo

dióspiros
romãs



I
É o tempo
- O inexorável tempo -,
Que atenua a mágoa
E mostra
Quão profundas
Eram as raízes.

II
Um Verão vai
E outro vem.
E neste vaivém,
Decorre
A minha vida.

Esta vida que vai,
Vai e não vem.

III
Lentas,
As nuvens vêm
E vão.

Umas deixam (m)água
E outras não.

Ah, só o Verão,
Esplendoroso,
Alegra
O meu coração.

O Outono,
Decididamente,
Não!



quarta-feira, outubro 12, 2011

DISCURSO


DISCURSO

Muitos de nós que temos mãos e temos pés,
muitos de nós que fazemos adeus aos comboios nas estações,
muitos de nós que passeamos o conformismo pelas ruas da cidade,
muitos de nós,
um dia,
talvez um dia,
saibamos quão inúteis foram os nossos braços,
as nossas pernas,
as nossas bocas,
os nossos ouvidos
e os nossos cérebros.


Talvez um dia,
quando violarem o silêncio da nossa inutilidade
e já for demasiado tarde,
vejamos então como eram irreais
os nossos primorosos raciocínios.


Nesse dia,
não haverá lugar para lágrimas
e lamentações.
Nesse dia,
morreremos como cães:
sem palavras,
sem sonhos,
acéfalos,
loucos.






4 QUADRAS

Uma quadra bem urdida,
Em dia de inspiração,
Pode, se for atrevida,
Causar dano até mais não.

Eu quero estar sempre a salvo
Dos efeitos de uma quadra.
Tiro certeiro no alvo,
Faz pior que o cão que ladra

Quatro versos podem ter
Um final devastador.
É por isso, ‘stá-se a ver,
Que a quadra exige rigor.

Em tempos de roubalheira,
Uma quadra pode ser
A espingarda mais certeira
Para os pilantras vencer
.

sábado, outubro 08, 2011

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 8 de Outubro de 2011 – Europeu por convicção, vivo o momento que a Europa atravessa com grandes apreensões. E dói-me, dói-me muito, ver este grande paquete transnacional a afundar-se, perante a impotência vesga de quem se encontra ao leme.




A Europa da senhora Angela Merkel não é a dos fundadores, que, na década de cinquenta, assinaram o Tratado de Roma e puseram o barco a navegar. Os fundadores, que tinham assistido ao espectáculo fratricida da 2ª Guerra Mundial, queriam agora paz e cooperação, solidariedade e bem-estar.




Estes trastes, que estão ao leme do gigantesco paquete, não têm grandeza nem cultura europeia para dar continuidade ao projecto inicial. Esta Europa que amo e sou é um barco à deriva, que Veneza, sempre ameaçada pelo tempo, há-de ver afundar-se, inexoravelmente.

terça-feira, outubro 04, 2011

ENTRE SILVES E GRANADA



Vivo com esta mania
Das moirinhas encantadas.
São restos da fantasia
Dos velhos contos de fadas.

Entre Silves e Granada,
Procuro as lindas gazelas.
Ò moirinhas de Granada,
Doces, amáveis e belas!

Nas margens do rio Arade,
Dou largas ao desvario.
Ò divina Sherazade,
Salta das águas do rio!

Em Silves, com Ibn ‘ Ammâr,
Queria, se pudesse ser,
De moiras tagarelar
E um vinho doce beber.

Al Mu ‘Tamid saudar
Com respeitosa emoção.
Poeta, mais devagar…
Ai, tanta divagação!

Isto é apenas a parte
Do que em Silves penso e sinto.
Oh, cidade prenhe de arte!
Oh, meu cálice de absinto!


in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009

Foto de José Baeta de Oliveira (Silves)

quinta-feira, setembro 29, 2011

PARA ONDE CAMINHA A ESCOLA PÚBLICA

Escola da Mata, remodelada e mais acolhedora.

Santa Iria de Azóia, 29 de Setembro de 2011 – Eu frequentei a escola primária da Mata, no concelho de Castelo Branco, entre 1959 e 1964. Era uma escola com uma fachada típica do Estado Novo, com duas salas, uma destinada às meninas e outra aos meninos. Com muro ao centro, a dividir o espaço dos recreios.


No fundo, com aquela divisão por géneros, podia-se falar com propriedade de duas escolas, que só comunicavam através de um espaço com duas portas, onde os professores guardavam a lenha para consumir nas lareiras. No telheiro, onde nos abrigávamos do frio e do calor, porque nós íamos para a escola cedinho para acabar os trabalhos, os actuais TPC, e brincar, havia instalações sanitárias, que só eram utilizadas pelos professores e por alguma menina com estatuto. No entanto, éramos nós, os alunos, que bombeávamos a água da cisterna para um depósito, que depois havia de levar os excrementos para uma fossa.


No inverno, as lareiras funcionavam; porém, se algum calor produziam era apenas para os alunos mais próximos e para os professores, ela sempre de mantilha pelas costas e ele de sobrepeliz. E nós, mal enroupados, a bater o tarau, arreganhados, muitas vezes incapazes de escrever. E se calhar era por isso que cada professor tinha a sua régua de madeira para dar reguadas aos alunos, mormente aos que davam mais erros no ditado e erravam mais contas. Eu, uma vez, levei uma surra, que até andei de rastos dentro da escola, mas gritei, gritei, gritei, que a minha mãe até terá ouvido os gritos. Ficou-me desse tempo esta disposição para gritar e nomeadamente as injustiças.


As necessidades fisiológicas eram feitas numa tapada com alguns hectares, propriedade dos professores, que tinha algumas oliveiras ranhosas e era propícia, naquela época, ao cultivo do trigo. Pedia-se licença para ir fazer as necessidades e lá íamos nós, ora os rapazes, ora as raparigas, baixar as calças e levantar os vestidos. Um nojo, claro, vistas as coisas com os olhos de hoje, mas que naquele tempo era normal. Electricidade só depois do 25 de Abril, que também havia de trazer o saneamento básico à aldeia.


Esta manhã ouvi notícias sobre cortes na educação. E falava-se mesmo no corte de despesas de electricidade, aquecimento e outras. Fiquei aterrorizado. Lembrei-me da escola da Mata, não a do projecto Belgais de Maria João Pires, mas a minha, onde passei frio e tinha de ir fazer as necessidades na tapada dos professores. Cheira-me mal. Que país é este?

quarta-feira, setembro 28, 2011

OS CORNOS DE XARIAR


Deve a vasta humanidade
Aos cornos de Xariar
A divina Sherazade
E seus contos de encantar;

Deve-lhe a gentil irmã
- De seu nome Dinarzade -,
Que, cedo, cada manhã,
Acordava Sherazade.

“ Minha irmã, se não dormis…”
E começa a narração.
Sherazade tudo diz
Para encantar o Sultão.

Histórias mil desfia
(Oh, qual delas a melhor?)
E o tirano ludibria,
Calmamente, e sem temor.

Salvando assim a vida
Às donzelas de Bagdade,
Foi, claro, muito atrevida,
Mas ganhou a liberdade.



in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009

quarta-feira, setembro 21, 2011

DO MEU DIÁRIO


Lisboa, 26 de Abril de 1994 - Júlia Kristeva, romancista e ensaísta francesa de origem búlgara, afirmou há anos que todas as obras literárias são filhas da sua época. Quer a autora dizer que, de uma forma ou de outra, a literatura sofre inevitavelmente a influência do tempo histórico em que é produzida; “mutatis mutandis”, por mais asséptica que a literatura pretenda ser do ponto de vista ideológico, há-de reflectir sempre, sejam quais forem os processos retóricos ou os códigos simbólicos utilizados, as grandes linhas de força da sociedade.

Lisboa, 13 de Maio de 1994 - Apesar de pequenino, o nosso mundo literário é muito mesquinho e mexeriqueiro. Outra das vítimas da nossa pequenez mental, indiscutivelmente mais dramática do que a física, é José Carlos Ary dos Santos. E no entanto, poucos poetas terão tido um coração tão grande. A quase totalidade dos críticos e dos académicos ignoram-no ostensivamente; outros, decerto os mais cínicos, acusam-no de espontaneidade excessiva e de historicamente datado.
Trovador de rara inspiração, com uma veia satírica próxima da de Bocage, terá escrito, frequentemente, sob a pressão do momento; mas, sem perder o rigor formal e sem deixar de escolher a palavra mais adequada e expressiva. Os seus detractores sabem por que o ostracizam.

Santa Iria de Azóia, 21 de Setembro de 2011 – Numa recente entrevista concedida ao programa “Arestas de Vento” da Rádio Azul, pelo qual é responsável Ricardo Cardoso, um excelente profissional da rádio cultural, Fernando Tordo teceu uma série de considerações acerca da obra de José Carlos Ary dos Santos, lamentando Tordo, artista que oiço desde sempre com muito agrado, que a obra do autor da letra de “Tourada”, tem sido aproveitada politicamente.
Eu penso que Tordo terá querido dizer que a obra literária, e nomeadamente a de José Carlos Ary dos Santos, tem sido aproveitada pelo PCP, partido ao qual Ary dos Santos terá deixado, em testamento, os direitos de autor futuros, até a obra cair no domínio público. Penso que a obra está integralmente editada pelas Edições Avante e disponível no mercado. O PC, honra lhe seja feita, não tem deixado esquecer o poeta e autor de letras para canções, algumas das quais cantadas por Tordo e que ficaram no ouvido de milhões de portugueses.
Não sei que percurso político teria feito Ary se a velha senhora o não tivesse vindo buscar tão cedo. Não sei eu e Tordo também não. Nunca ninguém o poderá saber. O que sabemos é que Ary dos Santos foi um grande poeta, panfletário muitas vezes, antes e depois do 25 de Abril. Foi panfletário quando quis e assumiu uma natureza diferente também quando quis. E por isso e bem, há textos líricos de Ary de altíssima qualidade, como o próprio Tordo teve ocasião de sublinhar.
Tordo terá querido dizer, ou eu assim o entendi, que a arte se deve manter afastada da política e a política afastada da arte. Eu concordo, em traços gerais com este princípio, ainda que saiba que não há arte “purinha”, ou seja, expurgada de todas as contaminações ideológicas. E temos por aí os casos de García Marquez, Gunther Grass, Saramago, Cardoso Pires, Diniz Machado e tantos outros, cujas obras, de uma forma ou outra, transportam uma grande carga ideológica. E francamente, que mal vem daí ao mundo? Deixam de ser grandes artistas por isso? Fernando Tordo deveria lamentar que os académicos e outros estudiosos tenham colocado uma pedra em cima de Ary, reduzindo-o, infelizmente, às letras das canções.
Foi assim que entendi a parte da entrevista em que o cantor Fernando Tordo se referiu a Ary e ao aproveitamento político que é feito ou tem sido feito da sua obra. E como não concordo totalmente com o que foi dito, deixo aqui a minha opinião.

segunda-feira, setembro 19, 2011

DO MEU DÁRIO

Santa Iria de Azóia, 19 de Setembro de 2011 – Tem-me feito alguma confusão, mesmo sendo Portugal o país do faz-de-conta, que Alberto João Jardim tenha resistido ao longo de décadas, permitindo-se as graçolas mais despudoradas e tratando com manifesta grosseria todos os que dele discordam.


Num país a sério, num país de democracia bem arreigada, há muito que este Sancho Pança (desculpa-me Sancho Pança, que eu não quero ofender-te) da Madeira e Porto Santo tinha sido varrido da política nacional. Mas Portugal é um país de compadres e compadrios, onde tudo se mistura numa salgalhada indecorosa; onde tudo se conjuga para proteger os poderosos e castigar os mais humildes, para que se crie a ilusão de que vivemos num país autêntico.


Alberto João Jardim não é só mais um entre os muitos patuscos que andam na política. Alberto João Jardim é alguém que goza com a República, aproveitando-se da democracia sem qualquer ponta de vergonha, para gastar e se divertir a seu bel-prazer. É pena que a democracia tenha estas excrescências.


Assim como assim, antes D. Maria, a Louca.

domingo, setembro 11, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 11 de Setembro de 2011 – A humanidade comemora hoje o décimo aniversário do derrube das torres gémeas, em Nova Iorque, onde perderam a vida quase três mil pessoas. A humanidade, e bem, comemora hoje um selvático atentado, que demonstrou quão perigosa é a besta humana. Para as vítimas e para os seus entes queridos vai, misturada com lágrimas, a minha comoção mais profunda.
Mas queria, aqui e agora, recordar outro 11 de Setembro. O de 1972, ocorrido no Chile, que teve menos espectacularidade, mas que fez cerca de trinta mil mortos e outras incontáveis vítimas. Entre os mortos houve de tudo: artistas, operários, intelectuais. Gente que livremente elegeu um presidente, que os EUA sempre abominaram e cujo sangrento derrubo apoiaram material e diplomaticamente.
Espanta-me, pois, que a humanidade que hoje comemora, e bem, os actos terroristas de 2001, se esqueça daquele outro 11 de Setembro de 1972, que ceifou dezenas de milhar de mortos e outras incontáveis vítimas, como se o valor de uma vida humana possa valer mais aqui do que algures. Uma vida humana deve valer o mesmo nos EUA e na Cochinchina.
A democracia e a liberdade são duas senhoras de costas largas que têm permitido o tudo e o nada. E enquanto houver dois pesos e duas medidas, o mundo estará sempre mais à mercê do terrorismo. As lágrimas dos mártires chilenos eram tão salgadas como as dos mártires das torres gémeas.
Para todos os mártires dos 11 de Setembro, para todos sem excepção, vai o meu mais profundo respeito e a minha mais profunda comoção.

sexta-feira, setembro 09, 2011

DO MEU DIÁRIO

O velho portão da quinta

Santa Iria de Azóia, 9 de Junho de 2011 – Confesso que tenho andado com alguma preguiça mental. Mental e também da outra, que o calor resolveu vir em Setembro e todos nós sabemos como as temperaturas altas nos influenciam negativamente. Era por isso que Cesário Verde, que tão verde e maduro morreu, acreditava nas gentes industriosas do Norte frio.




Infelizmente, os dirigentes do norte, e também os do centro europeu, ditos mais trabalhadores, mas que connosco formam essa coisa informe que é a União Europeia, olham-nos de soslaio e mandam cá rapazes altos e muito direitinhos, daqueles que comem uma sande (digo sande, porque era assim que dizia Mário Dionísio, de quem Virgílio Ferreira muito gostava) ao almoço, dizer como querem que nós nos comportemos para, dizem, nos salvarem dos fundos marinhos.




Os nossos representantes da “troika”, e digo representantes da “troika”, porque estão sempre a invocá-la para justificar os castigos que nos infligem, quando, se calhar, contribuíram tanto ou mais do que nós para o actual estado das coisas, querem cortar em mil e uma coisas à saúde ligadas, nomeadamente, decidindo assim acerca da vida e da morte de muitos dos nossos concidadãos já nascidos e por nascer ( Pessoa falava das naus a “haver”), aterrorizam-me, porque sempre sonhei um Portugal mais solidário e fraterno.




Pouco importa a sintaxe do longo parágrafo anterior, ainda que a creia sem mácula. Oremos. E mesmo que crentes não sejamos, tenhamos esperança de que isto não vai durar muito. Oremos de novo.

DA AMIZADE E DOS AMIGOS



Até muito tarde, quando perdia um amigo, barricava-me no meu labirinto e vivia então momentos de verdadeira expiação e melancolia.




Aprendi mais tarde – e só eu sei quão dura e longa foi essa aprendizagem! –, que as amizades podem ser duradoiras ou efémeras como as restantes coisas e sentimentos.




Ao contrário de Narciso, só muito tarde aprendi a gostar de mim. Embriagado com os problemas dos homens e do mundo, sempre em movimento, fui também, até muito tarde, um território em permanente guerra civil, sem tempo e sem espaço para grandes congeminações.
E não há qualquer contradição entre os tempos de expiação e melancolia e os tempos de guerra civil.



Assinado o armistício, reconciliado comigo e com o mundo, encontrei tempo e espaço para pensar e amar (-me). Para descobrir, finalmente, que as amizades podem ser duradoiras ou efémeras como as restantes coisas e sentimentos.


In FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx. 2005

sexta-feira, setembro 02, 2011

A PÁTRIA... DE NOVO E SEMPRE A PÁTRIA!

A pátria... De novo e sempre a pátria!


Outrora, a palavra era grave e fagueira e provocava em mim, quando a ouvia ou pronunciava, um mar de emoções. Associava-a a sítios formosos e a bravos cavaleiros medievos e a subidos valores, que, pensava, constituíam a minha identidade. Era a terra de meus avós - nenhum deles egrégio -, mas que a trabalhavam e amavam e nada lhe pediam em troca.


Longe vão esses tempos de sonhos pueris!... A criança cresceu e já não cede às emoções. Doce e suave é agora falar da pátria com indiferença, com a soberana indiferença de não lhe dever nada nem dela nada querer. E bom será que ela nunca de mim se lembre nem nada queira, para que eu possa ser sempre ignoto e feliz.


Nesta hora – oh, que sublime fim de tarde! -, a pátria é apenas a terna memória que guardo de meus avós – nenhum deles egrégio -, mas que a amavam e nada lhe pediam em troca
.

in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005

quinta-feira, setembro 01, 2011

Praça do Areeiro

GALHOFEIRAS, AS VARINAS

Há nas ruas de Lisboa
Uma graça, um encanto,
Que nelas inda ressoa
Um pregão em cada canto.

O cauteleiro teimoso
Inda persiste, coitado!
Deixou o grito ruidoso,
Vende o jogo sem enfado.

Galhofeiras, as varinas
Têm tanta, tanta graça!
Suas línguas viperinas
São a pimenta da praça.

Eu sinto tanta saudade
Dos ardinas barulhosos.
Coloriam a cidade
Com seus pregões saborosos!...

À tardinha, no Rossio,
- Oh, era bonito de ver!
Os ardinas, em desvario,
Apregoar e a correr.

Mudou tanto esta cidade!
Marcas do tempo imparável,
Causam-me tanta saudade...
Oh, mudança inexorável!

Do pitoresco a saudade,
Que do resto nem pensar!
Nada paga a liberdade
Que o povo pode gozar.

Mas tudo o que permanece,
Genuíno e popular,
Minha alma tanto enternece,
Meu coração faz pulsar.






in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009


quarta-feira, agosto 31, 2011

HÁ QUALQUER COISA NO AR

Há qualquer coisa no ar,
Que me provoca alergia.
Não consigo respirar
E só vejo porcaria.


Vejo gente interesseira
De altos valores falar.
Consegue, desta maneira,
O povo ignaro enganar.


Vejo lobos com vontade
De sugar as grandes tetas,
Míngua de qualidade,
Muitas mentiras e tretas.


Gostava que Portugal
Fosse limpo e respeitado.
E não este lodaçal
Corrompido e aviltado.


in FRAGMENTÁRIA MENTE, ed. Alecrim, 2009








terça-feira, agosto 30, 2011

O DILÚVIO

Bem vistas as coisas, tudo filtrado pelo inexorável tempo – ah, essa misteriosa entidade, que protege todos os déspotas! -, a vida decorria sem inquietações, até ao dia do dilúvio que devastou a nossa frágil casa e nos trouxe horas e mais horas de infindável sofrimento e desespero.

Eu quis ser firme e decidido como os antigos generais e aguentar-me à tona das águas e ser paciente e acreditar que tudo teria uma solução. Destruída a casa, perdida a caixa onde guardara todos os sonhos, senti-me triste e fraco e deixei que as lágrimas aumentassem o caudal das águas.

De certa maneira - prefiro a expressão francesa “dans un certain sens” -, senti o desespero dos bíblicos judeus na antiquíssima Babilónia; porém, nunca fiz promessas nem implorei a Deus.

As águas baixaram e a casa há-de reconstruir-se. Irrecuperável, só a caixa onde guardara todos os sonhos.


inédito



SÔBOLOS RIOS QUE VÃO



Estátua da Praça Camões- CASCAIS

Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.


Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.


E vi que todos os danos
se causavam das mudanças
e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura.


Vi aquilo que mais val,
que então se entende milhor
quanto mais perdido for;
vi o bem suceder o mal,
e o mal, muito pior,
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento,
e vejo-me a mim, que espalho
tristes palavras ao vento.

.......................

Camões

domingo, agosto 28, 2011

GOSTA O POVO DESTA MALTA

Gosta o povo desta malta
De falajar fluido e forte;
Faz vénias aos da alta,
Aos do Sul e aos do Norte.

Vive sempre acocorado
Face à gajada do mando.
Fica em casa acagaçado,
Só reage de vez em quando.

Aceita o roubo e a pobreza
Como coisa natural.
E consente que a esperteza
Vá mandando em Portugal.

Venera beatos e santos
Aos quais roga protecção.
Adora rezas e prantos
E andar de chapéu na mão.

Um dia há-de acordar.
Precisa de um abanão
E aposto que há-de lutar
E à canalha dizer não.

............................................

in FRAGMENTÁRIA MENTE, 2009

OS LIVROS


Um dia,
Tropecei num livro
E fiquei agarrado.

Ao primeiro,
Outros livros
Se seguiram.

Sentei-me então
E um a um
Fui-os folheando.

Lendo sempre,
Com a avidez
Dos amantes.

Deixei correr
O tempo,
Inexoravelmente.

E agora,
Só quero ficar
Sentado.

Até quando?

Até quando
É a pertinente
Pergunta.


(inédito)






DO MEU DÁRIO

Santa Iria de Azóia, 26 de Agosto de 2011 – Alguns ricos, provavelmente os mais argutos, começam a disponibilizar-se para pagar mais impostos. A ideia surgiu nos EUA e está a fazer o seu percurso pela Europa. Até em Portugal, onde um tal Amorim tem a desfaçatez de se declarar um simples trabalhador, a ideia começa a ter seguidores.


Apesar de saber que não é taxando as grandes fortunas que se resolve o problema do défice, creio que seria mais do que justo que os arrotadores de milhões pagassem mais, pois têm sido apaparicados pelos governos com todas as benesses possíveis e imaginárias. A banca e as demais empresas têm tido os seus rendimentos sociais de reinserção e outros, ao longo de décadas.


Pôr os ricos a pagar mais é, portanto, uma questão da mais elementar justiça. Pô-los a pagar mais; mas, sobretudo, pela riqueza mobiliária já possuída e pela anualmente obtida através das operações bolsistas.

segunda-feira, agosto 22, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 22 de Agosto de 2011 – D. José Policarpo, cardeal patriarca de Lisboa, celebrou missa, ontem, em Alvorninha, a sua terra natal, onde terá desferido um ataque ou fortes críticas aos “grupos de classe”. O “CM” vê nas palavras do bispo de Lisboa uma crítica aos sindicatos, que, entende-se, defenderão interesses individuais.


Sendo verdade o que o “CM” noticia, as palavras de D. José Policarpo colocam a igreja católica ao lado deste governo e dos poderosos, traindo o princípio: “A Deus o que é de Deus; e a César o que é de César”. A igreja de D. José Policarpo não devia imiscuir-se nestes negócios de César, porque os interesses dos que ganham pensões mínimas não se podem confundir com os dos ganhadores de milhões. Esta igreja não é a Igreja de Cristo!


Uma Igreja fraterna e justa poderia apelar à mobilização de todos, mas deveria, primeiramente, condenar com veemência os agiotas e todos os outros ganhadores de milhões. Mas isto era pedir de mais a uma igreja que sempre defendeu os ricos e poderosos e prega a caridade.

sexta-feira, agosto 19, 2011

DO MEU DÁRIO

Santa Iria de Azóia, 19 de Agosto de 2011 – Jacques Delors, o último grande presidente da comissão europeia, terá dito ontem que a União Europeia e o euro estão à beira do precipício. Quando alguém com saber e experiência ímpares no domínio das questões europeias faz afirmações deste teor, dir-se-ia que a coisa está mesmo a dar para o torto.

Merkel e Sarkozy, dois patuscos que nunca deveriam ter ascendido ao poder nos respectivos países, se os países fossem sábios como às vezes se presume, parecem duas baratas tontas que pouco ou nada sabem ou querem saber para alterar o rumo dos acontecimentos. Não admira, assim, que as bolsas estejam a viver um novo “crash”.


Os agiotas – os tais poderosos e sensíveis mercados – manobram tudo a seu bel-prazer e surgem como aqueles deuses antigos sempre insaciáveis, reclamando mais e mais vítimas. E os povos, que produzem a riqueza e os triliões, vêem-se esbulhados dos seus rendimentos mais elementares e de direitos que, ainda há poucos anos, eram mostrados às populações europeias que viviam para lá do muro de Berlim como conquistas civilizacionais.


Eu não sei como tudo isto vai acabar; mas tenho quase como certo que há-de ser a rua a ditar a última palavra. Apesar dos indivíduas e das cidades serem, cada dia que passa, mais vigiados. A democracia, desde a América ao Japão, da Lapónia à Patagónia, merecia outros servidores.


A “escroquerie” tomou conta da Cidade. E esta fede como o velho reino da Dinamarca.

domingo, agosto 14, 2011

CASTELO BRANCO



CASTELO BRANCO

Naquele ano de 1972, em Castelo Branco havia aqueles dois senhores, que eram da PSP e trajavam à paisana: um era o senhor Pudico e o outro era o senhor Outro. Tinham por missão zelar pelos costumes e impor o respeitinho. Visitavam o subversivo Vidal, que vendia muita prosa vil e acolhia perigosos homens do contra: o alfaiate Matos Pereira, o industrial Armindo Ramos e o advogado João Vieira. E outros, que o quiosque estava licenciado e a entrada era livre (o computador topa os anacolutos).

O senhor Pudico usava gabardina, no Inverno, como o inspector Colombo (Peter Falk) de uma série televisiva, e chapéu todo o ano, por respeito à convenção. O senhor Outro, já não me recordo se tinha gabardina, mas também usava chapéu. E óculos para poder ver melhor os títulos subversivos, que um tal Vilhena teimava em publicar: O Filho da Mãe, Marmelada, A Vaca Borralheira, As Canetas dos Amantes, etc. E quedo-me por aqui para não alongar o rol.

O senhor Pudico e o senhor Outro, que levavam a sua nobre missão a sério,
eram pessoas muito sós, porque, lá bem no fundo, só se tinham um ao outro. A cidade olhava-os com desdém, porque o senhor Pudico e o senhor Outro eram o retrato vivo da vigilância, num país vigiado até nas coisas mais simples e íntimas.

O senhor Pudico e o senhor Outro não liam livros; apreendiam livros. O senhor Pudico e o senhor Outro não conversavam; ouviam conversas. O senhor Pudico e o senhor Outro não viviam; andavam por ali, enquanto a cidade vigiada trabalhava, lia e conversava.









sexta-feira, agosto 12, 2011

DO MEU DIÁRIO

A Assembleia era no 1º andar do edifício da fotografia

Santa Iria de Azóia, 12 de Agosto de 2011 – Há dias, de passagem por Castelo Branco, rememorei o ano de 1972, que, para mim, foi um ano marcante. Em bom rigor, só passei nove meses desse ano na sede do concelho da minha aldeia natal. Em Outubro, ou ainda em Setembro, vim para a região de Lisboa, onde fui ficando até ao presente.


Em 1972, Castelo Branco era uma pequena urbe com dois quartéis, um liceu, uma escola técnica, dois colégios particulares e uma escola de enfermagem. Tinha portanto, uma população muito flutuante. E tinha ainda dois jornais, o Reconquista e o Beira Baixa. E algumas colectividades, destacando-se o Benfica de Castelo Branco, o Desportivo, o Centro Artístico Albicastrense, o Clube, a Orquestra Típica e a Assembleia. A JEC e a JOC, não sei se as poderei considerar colectividades.Tão-pouco a Mocidade Portuguesa. Mas era da Assembleia, que se encontra no mais deplorável estado de degradação e abandono, que eu queria falar.


Nunca cheguei a perceber cabalmente o funcionamento da Assembleia. Sei que era frequentada por uma certa intelectualidade, nomeadamente professores, mais ou menos conotados com os movimentos da Oposição Democrática (mais CDE que CEUD). José Duarte trouxe jazz e diapositivos, o João Teixeira lançou o livro de poemas RO(S)TOS DO MEU PAÍS e havia também o grupo da música clássica, no qual pontificavam Carlos Ferreira, João Ruivo e também António Matos Pereira. Lembro-me de ali ter assistido à audição e discussão da Quadragésima Sinfonia de Mozart. Com um papel eminentemente cultural, a Assembleia era um espaço democrático e arejado.


A cidade cresceu e ganhou outra vida; mas, vá-se lá saber porquê, eu tenho saudades da cidade que deixei em 1972.

quarta-feira, agosto 10, 2011

SEM TÍTULO

"As catedrais góticas prefiro aos templos de outras épocas".


Às vezes, quando alguma resistência sinto em entrar dentro de mim, mormente nos momentos de grande inquietação, procuro a quietude e a paz das igrejas. É então que este minúsculo território de orografia complicada, onde inúmeras guerras civis têm sido travadas, permite a celebração de todos os armistícios e festeja a doçura da reconciliação.


As catedrais góticas prefiro aos templos de outras épocas. Nelas, tudo é fruto de subida meditação e de um superior exercício da ordem. Dez minutos, meia, uma hora, às vezes, é o tempo necessário para, pegando numa ponta, enrolar o precioso fio de Ariadne e reencontrar-me com a luz.


Creio firmemente que as igrejas – e mormente as catedrais –, foram sempre pensadas para propiciar reencontros com a luz.


in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005

terça-feira, agosto 09, 2011

DO MEU DIÁRIO

No rés-do-chão do edifício pintado de branco era o ARCÁDIA

o café onde nos encontrávamos com regularidade


Santa Iria de Azóia, 4 de Agosto de 2011 – Confesso, muito sinceramente, que fui surpreendido com um longo comentário, no meu blogue, do António Apolinário Lourenço. Ainda acerca do aniversário do Albano Matos, que, por enquanto, ainda não deu à costa. E talvez só venha a dar, se der, corrida a Volta a Portugal em bicicleta.


António Apolinário (da Silva Lourenço), que para mim será sempre António Apolinário ou simplesmente Apolinário, lembrou-me o nome do nosso amigo Zé dos Bonecos, António Martins Fernandes, e a grafia do apelido Seborro, que eu queria, à viva força, que fosse Ciborro. No sábado passado, perguntei pelo Manuel Seborro a um vendedor de melancias, no Ladoeiro, que não conseguiu, apesar do esforço, dar-me qualquer informação precisa.


Eu já me tinha esquecido que o Luciano de Almeida tinha tido um suplemento ou coisa parecida no Beira Baixa, que, creio, era dirigido por Valentim Alferes e no qual colaborei com um pequeno poema que viria a perder. Efectivamente monárquico, o Beira Baixa desapareceu, porque não tinha a aceitação popular do Reconquista, desde sempre ligado à Igreja Católica. E que era, indubitavelmente, muito mais desempoeirado que o jornal da Rua de S. Sebastião, quase ao lado do edifício dos correios, que ainda lá está, mas onde já não há correios.


Castelo Branco ainda tinha, naquele ano de 1972, duas gráficas: a S. José e a Semedo, onde eram produzidos o Reconquista e o Beira Baixa, respectivamente. Foi na Ausência do António Apolinário que coordenei um número do suplemento juvenil do Reconquista, que implicava rever as provas na tipografia, ao fundo da J A Morão. Ainda que nunca tenha trabalhado em gráficas nem em jornais, havia de ficar para sempre com as imagens visuais da composição e com as olfactivas da tinta. Perto da minha casa há uma gráfica, cujo prioritário, o João Esteves (não é o da Tabacaria, ó Apolinário), é meu amigo. Por isso, de quando em vez, passo por lá para matar saudades.


O Reconquista é hoje um jornal diferente. Feito por jornalistas e outros profissionais, respeita minimamente a pluralidade de opinião e faz a cobertura noticiosa do distrito de Castelo Branco. E acompanha, sem constrangimentos, a evolução tecnológica. Por isso mesmo, sou seu assinante e assíduo leitor.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Cá neste labirinto, onde a nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza:

Camões

NAS FONTES

1

A vida é um momento tão fugaz,
Mesmo para os que vivem muitos anos.
Imparável a roda roda e traz
Alguns deleites, dores, desenganos.

Os que vivem, contentes e felizes,
Passando pela terra sorridentes,
indo no carril certo, sem deslizes,
Deste mundo estiveram sempre ausentes.

A vida é desafio permanente,
Mil batalhas travadas com ardor,
Com um só fim em mente, ó minha gente,

Tornar este planeta mais decente!
Árduas lutas travo por amor
E sei que tudo passa... fugazmente!


2
Quando, ó sol, te levantas lentamente
Das cristalinas águas do Tejo,
A cidade pressinto tão contente,
Recebendo teus raios como um beijo!

Sem o oiro dos teus raios a cidade
Fica mole, cinzenta, entristecida.
Com Londres parecida, já de idade,
Perde a graça de moça divertida.

Eu tenho preferência p’los dias
De sol doirado e quente. Com calor
A vida é bela e plena de alegrias.

E se perto de mim, ó meu amor,
Te tivesse, decerto, amar-me- ias!
Na cidade do sol, da luz, da cor...


3

Ó lendária serra lusitana,
Alvíssima princesa celebrada!
Tua beleza eterna não engana
E renova-se em cada madrugada.

Por ti tenho um amor puro e constante
Que desde a minha infância perdura,
Quando te via altiva, lá distante,
Ó serra rigorosa, enorme e dura!

Eram outros os tempos... Os pastores
desertaram, cansados, prá cidade.
Deram descanso às flautas. Permanece

A noite povoada de pavores
Muita melancolia, a saudade
E este amor que a beleza rara tece.

4

Estes versos desejo jubilosos,
Ó minha amada! Versos de louvor
à beleza divina; graciosos,
como convém ao nosso fino amor.

Quero versos de rimas aprazíveis,
Decassílabos suaves e correctos,
Para cantar teus dotes mais visíveis,
Sem esquecer a graça dos secretos.

Negros são os teus olhos e cabelos,
Os lábios têm a cor dos morangos.
Fico contente, quando posso vê-los...

Mas como esquecer os alegres tangos,
E o gozo de beijá-los e mordê-los?
Ó delicado aroma dos morangos!

5

Palavras, ide depressa e cumpri
Vossa valiosa e nobre missão!
Ide palavrinhas, que eu já pressenti
Que podeis ser ainda a salvação.

Palavras, correi, correi como o vento
Que o mundo precisa da vossa força!
Precisa de subido pensamento
E não da bruteza de quem o torça.

A História tem apenas guardadas
Narrativas de batalhas e guerras
E as grandes lutas p’la paz olvidadas.

Ó História, quantas fraudes encerras,
Em lindas palavrinhas embrulhadas?!
Desertai do poema e ide... mesmo perras!

6

Continua o mundo desconcertado,
Um mar de mentira e hipocrisia.
Desde Camões, pouco terá mudado,
Continua a mandar a vilania.

Os ricos, ousados e poderosos,
Ditam suas injustas leis ao mundo.
Incapazes de gestos generosos,
Tudo submetem ao dinheiro imundo.

Vivemos um tempo de submissão,
Que ignora princípios e valores.
O estudo, a probidade e a razão,

Deram lugar às cunhas e aos favores.
E assim corre a vida desta nação,
De engenheiros, bacharéis e doutores.

7
Dom Sebastião permanece vivo
E inda mexe no luso imaginário.
Um povo vive, nesta orla, cativo,
À ´spera do rei louco e temerário.

Os outros fazem e nós esperamos,
Que ele nos traga a boa solução.
Para o cerrado nevoeiro olhamos,
Como se fora a nossa salvação.

Ai, esta longa e dolorosa espera!...
Agir, agir, agir sempre e sem medo,
Foi a regra mágica da nossa Era,

O nosso mágico e fértil segredo.
Quem viu o largo mundo desespera,
Com este povinho tristonho e quedo.


in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, 2005








quarta-feira, julho 27, 2011

DO MEU DIÁRIO

Castelo Branco - entrada norte

Santa Iria de Azóia, 27 de Julho de 2011 – Hoje, é o dia do aniversário do Albano Matos, que, de quando em vez, dá à costa neste blogue, onde deixa um comentário. Conheci-o no Outono de 1971. Éramos um grupo mais ou menos alargado, que se juntava no velho café Arcádia, e do qual faziam parte António Apolinário, Manuel Ciborro, Luciano de Almeida e o Zé dos Bonecos. Zé dos Bonecos, porque me esqueci do nome.


Eu e o Albano, viemos para Lisboa no Outono de 1972. E fomo-nos encontrando até 1976, com muita regularidade. Na Nova Iorque e na Grã-Fina e também numa cervejaria do Campo Pequeno. O Albano recitava bem poesia e a malta divertia-se. Depois deixámos de nos ver com aquela regularidade; porém, fui lendo a sua prosa nos jornais por onde passou até ao “DN”. Temo-nos prometido jantar, mas está quieto. As nossas importantes vidas e os nossos inadiáveis afazeres não nos deixam tempo. É a vida como diria o senhor engenheiro lisboeta do Fundão.


António Apolinário é Professor em Coimbra, na Faculdade de História, e é especialista em literatura espanhola. Sei dele pelos livros e pelos blogues. Veio aqui interpelar-me uma vez – e fez ele muito bem! -, portanto, sei que também passa por aqui. Com ele tive um projecto para traduzir e elaborar uma antologia de Jacques Prévert, mas ficou tudo muito “vert” e nunca fizemos nada em conjunto de muito importante.


Luciano de Almeida, que dirigiu o Politécnico de Leiria, encontrei-o há anos na Duque de Ávila, ainda eu leccionava no Externato Ergon. Bebemos um café e deu-me um cartão que arrumei, porque, afinal de contas, tantos anos depois, só mesmo Fermina Daza e Florrentino Arriza e estes porque viveram sempre na mesma cidade. Do Manuel Ciborro, que António Apolinário acusava, com graça, de só ler as capas dos livros, nunca mais tive notícias. E o mesmo aconteceu com o Zé dos Bonecos.


Eu não chego a sentir nostalgia, mas aqueles tempos foram importantes, e porque o foram, não caíram no olvido. E aqui os rememoro na vã esperança de que algum deles por aqui passe nos próximos dias.

DO MEU DIÁRIO

Mata - Rua do Arrabalde

Santa Iria de Azóia, 26 de Julho de 2011 – Hoje publiquei uma fotografia da minha terra natal no “facebook” e na troca de comentários com uma excelente poeta portuguesa, lembrei-me de que naquela rua, a rua da fotografia, tinham vivido muitos dos meus familiares já desaparecidos. Nomeadamente, o meu bisavô Francisco Lucas, pai de minha avó Maria, que também teve taberna na rua do Arrabalde, numa casa de altos e baixos.


Entre filhos e enteados, o meu bisavô terá criado e ajudado a criar catorze ou quinze pessoas, que, por sua vez também tiveram as suas proles, embora sem a abundância do progenitor. De qualquer modo, Francisco Lucas foi avô e bisavô de pessoas que se interessaram por quase todos os ramos do saber: advocacia, gestão, medicina, engenharia, música, pintura e outras artes do “trivium” e do “quadrivium” que agora não me ocorrem. António Vicente, que é conhecido pelo “Ptchirra” – na Mata ainda não foram completamente abolidas as africadas -, quando se entorna e me encontra, lá me vai dizendo que não há família na Mata como a do velho Canuna.


Recordo-me perfeitamente do meu bisavô falecer e também dos tempos em que apascentava as suas cabras, já depois dos oitenta, encostado ao cajado e à parede norte da tapada da Bemposta, onde passei muitos dias da minha infância. Era um homem alto e magro. Vestia sempre um fato castanho, de verão e de inverno. Diziam os antigos que o que tapava o frio também tapava o calor. E se calhar tapava.

Os anos correm, vertiginosamente, mas parece-me que ainda hoje reconheceria o timbre da voz do meu bisavô Francisco Lucas.

sábado, julho 23, 2011



INSTANTES


Quando o sol –
O grande colorista de Cesário –
Inunda o dia
E os passarinhos
Dão concerto de piano
Nas roseiras
E nos arbustos
Do meu jardim,
Saboreio
Por vezes
A alegria.

É então
-Gozando as delícias da preguiça -
Que mais concordo com Adília.

O resto,
Obviamente,
É conversa.

in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009