domingo, agosto 29, 2010

Santa Iria de Azóia, 26 de Agosto de 2010 – Bem sei que Vila Franca de Xira, aquela que mudaria conforme os ventos no dizer sempre pitoresco de Almeida Garrett, foi durante muitos anos um município governado por eleitos CDU; no entanto, e atendendo apenas àquilo que é visível a olho nu, penso que se pode dizer que a actual gestão tem respeitado os valores locais, em particular, e os de Abril, em geral.

Quando se entra em Vila Franca, no sentido N-S, ali encontramos a Rua Alves Redol, que agora até tem estátua num espaço moderno e convive com os clientes da esplanada de um agradável café. Um pouco à semelhança do que se passa com Pessoa no Chiado. Penso que é uma homenagem ao autor de Gaibéus e de Barranco de Cegos, que são duas obras emblemáticas da produção de Redol.

Gaibéus é considerado o romance fundador do neo-realismo e Barranco de Cegos o que rompe, por parte de Redol, com aquele movimento estético-literário, que teve cultores como Soeiro Pereira Gomes, Mário Dionísio, Sidónio Muralha, Manuel da Fonseca e outros. E também Carlos de Oliveira.

Pois bem, apesar de Garrett achar que Vila Franca era terra dada a reviralhos, registe-se o facto desta simpática cidade ter um museu destinado a perpetuar o neo-realismo, cujos autores deram um contributo notável na luta contra o ideário do Estado Novo. O que se calhar explica, num tempo em que dia-sim-dia-não surge uma biografia do ditador de Santa Comba, o esquecimento a que são devotados os autores antes.

Ainda bem que há terras com Vila Franca de Xira.

quinta-feira, agosto 26, 2010

PALAVRAS PERDIDAS

Há quanto tempo, mãe,não te falo de amor
Com aquelas palavras de encantar
Com que as crianças falam do amor?

Há dias corei de vergonha,
Corei de vergonha quando li,
Num livro de cartas de Saint-Exupéry,
As palavras mágicas que ele escreveu a sua mãe
E que eu nunca te disse a ti.

Deixei que entre nós se interpusesse
Um pudico silêncio ancestral
E disse-te apenas coisas imediatas e triviais.

Eu esqueci, mãe, aquelas palavras claras e pueris
Que tanto alegravam o teu coração.

Eu coro de vergonha, mãe!

Manuel Barata, FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx. 2005
O TEMPO
O tempo – essa coisa misteriosa que se conta em milénios, séculos, anos, meses, dias, horas e segundos – alguém saberá ao certo o que é? E no entanto, nada escraviza mais o Homem do que o tempo, que as gramáticas organizam em passado, presente e futuro, mas que, no fundo, é apenas passado e futuro.
O tempo – essa coisa estranha que dá alento aos tiranos e torna precárias as acções dos heróis, que destrói as verdades eternas dos teólogos e os sistemas infalíveis dos filósofos, que tudo e todos condena ao esquecimento – alguém saberá ao certo o que é?
No seu perpétuo fluir, o tempo é o tempo, como diria o delicioso Caeiro.
Para mim, que não sou poeta nem literato, mas simplesmente um amigo de poetas e literatos, o tempo é o sol a levantar-se preguiçosamente do Tejo - é assim que eu o vejo das janelas da casa onde habito- que depois sobe e roda e desce, devagarinho, para desaparecer por detrás das casas, para de novo se levantar das mansas águas do Tejo e subir e rodar e descer e desaparecer e de novo se levantar das mansas águas do Tejo.
Manuel Barata, FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005

quarta-feira, agosto 25, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 25 de Agosto de 2010 – Nos últimos dias, António Lobo Antunes (ALA), escritor, tem sido notícia nos jornais e nas televisões por razões extra literárias. E o teor dos comentários na NET, indicia quão vivas ainda estão as questões relativas à guerra colonial.

ALA, do qual fui leitor atento durante mais de vinte anos, não precisa da minha defesa. De resto, ainda que tenha produzido alguns textos acerca da sua obra e/ou de alguns dos seus livros, nunca apertamos as mãos, nunca nos dirigimos uma palavra. No entanto, penso que os exaltados do costume têm ameaçado, soezmente, um dos grandes criadores actuais da língua portuguesa, um ex-combatente, um dos autores a quem devemos das melhores páginas sobre a Guerra Colonial.

Não direi que ALA não tenha, aqui ou ali, carregado nas tintas com que pintou o seu quadro. Creio, todavia, que durante os catorze anos de guerra em Angola, foram cometidos inenarráveis actos a que hoje poderíamos chamar crimes contra a humanidade. Cometidos pelas nossas tropas e pelos combatentes inimigos.

A guerra deixou traumas em milhares de portugueses, que, por incúria do regime anterior e do instituído em 25 de Abril, não tiveram o acompanhamento e o tratamento adequados. Por isso mesmo, ainda há por aí muitos tresloucados capazes de cometimentos idênticos aos de trinta e tal, quarenta, cinquenta anos.

O autor de Os Cus de Judas e de Cartas de Guerra não merece este ódio, que, bem vistas as coisas, já deveria estar enterrado; mas neste pobre país, que nunca foi capaz de cotejar Os Lusíadas e A Peregrinação, tudo é possível.

Os factos narrados pelos media são eloquentes.

segunda-feira, agosto 23, 2010

SONETO DO CANTO E DO AMOR



Cantar!...


A beleza dos nossos corpos
E este desejo nunca extinto
De animais insatisfeitos.


Cantar!...

O instinto bravio
O sentir dos dedos
E o coração dentro do peito.


Cantar!...



Com alegria,
na serena madrugada,
o teu corpo, amor,
que amar não cansa.

Cantar!...


Mata/79


domingo, agosto 22, 2010

EM TEMPO DE FÉRIAS

LOUSAL (GRÂNDOLA
LOUSAL (GRÂNDOLA)

LOUSAL (GRÂNDOLA)


SESIMBRA




JUNHO

Nas manhãs de Junho,
Quando o sol tudo doirava,
A nossa casa era também
A sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Guardo memória, mãe!,
Da nossa rua térrea
E vejo-te jovem
Algodão dobando
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Nas manhãs de Junho,
Quando o trigo amadurecia
E eu brincava, brincava
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Fazia-te mil perguntas
- Mil ou muitas mais – ,
E tu respondias sem enfado
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

E eu era feliz
E tu eras feliz, mãe!
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Do outro lado da rua
À sombra da oliveira.


Barata, Manuel, "FRAGMENTÁRIA MENTE", ed. Alecrim, 2009




sábado, agosto 21, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 21 de Agosto de 2010 – Num texto surgido no último “RECONQUISTA”, Elsa ligeiro, com quem falei apenas uma vez, em Castelo Branco, trata da problemática das amizades nas chamadas redes sociais.

Por sinal eu adicionei Elsa, que, para além de ligada ao mundo da edição e comercialização de livros, também é amiga de um dos meus melhores amigos, o poeta e editor José Antunes Ribeiro. É óbvio que as amizades por aqui são assim como que um faz de conta, ainda que entre as pessoas que adicionei e me adicionaram se encontrem familiares, amigos do coração, amigos de amigos do coração, muitas instituições e pessoas que, observando o movimento da “minha” rede, me merecem consideração.

É evidente que os meus amigos, amigos, são aqueles com quem me sento à mesa (frei Amador Arrais tinha razão), com quem discuto de viva voz, com quem vou ao futebol ou falo de livros, filmes, música, etc. Mas é justo dizer que tenho entre os meus amigos do “facebook” pessoas indiscutivelmente estimáveis e com um grande sentido de partilha. Sei mais sobre Portalegre, cidade tão próxima e tão distante de Castelo Branco, do que sabia antes de adicionar Manuela Mendes, O Clube Robinson, José Serrano e Hernâni Matos.
Começam a manifestar-se alguns receios em relação às redes sociais. Ainda há dias, um conhecido psicólogo falava da “magna questão” das pessoas escarrapacharem as suas vidas nas redes sociais. Eu não tenho dúvidas que há quem o faça; porém, na minha rede de amigos, a coisa não é alarmante e ninguém desvenda segredos. Se publicar uma quadra popular e disser que se trata de uma composicãozinha de um livro ainda inédito, que mal poderá vir daí ao mundo? E que gosto de Brel e Chico Buarque e Tordo e Amália e Shubert e Bach e Van Gogh e Picasso e …?

Republicano inveterado, adicionei ou fui adicionado por Duarte Pio de Bragança e não vejo onde esteja o mal. De resto, ainda não terei ultrapassado os cento e cinquenta amigos, entre os quais se encontram os meus filhos, primos, filhos de primos, amigos, filhos de amigos, pais de amigos, bibliotecas e instituições. Tenho sido selectivo? Tenho, indiscutivelmente, mas não por receios sem quaisquer fundamentos.

Há quem veja moinhos de vento em tudo quanto é sítio.

terça-feira, agosto 17, 2010

VIAGEM DE ESTUDO

Bom almoço no Lousal,
Perto da Vila Morena;
No velho armazém da mina,
Com temperatura amena.

Comi miolos fingidos
Com carne do alguidar.
Ó cozinha alentejana
Nunca te irei olvidar!

Estes miolos fingidos,
De carne frita e assada,
São apenas um pitéu
Duma ementa variada.

No Lousal, é tudo bom:
A linguiça, o queijo e o pão;
A excelente sericaia
E a sopinha de cação.

sexta-feira, agosto 13, 2010

MOMENTOS

Do cimo desta torre,
Que ajudei a construir,
Vejo, para além do casario,
Uma magnífica ponte
Sobre um majestoso rio.

Subitamente,
Ocorre-me Cesário Verde
E também velhas crónicas navais.
Gama,
Nas horas de borrasca,
À divina providência implorando
E Albuquerque,
Pequeno,
Mas firme no seu posto,
Praças e mais praças conquistando.


Do cimo desta torre,
Que ajudei a construir,
Observo agora o risco de fumo
Do último avião
E esqueço-me das velhas crónicas
E dos heróis das batalhas navais.


Para além do casario,
Vejo apenas
Uma magnífica ponte
Sobre um rio.

Uma ponte magnífica
E um rio...


DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 12 de Agosto de 2010 – Regressei esta tarde ao meu castelo, após uma curta ausência de dez dias. E dir-se-ia que dez dias é o tempo certo para me ausentar. Mais de dez dias, afastado do meu ambiente quotidiano, e começo a ficar ansioso.


Eu gosto de sair e de dar as minhas voltinhas e sei que para ir à Patagónia necessito de me ausentar por mais tempo. Se calhar é por isso que ainda não fui à Patagónia. Ir a Paris, a Bruxelas, Madrid, Roma, etc., vou sem quaisquer constrangimentos. Agora partir para estar um mês longe das minhas coisas, nem pensar.


Nos últimos anos tenho passado as férias quase sempre na minha “datcha” da Cotovia, a dois passos de Sesimbra e com a Arrábida à vista. Num sítio de noites fresquinhas, mas onde o calor também é inclemente durante o dia. Gosto daquele espaço verde, onde irrequietos rouxinóis e mansas rolas dão concertos nocturnos; onde, quotidianamente acendo o lume, grelho o peixe e a carne, bebo alguns tintos de eleição e desço à praia da Califórnia, na bela Sesimbra, para molhar os pés e acompanhar a(s) minha(s) mulher(es). E no entanto, nem aquele paraíso me segura lá mais tempo.


E cá estou para o que der e vier, que o futuro, dizem, só a Deus pertence.

quinta-feira, agosto 12, 2010

Jardim do Paço
Charneca da Caparica, 10 de Agosto de 2010 – Agora me lembro que Castelo Branco tinha uma avenida Marechal Carmona e uma avenida 28 de Maio, ou seja, o nome de um presidente da república eleito por Oliveira Salazar e o nome do golpe que permitiu a ambos amordaçarem Portugal.


A seguir ao 25 de Abril, ambas mudaram de nome, porque não era mais possível, numa cidade capital de distrito, manter o nome do títere das bigodaças e daquela coisa que começada em Braga havia de ter as funestas consequências que todos sabemos. Andou bem, pois, o poder instituído logo a seguir ao 25 de Abril, nomeadamente ao nível autárquico.

Infelizmente, não aconteceu o mesmo em todas as localidades do país. Nos Escalos de Baixo (Castelo Branco) e também na Venda do Valador, na freguesia da Malveira (Mafra), continuam a existir, sem quaisquer interrupções, as Avenidas Professor Doutor António de Oliveira Salazar. E se calhar está certo, porque cada terra tem a toponímia que merece.


Na minha Mata natal, nunca houve ruas com nomes de tiranos ou de golpes de Estado. Só uma data, e patriótica, gozou do privilégio de dar o nome a uma rua: 1º de Dezembro. É certo que a toponímia matense não revelou grande criatividade, mas está à prova de todos os reviralhos.

segunda-feira, agosto 09, 2010

DO MEU DIÁRIO

Charneca da Cotovia (23H00), 9 de Agosto de 2010 – De vez em quando, surpreendo-me a ler um dos volumes do Diário de Miguel Torga. Hoje foi o volume II do dito, que começa com uma estada em Monfortinho e também Monsanto, que lhe permitem uma incursão pela Geografia europeia e pelas questões ibéricas. Monsanto – aquele excepcional afloramento de granito… -, é comparado a Trás-os-Montes. Provavelmente a Panoias, ali a dois passos de S. Martinho de Anta, no distrito de Vila real.

Eu estarei para Torga como o meu remoto amigo Tó Pina estava para o Goethe. Entrava no albicastrense Arcádia, café-restaurante com sala de bilhares contígua, com uma edição popular do Fausto, que estaria, permanentemente, a traduzir. Eu, de Torga, sou apenas um leitor assíduo, embora conheça alguém que o queira para tese de doutoramento. A ver vamos como diz o cego.

Do António Pina, que não sei sequer se ainda é vivo, tenho boas recordações. Numa manhã primaveril, há cerca de quarenta anos, encontrámo-nos em Penamacor e fez questão de me levar ao solar de família, onde me mandou preparar um inolvidável sumo de laranja. Mais tarde, na casa dos pais, na actual Avenida General Humberto Delgado, havia de pegar no violino e no arco para tocar para ambos. Ainda hoje lhe reconheceria a voz, se, porventura, me pedisse um cigarro naquele seu jeito muito peculiar.”Manuel, tem um cigarro que me dê?”

Charneca da Cotovia (23H25), 9 de Agosto de 2010 – Hoje parece aquele dia em que Alberto Caeiro ( olá Manuela Mendes!) escreveu aquela caterva de poemas. Apetece-me escrever e escrevo. E pronto, como se diz agora por aí acerca de tudo e de coisa nenhuma.

Em Sesimbra, a água tem estado excepcionalmente limpa, ou seja, a condizer com o esforço que a autarquia faz para manter o areal asseado. Na verdade, todas as noites o areal é limpo, desde o molhe ( a O) até à praia da Califórnia (a E). É claro que molhei os pés, mas só os pés, que a minha relação com a praia não é de amor. Gosto do mar, nomeadamente do mar de Sesimbra, que é como que a pedra do lar, como escreveu Miguel Torga.

Este Torga persegue-me. Estou cansado. Vou entregar o corpo a Morfeu.

DO MEU DIÁRIO

Charneca da Cotovia, 8 de Agosto de 2010 – Acordei com o ribombar de trovões. Há muito tempo que não me acontecia acordar com música assim e confesso que não é agradável.
Outrora estas situações eram-me mais ou menos familiares e até lhes descobria alguma graça. Agora, que Santa Bárbara me perdoe, confesso que prefiro acordar com outros sons. Depois foi a forte chuvada, que havia de deixar tudo da cor do barro.
Apesar deste agitado despertar, o meu Agosto decorre placidamente.
Charneca da Cotovia, 8 de Agosto de 2010 – Realizou-se hoje o funeral de António Dias Lourenço, antigo operário fabril, ex-director do jornal “Avante”, ex-dirigente do PCP. Morreu aos 95 anos de idade.

Da sua longa vida outros saberão falar melhor do que eu. No entanto, será bom lembrar que 17 foram vividos nas prisões de Oliveira Salazar. Nunca vacilou. Nunca traiu. Nunca voltou a cara à luta pela democracia.

Foi amigo de romancistas e poetas. Até por isso, Dias Lourenço terá sido lembrado por trabalhadores da palavra. Este homem merece um poema.

Charneca da Cotovia (9H00), 9 de Agosto de 2010 – Levantei-me cedo e não foi para ir a casa do meu médico "Hermogène", ainda que bem precisasse. Mas adiante que se faz tarde.

O dia está risonho e aproveitei para dar um passeio a pé, que as férias estão a ser muito sedentárias e com alguns abusos alimentares. Gosto de respirar no pinhal, dentro deste condomínio fechado que é o parque de campismo Valbom, onde posso ainda, com toda a tranquilidade, ver como os campistas são criativos.

Este campismo de casinha, com águas quentes e frias e cozinha, já pouco terá a ver com o campismo tradicional. É mesmo condomínio fechado de classe média, onde às vezes se intrometem alguns estranhos com hábitos menos ortodoxos. Barulhentos, às vezes. Dados a algazarras. Com língua muito livre.

O pior, no entanto, é mesmo o medo que sinto perante a queda iminente de uma pinha que me possa dar cabo da cabeça.

domingo, agosto 08, 2010

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 13 de Abril de 1994 - Lobo Antunes acaba de nos anunciar, em entrevista ao JL, que resolveu radicar-se definitivamente em Portugal. Assim sendo, viveremos todos com mais paz interior, ou seja, sem a ameaça do autor de Cus de Judas exilado em Berlim ou Nova York. Continuaremos a ser o país pequenino que sempre fomos, mas todos juntinhos nesta terra de clima doce, onde medram, espontaneamente, a urze, a esteva, o alecrim e o rosmaninho, como notou Garrett.

E (o) António é, indubitavelmente, um dos nossos.

sábado, agosto 07, 2010

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 20 de Abril de 1994 - Não sei onde pára a História da Cultura Clássica do Pe. Manuel Antunes. No entanto, chegou-me às mãos um livrinho de sua autoria, Repensar Portugal, que estou a ler com a lentidão devida aos grandes textos. Nunca me cruzei com o Prof. Manuel Antunes, nem tinha necessariamente que me cruzar, mas creio que era um homem excepcional, isto é, um daqueles seres raros que as sociedades só produzem de tempos a tempos. Datado de 1977, Repensar Portugal revela-nos um pensador atento à realidade circundante, que nos incita a tentar a mudança e a experimentar a utopia.

segunda-feira, agosto 02, 2010

DO MEU DIÁRIO

ANTÓNIO GEDEÃO
Torres Vedras, 19 de Fevereiro de 1997 - António Gedeão, poeta de mensagem facilmente apreensível, pereceu ontem no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Nos próximos dias, os jornais, a rádio e a televisão, falarão com grande cópia do autor da “Pedra Filosofal”, que um “baladeiro” dos anos sessenta – e que ainda vai aaparecendo -, popularizou e trouxe ao convívio do grande público.

Passado o luto, abater-se-á sobre este autor de mensagem fácil, um silêncio de chumbo. É que poetas como Gedeão, que o povo ouve e estima, são muito perigosos. E depois, poesia que não for essencialmente forma não merece o interesse dos nossos iluminados críticos e dos nossos inefáveis professores universitários.

Que a ninguém pareça mal, mas não resisto a transcrever três versos de António Gedeão, que são a medida de uma incomensurável tolerância:

Ajuda-me a esquecer as tuas faltas
e a ignorar os teus crimes
para melhor te amar.
( do poema “espelho de duas faces”)

DO MEU DIÁRIO

ÓSCAR LOPES
Lisboa, 20 de Outubro de 1997 - Oscar Lopes, Homem de cerviz direita, que, por mais voltas que se dêem, terá de ser encontrado entre os portugueses mais generosos deste nosso tão peculiar séc. XX, não foi convidado para integrar a representação portuguesa à feira do livro de Frankfurt.

Se Portugal fosse um país decente - e tudo indica que o não é -, o co-autor da História da Literatura Portuguesa e um dos ensaístas mais fecundos de toda a nossa História Literária, não teria sido esquecido pelos senhores do mando. À generosidade de Òscar Lopes, que deu a ler aos portugueses dezenas e dezenas de autores, respondem as autoridades com o olvido.

Sei que Òscar Lopes paira mais alto. Sei que este é apenas mais um acidente com que a Pátria o quis brindar. Não porque a Pátria seja madrasta ou velhaca. A Pátria, entidade abstracta e mais ou menos mítica, nunca poderia ser apodada com tais epítetos. Estas coisas acontecem, porque aos destinos da Pátria presidem criaturas menores e intolerantes, capazes de glorificar todos os champalimauds e de crucificar todos os Camões.

DO MEU DIÁRIO

ERRATA

No texto anterior, com fotografia e tudo, na legenda há uma gralha grave: onde se lê Quinta da Bicuda, deve ler-se QUINTA DA BIGORNA. O erro foi notado, e muito justamente, por Cristina Carvalho

DO MEU DIÁRIO

ENTRADA DO RESTAURANTE
QUINTA DA BICUDA
Santa Iria de Azóia, 2 de Agosto de 2010 – Uma ida à Mata, que eu considero a minha São Martinho de Anta, é sempre um acontecimento íntimo. É a minha mãe, a minha modesta casinha, as laranjeiras do quintal, a tapada da Bemposta, as figueiras e restantes árvores plantadas pelo meu pai, a memória também de meus avós paternos e até do meu bisavô Francisco Lucas.



Ontem fui mostrar à minha companheira – vá-se lá saber porque não digo mulher -, a estrada que há-de ligar a Mata a Idanha-a-Nova dentro de pouco tempo. E revi uma paisagem já esquecida, de azinheiras, que me fora também familiar na infância, quando atravessava, com o meu pai, a ribeira de Alpreade. Esta ligação é um sonho antigo das gentes da Mata e está prestes a concretizar-se.



Na noite de sábado, no largo de S. Pedro, ao som de música pimba, ainda deu para rever antigos companheiros e também familiares, bebericar umas imperiais e visitar a Quinta da Bigorna, paredes meias com a Mata e os Escalos de Baixo. Um empreendimento turístico interessante, com várias valências e que também vai ter um hotel. Ali comi ontem, com familiares, um leitão divinal.



E depois…Depois, foi o regresso a casa, pela A-23, que ainda continua SCUT.

O TEMPO

I
É o tempo
- o inexorável tempo -,
Que atenua a mágoa
E mostra
Quão profundas
Eram as raízes.

II
Um Verão vai
E outro vem.
E neste vaivém,
Decorre
A minha vida.

Esta vida que vai,
Vai e não vem.

III
Lentas,
As nuvens vêm
E vão.

Umas deixam (m)água
E outras não.

Ah, só o Verão,
Esplendoroso,
Alegra
O meu coração.

IV
O Outono,
Decididamente,
Não!