terça-feira, janeiro 31, 2012

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 31 de Janeiro de 2012 - O leitor de poesia moderno há muito que se habituou a conviver com textos, que, tendo a organização visual da prosa, são verdadeiros textos poéticos. É o que sucede com os textos do livro As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar, de Isabel Mendes Ferreira, que, curiosamente, começa com a palavra elegia.


Eu gosto desta escrita assindética, em que as palavras caem no poema como notas de um piano só aparentemente “desafinado”. De resto, esta poeta organiza meticulosamente o material linguístico, eliminando a ganga, e dando a quem lê excelentes textos que mais parecem trabalho de ourives.


A solidão - e a procura de fugir a essa mesma solidão – é um temas recorrente nesta poeta, que convoca, abundantemente, as metalinguagens de outras artes para construir os seus poemas, a saber: a música e a pintura ou a pintura e a música, porque, na verdade, a ordem não se constitui como uma regra rígida.


Acabei de ler o poema “ não demoro vou só beber o vento.” (frase inicial), que daria para escrever um longo texto. Fica para outras núpcias, se outras núpcias houver, que o trabalho desta poeta exige e merece um grande esforço de concentração.


Ferreira, Isabel Mendes, As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar, Arcádia, edição Babel, Lx., 2010.

domingo, janeiro 29, 2012

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 29 de Janeiro de 2012 – Ainda que queira ser muito firme, o nervoso miudinho, sem que o demonstre muito, começa a tomar conta de mim. Não, não tem a ver com o facto de hoje comemorar um aniversário, ou seja, trigésimo segundo aniversário de uma vida partilhada, que, nos tempos que correm, merecia música e foguetório; mas, no momento presente, o que me cria o tal nervoso miudinho é a ida do João, dentro de três dias, para terras de Vera Cruz. Vai fazer um semestre de intercâmbio escolar e espero que traga muitas ideias novas, que de ideias velhas andamos todos fartos.


O almoço de família foi hoje, e não ontem, porque os avós dos meus filhos ontem decidiram ir ao lançamento de uma livro de Jaime Serra, evento que teve lugar no detestável forte de Peniche. Foi hoje, portanto, o almoço de família, que ajudei a confeccionar, o que sempre faço com agrado, quando tenho tempo. Tempo e vagar, como se diz na minha Mata natal.


Ao contrário do que possa parecer, estes almoços têm a sua importância. Até linguística, porque hoje falou-se de alguém que era modista e o vocábulo modista há muito que o não ouvia. É sinónimo de costureira, pois claro. Mas os mais jovens poderiam intuir que se tratava de alguém que gostasse de andar na moda.


Ocorreu-me então a ideia de que esta palavra se está a transformar num verdadeiro arcaísmo, porque a generalidade dos falantes deixou de a utilizar. Os substantivos ou nomes servem para designar os seres, as coisas, as ideias e outras realidades, existentes no mundo. Quando deixam de existir, dizem as gramáticas, é porque a realidade nomeada deixou de existir; porque uma palavra melhor surgiu no sistema da língua para designar a mesma realidade, ou, simplesmente, porque os falantes se esqueceram dela. É o caso de modista, obviamente.


Há outras palavras que começam a entrar em desuso, nomeadamente, honradez, probidade e pundonor, todas sinónimas!, e é destas que estamos muito precisados, nos conturbados tempos que correm.

sábado, janeiro 28, 2012

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 28 de Janeiro de 2012 – Ontem, teve início mais um congresso da CGTP-IN, que foi fundada no já distante ano de 1972, quando ainda havia partido único legalizado, a Acção Nacional Popular, e Marcelo Caetano tinha, na RTP, as célebres conversas em família com os portugueses. Vivia-se ainda sob a pata de chumbo da censura, da PIDE da Legião Portuguesa e da bufaria, muita, que ia ajudando o regime a sobreviver.


Ontem, comentadores e comentadeiras, tiveram a preocupação de louvar a acção de Manuel Carvalho da Silva, auguraram-lhe, e bem, um futuro promissor e até, por atacado louvaram o regime que permitiu a Carvalho da Silva ser sindicalista e chegar a catedrático. Muitos esqueceram-se dos ataques soezes ao próprio Manuel Carvalho da Silva, mas sobretudo à grande central sindical da qual foi dirigente esclarecido durante vinte e cinco anos.


Ontem, comentadores e comentadeiras, muito ladinos, tiveram sobretudo a preocupação de tentar colar Arménio Carlos ao PCP, a cujo comité central julgo que pertence e saber se tal facto é bom ou não para o futuro do sindicalismo, etc. e tal. A preocupação dessa gente, que pulula por aí não se sabe bem como, radicava, grosso modo, no seguinte (a interpretação é livre): PCP vai ter maior influência ainda na CGTP-IN?


Ontem, os comentadores e comentadeiras, ontem tal como no passado, tentaram colar a CGTP ao PCP, temendo que Arménio Carlos, perigoso dirigente comunista, radicalize a luta e não saiba ser dialogante como Carvalho da Silva. Hão-de ter a resposta adequada e não adianta muito debitarem as atoardas do costume.


Ontem, comentadores e comentadeiras, falajaram o que quiseram, mas nunca lhes ocorreu que a UGT é uma construção socialista e social-democrata e que no seu congresso fundador estiveram a abençoá-la Mário Soares, Sá Carneiro e Diogo Freitas do Amaral. Esqueceram-se de referir que Proença, - sim, esse que no dia da assinatura do chamado acordo de concertação social exibia um sorriso tão impudico como o de Gaspar há tempos atrás, na Assembleia da República -, pertence aos órgãos dirigentes do PS. Esquecimentos.

terça-feira, janeiro 24, 2012

TEORIA DA QUADRA

Uma quadra bem urdida,
Em dia de inspiração,
Pode, se for atrevida,
Causar dano até mais não.

Eu quero estar sempre a salvo
Dos efeitos de uma quadra.
Tiro certeiro no alvo,
Faz pior que o cão que ladra.

Quatro versos podem ter
Um final devastador.
É por isso, ‘stá-se a ver,
Que a quadra exige rigor.

Em tempos de roubalheira,
Uma quadra pode ser
A espingarda mais certeira
Para os pilantras vencer.

O governo da nação
Governa contra o país.
Nega a constituição
Ignorando o que ela diz.

Este governo trinta e três
Tem almas do outro mundo
Pelo que faz, bem se vê,
Que mer’cia ir ao fundo.

inéditas

domingo, janeiro 22, 2012

QUADRAS DE BE(M)DIZER

Catroga, que é tão prendado,
Só ganha cinquenta mil.
E o pobre é enxovalhado
Pelo povo invejoso e vil.

Cartas à troika ‘screvia
-Tudo p’ra bem da Nação!-
Eu vi que o senhor só qu’ria
Ajudar. Outra coisa não…

De Catroga a nomeada
Até já chega a Pequim.
Só eu, esta alma danada,
Não tenho uma sorte assim.

Ando farto do Catroga
E da sua competência.
O meu país é uma droga
Sem um pingo de decência.

inéditas

segunda-feira, janeiro 16, 2012

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 16 de Janeiro de 2012 – Não sei bem porquê, mas continuo a pensar na poesia desse poeta maior que é António Salvado, e, sobretudo, no último livro que li do autor, AURAS DO EGEU - e de todos os mares, onde, digo eu, se reencontra o melhor lirismo do poeta albicastrense.
São quarenta e sete pequenos poemas – a qualidade da poesia não se mede pelo tamanho dos poemas – pelos quais perpassam suaves brisas mediterrâneas, que trazem até nós o amor e a inexorável passagem do tempo.
Do amor guarda Salvado grata memória, como se pode concluir do poema “AINDA QUE FOGO”, que aqui vos deixo.

AINDA QUE FOGO

Ainda que fogo sejas,
Ainda que sejas águas,
Para sempre te hei-de amar:

Jamais poderei esquecer
Tantos frutos de prazeres
Que sorvi contigo ao lado.

In AURAS DO EGEU – e de todos os mares, FOLIOEXEMPLAR, Lx., OUT/2011.

domingo, janeiro 15, 2012

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 15 de Janeiro de 2012 – António Salvado, natural de Castelo Branco, é autor de uma interessante obra poética, que já conta com dezenas de títulos. De um modo geral tem publicado pequenos livros, isto é, livros pouco volumosos, que, no entanto, não têm menos valor por isso. Salvado, que admiro há mais de quarenta anos, é, apesar de viver longe dos grandes meios, um poeta conhecido e respeitado.


Publicou recentemente dois livros, AURAS DO EGEU – e de todos os mares e REPOR A LUZ, ambos com a chancela da FOLIOEXEMPLAR. Com capa muito austera, como que em consonância com os tempos que correm, estes dois livros trazem dentro poemas de grande qualidade.
Sem licença da editora e do autor, mas com a devida vénia, aqui vos deixo um belo texto de AURAS DO EGEU.

CIGARRA


Ama a cigarra a cigarra,
ama a formiga a formiga,
ama o falcão o falcão:

e em todo o tempo ou o espaço
por mim eu amo a poesia
a ser-me no coração:

nada mais doce do que ele
nem o sonho a primavera
nem as flores e as abelhas –

e canta sem pedir nada,
humilde na sua azáfama
mas de voo audaz perfeito.

In AURAS DO EGEU, FOLIOEXEMPLAR, Lx., Out./2011.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 12 de Janeiro de 2012 -A moderníssima poesia portuguesa passou-me ao lado, até muito tarde, por três razões principais: o exercício de uma profissão principal, a acumulação de horários lectivos pós-laborais e o desinteresse pelo que se ia publicando de novos autores. Dir-se-ia que vivia alheio ao que publicavam os autores que surgiram a partir dos anos oitenta. E pelas razões antes expostas, Isabel Mendes Ferreira só muito tarde entrou no rol dos poetas meus conhecidos. Foi no “blogue” de Lídia Martínez, artista plástica, bailarina, actriz, poeta, etc., que vi os nomes de Isabel Mendes Ferreira, Víctor Oliveira Mateus e Graça Pires, entre outros. José Antunes Ribeiro, poeta e editor, era meu amigo já há décadas.
Eu, como é sabido, também vou juntando algumas palavras, fazendo da quadra de matriz mais ou menos popular o terreno da minha lavoura. Sem desdém, no entanto, por textos de outra natureza, aos quais, por pudor, apelido de fragmentos com poesia, que têm sido publicados, mas não convenientemente distribuídos. Tem sido o “blogue” pessoal, MUSICA MAESTRO, o meu veículo de eleição para dar a conhecer o que vou fazendo no campo desta quotidiana luta com as palavras.
Isabel Mendes Ferreira apareceu uma vez como comentadora; e, generosamente, deixou naquele seu jeito muito peculiar, o seguinte comentário: “passei por aqui e gostei do que vi”. Se as palavras não foram exactamente estas, creio que não estou a trair o sentido do que então foi escrito. E elas marcam, indiscutivelmente, o meu interesse por esta notável voz da poesia portuguesa, cujo último trabalho, As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar, estou a ler com calma e atenção. Deste conjunto enorme de textos, que traz lágrimas no título e começa com uma elegia, hei-de, mais tarde, escrever detalhadamente.

terça-feira, janeiro 10, 2012

SONETOS PORTUGUESES



Pátria é para o bondoso e sábio relvas
-grafo a minúsculas, porque sim –
Um momento, uma circunstância,
Um meio para atingir um fim.
Portugal, onde tudo está por um triz,
É um corpo faminto e exangue.
Ai, dói tanto este tempo infeliz
De mandar para fora o nosso sangue!
Há-de sair quem quiser sair
E não quem os relvas, contumazes,
Insistam em aconselhar.
Portugal não é e nunca será
Um momento, uma circunstância,
Apesar deste desatino, desta errância…




inédito

quarta-feira, janeiro 04, 2012

Paisagem beirã

A Pátria... De novo e sempre a pátria!
Outrora, a palavra era grave e fagueira e provocava em mim, quando a ouvia ou pronunciava, um mar de emoções. Associava-a a sítios formosos e a bravos cavaleiros medievos e a subidos valores, que, pensava, constituíam a minha identidade. Era a terra de meus avós - nenhum deles egrégio -, mas que a trabalhavam e amavam e nada lhe pediam em troca.
Longe vão esses tempos de sonhos pueris!... A criança cresceu e já não cede às emoções. Doce e suave é agora falar da Pátria com indiferença, com a soberana indiferença de não lhe dever nada nem dela nada querer. E bom será que ela nunca de mim se lembre nem nada queira, para que eu possa ser sempre ignoto e feliz.
Nesta hora – oh, que sublime fim de tarde! -, a Pátria é apenas a terna memória que guardo de meus avós – nenhum deles egrégio -, mas que a amavam e nada lhe pediam em troca.

in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005