domingo, novembro 28, 2010

REGRESSO, o novo livro de Víctor Oliveira Mateus
A mesa da sessão de lançamento com o autor ao centro
"Procuro o meu último pensamento. Um que deixei
algures sem saber como nem porquê. Um que trazia
a imperturbável quietude do rio, a rígida mobilidade
do vento. /.../"
Víctor Oliveira Mateus
TEXTO DE CIRCUNSTÂNCIA
Agora, indiferentes ao meu cansaço, vêm filhos de mães de moral imaculada, cujos avós e quiçá também os pais abancaram à manjedoura do orçamento, donde provavelmente roubaram para dar às filhas e a esses netos, dizer-me que estou a mais; que sou um inqualificável parasita; que não mereço o pão que como.

A esses bondosos cidadãos, que vão enriquecendo sabe-se lá como e encaixam as crias nos melhores empregos, usando os apelidos dos seus compridos nomes; a esses bondosos cidadãos, que vão fintando as leis para que haja pão e leite e carne e peixe, com abundância, nas suas avantajadas mesas; a esses bondosos cidadãos, que tudo esmifram para aconchegarem mais ainda as suas já farfalhudas contas bancárias; respondo com a veemência do costume: a puta que os pariu!

sexta-feira, novembro 26, 2010

DOS PRESSÁGIOS
(Para Carlos de Oliveira)


Galo vagabundo,
não cantes à noitinha,
que o teu canto pressagia
o fim do mundo.


Galo vagabundo,
de crista bem erguida
pela madrugada fora,
anuncia-nos com o teu canto
a fatalidade da vida
hora a hora.


Canta galo vagabundo!
Cantai galos de todo o mundo!






quarta-feira, novembro 24, 2010

TERRAS DO MUNDO

SESIMBRA

TERRAS DO MUNDO

OLIVEIRAS (JARDIM DE PIRESCOXE)

20

Para Eugénio de Andrade


José Fontinha foi o nome que não quis. Muito jovem ainda já era génio e fogo.

Paradoxalmente, as fontes, os rios, a água e o mar, estão desde sempre presentes na sua poesia, a par do deserto e da brancura da cal.

Monfortinho.

Oh, admirável luva para as metáforas do deserto e da brancura da cal!...

Ali aconteceu a revelação da luz, da crueza do sol, dos silêncios e da alegria do verão. Porventura, do zumbido dos moscardos.

Monfortinho.

Só em Monfortinho, na infância longínqua, podia ter aprendido a falar do deserto, da brancura da cal, da incontornável brancura da cal. Foi ali, naquela terra sáfara, que bebeu a música e o silêncio.

Manuel Barata, FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005



terça-feira, novembro 23, 2010

TRÍPTICO PARA VAN GOGH

I

Subitamente,
No auge da devoção,
Recebeu do céu
Divina inspiração.

Desenfreado,
De paleta na mão,
Desatou a pintar
Ao ritmo do coração:

Sóis,
Ciprestes,
Miosótis
E girassóis.

II

Do fundo da mina
- Qual vagabundo -,
Trouxe as cores
Com que iluminou o mundo.

E no entanto
- Moderno Prometeu -,
O pobre Vincent
Nem uma tela vendeu.

III

E um dia,
Quando o voo rasante dos corvos
Se tornou ameaçador,
Fitou o cocuruto dos ciprestes
E entregou a alma ao Criador.



Manuel Barata, FRAGMENTOS COM POESIA,
Ulmeiro, Lx., 2005

domingo, novembro 21, 2010

SETE POEMAS DE AMOR

I
Se tu soubesses, amada,
Quanto dói a solidão…,
E inda o peso destas mãos,
Que não sabem fazer nada!

Contigo ausente, esta casa
- Outrora mansão alegre -
É neste preciso momento
O reino da confusão.

Rolam rolos de cotão,
Em minha alma tresloucada.
E dói-me o peso das mãos,
Que não sabem fazer nada.

Ai, soubesses tu, amada,
Quanto dói a solidão!


II

A tua presença, amor,
Mesmo que silenciosa,
Dava-me tanto consolo.

A tua ausência fere-me.
As tardes passam tão lentas
E os dias são tão tristes.

Amor!, contigo presente,
O passarinho cantava
Num perfeito desatino.

Agora tudo é choroso.
Escrevo versos sem graça
e dou-me ao computador.

Bebo copos e mais copos
E o passarinho não canta.
Mas não te rales amor…



III


Pergunto por ti às ondas,
Mas as ondas que são ondas,
Não querem saber de ti,
Nem querem saber de mim.
Virás tarde, virás cedo,
Quem me poderá dizer?

pergunto por ti às ondas,
Aqui junto ao mar, amiga,
Mas as ondas que são ondas,
Não querem saber de ti,
Nem querem saber de mim.
Virás tarde, virás cedo,
Quem me poderá dizer?



IV

O teu sorriso era então
Tão limpo e tão terno, amor.
E nos teus olhos castanhos
Cabiam todos os sonhos.

Não tinhas cabelos ruivos
E usavas roupas garridas.
Tua voz tinha a doçura
das amoras e das tâmaras.

Mas o tempo inexorável
Tudo leva e tudo traz…
E cicatrizes nos deixa,
Tantas, no corpo e na alma!

Continuemos em frente,
Amor, como sempre fomos!
E amemo-nos com a fúria
Dos engenhosos amantes.



V


Tornou-se tão chata, amor,
A vida longe de ti.
A casa é agora um barco
quase, quase a naufragar.

Tenho camadas de pó
Como um bibelô vulgar.
E os copos da cristaleira
Já mudaram de lugar.

Sinto os sofás na cabeça
E toda a casa a abanar.
Mas não fiques em cuidado,
Que isto vai… há-de passar…



VI


Eu queria tanto, amor,
Ter a tua companhia,
O perfume do teu corpo,
A doçura dos teus olhos.

Eu queria tanto, amada,
Com teus abraços folgar
E em teu colo penetrar,
Como manda a natureza.

Eu queria tanto, amor.




VII


Se eu soubesse dedilhar
Como Paco de Lucía
Havia de te encantar
Com momentos de magia.


Dia e noite tocaria
E com imensa paixão.
Tivesse eu a fantasia
De uma noite de verão.


Pra ti havia de compor,
rica, terna melodia.
Somente por puro amor
Como Paco de Lucía.

E tu, decerto, virias



Manuel Barata, FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005






TERRAS DO MUNDO

LEDA SERENIDADE DELEITOSA

quinta-feira, novembro 18, 2010

UM RETRATO

(para JOSÉ RIBEIRO)

I

“Cada coisa
Em cada momento.”

“E se o amor
For premente,
Que só ele
Habite
A minha mente.”

II

“Os livros...
Os livros
Aconteceram
E foram
A minha glória
E desventura.”

“Aconteça
O que acontecer,
Louvarei
Todas as horas
Que lhes dediquei.”

III

“Oh!, pudesse eu
Resolver
Os meus problemas
Com sorrisos
E bonomia…”

“Claramente,
Outro galo
Cantaria!....”



Manuel Barata,
FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009


terça-feira, novembro 16, 2010

ARIADNE - I

Ariadne chorou,
Chorou muito sentida,
Quando Teseu,
Sem uma palavra,
A deixou.

Podia ter chorado
O novelo do fio
Ou a espada
Que lhe deu. Não.
Ariadne chorou,
Traída e magoada,
O modo
como Teseu zarpou:
Sem uma carícia,
Sem um gesto,
Sem uma palavra.

ARIADNE -II

Quisesses tu,
-Ó doce filha de Minos - !
Dar-me
Por amor
Um novelo de fio
Igual ao de Teseu...

Desvendados os mistérios
Do meu labirinto,
Num veleiro de sonho,
Sem hesitação,
Levar-te-ia
Onde nos levasse
O coração.

Manuel Barata, FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005

sábado, novembro 13, 2010

INTIMIDADES

A MINHA ROSA ENCARNADA
A CRIANÇA SEM INFÂNCIA


I

A criança sem infância
Aconteceu
O braço cresceu tenso
E jamais vergou.


II

Cresceu de punho erguido
Com uma rosa vermelha
Entre os dedos.

A criança traída
Por seu sorriso
Sem segredos.


III


É em pequenino
Que se aprende
A amar a sério,
Porque o amor,
Aprendido assim,
Não tem mistério.

In FRAGMENTOS COM POESIA, 2009

LISBOA

ALVALADE

sábado, novembro 06, 2010

A ACTUALIDADE DE EÇA
"O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria.

Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo."

Eça de Queirós
(Escrito em 1871)
REFLEXÃO


Não me venham falar da Pátria.
Não quero ouvir falar de pátrias
- nem desta, nem doutras -,
que as pátrias,
à semelhança dos deuses,
só sabem exigir sacrifícios,
desmedidos e vãos.


Lisboa, 28 de Maio de 1999

O INEXORÁVEL TEMPO

É o tempo
- o inexorável tempo -,
Que atenua a mágoa
E mostra
Quão profundas
Eram as raízes.

II
Um Verão vai
E outro vem.
E neste vaivém,
Decorre
A minha vida.

Esta vida que vai,
Vai e não vem.

III
Lentas,
As nuvens vêm
E vão.

Umas deixam (m)água
E outras não.

Ah, só o Verão,
Esplendoroso,
Alegra
O meu coração.

IV
O Outono,
Decididamente,
Não!



DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 9 de Abril de 2008 – A fotografia está-me na massa do sangue. Por isso mesmo, contam-se às centenas cá em casa. É uma forma outra de ir escrevendo as minhas memórias ou de guardar memória de objectos, sítios e pessoas, que, num dado momento, me disseram algo.

A convite da Alexandra, colaboro no “blogue” Duas Lentes, onde, um pequeno escol de fotógrafo(a)s amadore(a)s, publica fotografias de grande beleza, e, por vezes, originais e mesmo insólitas. No que me diz respeito, confesso que gosto da experiência, embora me falte a sensibilidade das colegas do “blogue”.

Graças a esta experiência, agora ando sempre munido de uma máquina para captar imagens, aqui e ali, que, à semelhança dos actos de fala, são momentos únicos e irrepetíveis.