sábado, agosto 26, 2006

FANTASIA PARA DOIS CORONÉIS E UMA PISCINA

De um modo geral, a crítica literária universitária é parcimoniosa na utilização de adjectivos, quando se ocupa de autores contemporâneos. Sente-se mais responsável e, prudentemente, não emite juízos de valor, que o tempo poderá ou não confirmar. Como não é esse o meu caso, direi que FANTASIA PARA DOIS CORONÉIS E UMA PISCINA, de Mário de Carvalho, é um romance sublime, que a pátria certamente não merece, como poderia dizer o autor no seu registo parodístico.
Mário de Carvalho é um autor que se lê com facilidade, porque as suas histórias são imaginosas sem deixarem de ser verosímeis e a sua prosa é das mais escorreitas que Portugal produz.
Credite-se ainda ao autor de OS ALFERES uma superior ironia e algumas inovações no plano estritamente formal. Aquela de pôr o narrador a dialogar com as "coronelas", tornando-o momentaneamente personagem, reabre a nunca encerrada questão do papel ontológico do narrador. É o autor, sem papas na língua, a dar voz às duas mulheres, para que ninguém possa dizer que o romance é misógino (É claro que li o "LL").
Neste romance, Mário de Carvalho produz uma radiografia de Portugal, onde não falta sequer um tal Januário, trazido pelo coronel Lencastre, seguramente na casa dos cinquenta e muitos e que representa o que de pior há na sociedade portuguesa: o proxeneta (lactu sensu), o gabarola, o chico-esperto, o trafulha, etc. Afinal de contas, aquele que só paga em tribunal. Haverá sem dúvida um excesso caricatural, mas fica-se com a ideia de que passarões assim perpassam amiúde o nosso quotidiano. No seu "falajar", a coronela Maria das Dores é impagável. O mesmo se poderá dizer do "falajar" do filho do coronel Lencastre. No fundo são espécimes que existem, mais recorrentes até do que seria desejável e que são parte deste Portugal burlesco ( às vezes também grotesco), em que temos de viver. É talvez esta conformidade com o real quotidiano, a que os literatos chamam efeito de verosimilhança, que explicará o sucesso de FANTASIA PARA DOIS CORONÉIS E UMA PISCINA.
Nesta obra finíssima, onde a língua ganha palavras novas e o vernáculo de Maria das Dores não ofende, é também de registar os diálogos dos pássaros - que grandes passarões! -, que vão assistindo e comentando as acções dos humanos. São, apesar do muito que têm aprendido, o resto do velho éden, que os humanos não se cansam de enjavardar (palavra cara ao autor e que este seu leitor usa com frequêmncia). Por vezes, são tão tagarelas como a fauna humana do país.

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