segunda-feira, abril 28, 2008

DO MEU DIÁRIO

Charneca da Cotovia, 27 de Abril de 2008 – Os timbres das vozes de Ana Gomes e de Paulo Portas irritam-me; assim como me irritam os estilos Bulhão e/ou Ribeira, quando os utilizadores não possuem a vera genuinidade (passe a redundância).

Era bom que se fizessem todas as discussões; porém, com serenidade e seriedade e com o devido acompanhamento pelo Ministério Público, porque, das duas uma: ou Ana Gomes mente e deve ser responsabilizada ou fala a verdade, e, neste último caso, Paulo Portas não pode andar por aí a pregar aos gentios como o mais impoluto dos cristãos.

O mais natural é que tudo se vá diluindo e se espere que o tempo faça o seu trabalho, ou seja, que cubra os factos passados com um manto de silêncio e tudo se reduza, mais tarde ainda, aos magníficos tratados que os historiadores hão-de escrever, após anos e mais anos de investigação.

Eu não gosto do estilo Ana Gomes, mas era um acto de pura higiene democrática que os órgãos judiciais ajudassem a esclarecer tudo o que a parlamentar europeia vem escrevendo acerca de Portas. Até para que o regime democrático se credibilize e não perpasse pela sociedade a ideia de que os políticos façam o que fizerem, beneficiam de um vasto regime de impunidades.

Eu creio firmemente que Paulo Portas é o principal interessado no esclarecimento de toda a verdade. E vai pedir, obviamente, o levantamento da imunidade parlamentar para que os tribunais possam fazer o seu trabalho.

sábado, abril 26, 2008

25 DE ABRIL SEMPRE

Santa Iria de Azóia, 26 de Abril de 2008 – Há vários anos que não vou às manifestações comemorativas do 25 de Abril. Não é que me tenha desiludido como aconteceu com muita gente, mas penso que há outras formas de comemorar esta data. Tornou-se tudo demasiado repetitivo e previsível.

E depois, também não vou com aquelas figuras mais ou menos emblemáticas que detiveram o poder e o entregaram aos progenitores políticos dos rapazes que agora nos governam.

Bem sei que o regime que hoje nos governa é incomensuravelmente melhor do que o anterior. De resto, o advérbio incomensuravelmente será sempre curto, porque não há comparação possível entre o regime onde desembocou o 25 de Abril e o do antes do 25 de Abril. Só quem tem a memória curta não saberá indicar meia dúzia de razões de tomo para dizer que, apesar de tudo, Abril valeu a pena.

De qualquer modo, aqui deixo as minhas seis razões para dizer “25 de Abril sempre!”: (1) o fim da guerra colonial, (2) o desmantelamento do regime fascista (e das suas estruturas repressivas), (3) a democracia (ainda que excessivamente formal), (4) o poder local democrático, (5) a integração na EU, (6) o progresso material (apesar da acentuação das desigualdades sociais).
25 DE ABRIL SEMPRE!

sexta-feira, abril 25, 2008

25 DE ABRIL

SONETO ESCRITO NA MORTE
DE TODOS OS ANTIFASCISTAS
ASSASSINADOS PELA PIDE

Vararam-te no corpo e não na força
e não importa o nome de quem eras
naquela tarde foste apenas corça
indefesa morrendo às mãos das feras.

Mas feras é de mais. Apenas hienas
tão pútridas tão fétidas tão cães
que na sombra farejam as algemas
do nome agora morto que tu tens.

Morreste às mãos da tarde mas foi cedo.
Morreste porque não às mãos do medo
que a todos pôs calados e cativos.

Por essa tarde havemos de vingar-te
por essa morte havemos de cantar-te:
Para nós não há mortos. Só há vivos.


Ary dos Santos, Obra Completa, Edições Avante.

quinta-feira, abril 24, 2008

DOS LIVROS

1

De e com livros tem sido feita a minha vida:
Bons, maus, e assim-assim.
Neles, aprendi metade do pouco que sei;
Sem eles, não sei dizer o que de mim seria!

Outro homem, decerto, seria…

2

Com Fonseca, Manuel como eu,
No culto das musas me iniciei:
Ainda hoje vejo passar a tuna do Zé Jacinto
E me delicio com as alvas rolas,
Que Maria Campaniça escondia sob a blusa.

Por mil anos que um homem viva
Há metáforas que nunca morrem nem esquecem.

3

A prosa chegou com a colecção seis balas.
Só depois chegou Ferreira de Castro
E o seu casto português.
Fiz-me amigo de Manuel da Bouça e de Ricardo;
E, sobretudo, de Marreta e Horácio.

(E é chegado o momento de dizer,
Que se dane o espanhol que não quer
Referências culturais na poesia.
Que se dane pois o espanhol,
Cujo nome já esqueci).



4

Santareno,
Veio ainda antes de Vicente!
Primeiro, o Édipo de Alfama;
Só depois, chegou o pai de Antígona.

Que milagre terá acontecido?

5

De e com livros tem sido feita a minha vida.

terça-feira, abril 22, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 20 de Abril de 2008 – Cheguei a casa às 6H20, com a chuva a borrifar-me o pára-brisas, permanentemente. Mais do que nunca, o verso de Machado tem plena oportunidade. Um mês de Abril à antiga, fazendo-me recuar aos anos da infância, que foi feliz, apesar das ausências de meu pai, que perseverava em trabalhar longe, para ganhar mais cinco ou dez escudos, quotidianamente.

Torres Vedras é uma cidade dada às diversões. E aqui radicará, certamente, o facto de realizar o Carnaval mais divertido do país, apesar das contaminações brasileiras. Vou bastantes vezes a Torres Vedras; porém, só uma decidi presenciar a passagem do chamado corso, que já é o estar ali para ver e não para participar nos próprios festejos. E Carnaval é festa de “praça pública”, no dizer sábio de Backtine.

A região de Torres Vedras, onde outrora houve muitas cerâmicas, está a transformá-las em “danceterias” e discotecas, ou seja, espaços de lazer. O que até está bem, porque onde uns deram o canastro para ganharem a vida; outros abanam, agora, o capacete. E neste país Belmiro, que já não produz um alqueire de trigo, é bom haver sítios para abanar o capacete.

Eu sou um rapaz algo melancólico, mas aprecio imenso as pessoas alegres e sempre prontas para a folia e a reinação. E a minha última noite, em Torres Vedras, teve a ver com discotecas e “danceterias”, ou melhor dizendo, espaços para abanar o capacete.

O irrazoável, no meio disto tudo, é que eu fui ver a reinação dos outros e não tive tempo sequer para uma cervejola.



domingo, abril 20, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria, 19 (madrugada) de Abril de 2008 – Jantei em Cascais, num restaurantezinho da rua Afonso Sanches, ali a pouco mais de cinquenta metros da PSP. Casa modesta, sem dúvida, mas com ar limpíssimo. “A Tasca” é o nome da casa, onde tive o privilégio de jantar sozinho. Às vezes, gosto de estar sozinho para falar com os meus botões. E escrevinhar nas toalhas uma coisa ou outra.

Às 20H30 já estava no local do encontro. Gosto de chegar com tempo por duas razões: nunca gostei de fazer esperar e não aprecio correrias. E com tempo há sempre a possibilidade de espreitar a bela baía e o reflexo das luzes na água. Hoje, como o tempo estava careta, nem sequer me deu para dar um salto à praça Camões(?), onde costumo tomar café, no “poeta”. É um largo giro, onde os estrangeiros que vêm visitar os patuscos lusos costumam estar em maioria.

Capucho, por quem Meneses não tem grandes simpatias, tem sabido tratar da cidade. Seria fastidioso enumerar aqui as obras realizadas. Trabalho idêntico tem sido realizado em Sesimbra, mas a esta falta a planura e a limpeza de Cascais. Porque o elemento decorativo por excelência têm-no ambas: o mar!

E depois… e depois foi o trabalhinho, meus amigos.

sábado, abril 19, 2008

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 18 de Abril de 2008 – Na Mata, a minha terra natal, a Páscoa verdadeira era na segunda-feira de pascoela, que era o dia em que o pároco dava o Senhor a beijar. Lembro-me muito bem dessa cerimónia, que, apesar da rapidez com que o padre entrava e saía da casa dos pobres, durava algumas horas.
Organizava-se a comitiva, que era composta necessariamente pelos rapazes e/ou homens da campainha, o encarregado de guardar as ofertas pecuniárias ao pároco, o transportador da caldeirinha da água-benta e do hissope e ainda o portador da cruz com o Senhor crucificado. Mais o padre e o senhor professor Falcão, com a sua imponente barriga, que tinha a relação de quem pagava a côngrua. Eu próprio também ajudei nalgumas das tarefas que requeriam menos esforço e davam mais prazer, como era tocar a campainha para anunciar a chegada do padre.
Conta-se que um ano, já quase a terminar as boas-festas, em frente da casa que foi do ti Zé Júlio, se passou a cena, que passo a descrever:
Professor (em voz alta, dirigindo-se ao padre e acompanhantes):
- José Júlio. Aqui, o senhor padre não entra. Deve a côngrua.
Ti Zé Júlio (que já estava à espera do padre, ouvindo a conversa, vem à rua e pergunta igualmente, com voz determinada):
- Quanto é que eu devo, senhor professor?
E o professor lá lhe disse o montante da dívida.
José Júlio (célere, entra em casa e traz a quantia para pagar o calote):
- Aqui tem, senhor professor.
Professor (agora, em tom cordato):
- O Nosso Senhor já pode entrar.
José Júlio (que era uma caixinha de surpresas, diz-lhe frontalmente):
- Nesta casa o Nosso Senhor não entra, senhor professor, porque o Nosso Senhor não é de vinganças.
E não entrou.E a comitiva seguiu caminho, sem mais truz nem bus.

sexta-feira, abril 18, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria, 12 de Abril de 2008- Oiço falar há muito tempo de Fernanda Câncio, porém, só nos últimos tempos tenho lido algumas das suas crónicas. E confesso que a leio com agrado, porque trata de assuntos mais ou menos candentes e com muita independência de espírito. Condeno, por isso, os comentários alarves dos PSD(s), que vêem argueiros nos olhos alheios, mas não vêem traves nos seus.

Pouco me interessa a relação da senhora com o execrável Sócrates. Ela vale bem mais do que ele e não pode ser diminuída profissionalmente por causa de uma relação amorosa. Todos temos direito ao amor e este todos inclui também o governante Sócrates, apesar do desamor com que trata uma maioria significativa dos portugueses. Mas esta é outra questão.

quarta-feira, abril 16, 2008

ESTA EQUIPA DO BENFICA

Esta equipa do Benfica
Faz-me mal ao coração.
Quando o conjunto claudica
Aumenta-me a pulsação.

É tão triste e doloroso
Ver esta equipa perder.
Ó meu Benfica famoso
Que te deram a beber?

Eu já não suporto mais
Estes rapazes manhosos.
São maus profissionais,
Inábeis e preguiçosos.

O grão Maestro, Rui Costa,
Era digno de melhor.
Não merecia esta bosta,
Um Benfica perdedor.

Vieira que vá à vida
Que não tem classe nem jeito.
A nação anda perdida,
Vai ter angina de peito.

segunda-feira, abril 14, 2008

A LUSITANA MANIA

A lusitana mania
De esperar por quem não vem
Provoca melancolia,
Muito mal e nenhum bem.

Sempre de calças na mão
Ou esta à esmola estendida.
Tão estranha condição,
Tornou-se um modo de vida.


Era preciso matar
Esse rei Sebastião,
Que não pára de enganar
a nossa triste nação!


Ao mito do desejado
Dê-se um combate eficaz.
Traz este país castrado
Ou capado, tanto faz.

sábado, abril 12, 2008

AINDA A POESIA

Às vezes,
a poesia
parece
dádiva
dos deuses,

porque acontece
passar dias
e mais dias
-até meses!... –
sem escrever
um verso.

quarta-feira, abril 09, 2008

JOÃO DE SOUSA TEIXEIRA

DAS OLIMPÍADAS

Às vezes é preciso tomar balanço
apanhar o verso em contrapé
formar o salto e cair inteiro
do outro lado do poema

DO AMOR

Deslizo
enquanto duro
água êmbolo por instantes
hoje estive um pouco mais dentro de ti

doceamargo fruto (e tão fundo cala)
que já não sei se subo à árvore
ou se é a árvore que me escala


in Alegria Imcompleta, Vega, Lisboa, s/d.

segunda-feira, abril 07, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 7 de Abril de 2008 – Sei quanto o poeta Daniel Abrunheiro aprecia a grande poesia de Ruy Belo. O meu saber radica na leitura de alguns comentários e ainda de muitos textos outros do poeta do Caramulo, Coimbra e Viseu, que permitem a minha afirmação inicial.

Não há grande poeta que não estabeleça a sua árvore genealógica. E Daniel fá-lo de uma forma explícita no texto “Um Março não este Abril ainda não”, de 31 de Março último, publicado no “Canil do Daniel”, no qual o autor escreve: “Tenho Camões em casa… (v.31) e “Tenho Cesário tenho Osório tenho Belo “(v.33).

Penso que o Daniel quotidiano se encontra muito próximo de Ruy Belo de “um homem de palavra(s)”, mesmo sabendo nós que este livro é o último publicado em vida do autor de “aquele grande rio Eufrates”, sobretudo pelo recurso à ironia. Tal como Belo – não ruy Belo e a mesma subtileza para Camões, Cesário e Osório - , também Daniel podia escrever: “Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu – eu e os meus irmãos – sei em que medida sou eu que sou domado por elas” ( início do poema “Não sei nada”, in homem de palavra(s)).

Não sendo Daniel um desiludido do catolicismo como Belo, Deus não aparece como tema da sua poesia. O mesmo não se poderá dizer da morte, que surge com alguma recorrência, nos textos propriamente ditos e até em epígrafes(?): a morte de entes queridos e de alguns amigos, como já escrevi num texto anterior.

Mas o ponto de contacto mais interessante, em meu entender, encontra-se na construção dos longos poemas, em que “o metro” de Daniel também “tem a voz de um cordeiro triste” (poema “A Fonte da Arte”, in despeço-me da terra da alegria). Também são válidas para Daniel, algumas das palavras que João Miguel Fernandes Jorge escreveu para Belo, em “À maneira de prefácio” para a última obra citada: “/…/ a sua obra é como a festa antiga/…/”. “Quase se pode dizer ter sido necessário acumular durante anos os víveres e as riquezas que iriam ser consumidos com ostentação, ou melhor, destruídos pelo excesso de palavra(s), pelo fôlego, pela duração dos seus poemas - aqui, creio que está a essência da sua festa, a orgia, o frenético ritmo de tantos dos seus longos poemas”.


sexta-feira, abril 04, 2008

INTIMIDADES







DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 3 de Abril de 2008 – Por razões de natureza profissional não posso fazer o que me dá na real gana. E porque preciso de massa para comprar os melões, tenho de me ir acocorando. Eu explico clarinho: dia 9 de Junho completarei 56 anos de idade, já cumpri 35 anos de trabalho, na Função Pública, e estou abrangido por um regime de incompatibilidades, que me cerceia algumas liberdades. Nomeadamente, a de poder exercer uma actividade por conta própria, nos meus tempos livres, sem a devida autorização Superior.

Eu não queria fazer nada do outro mundo. Queria apenas editar alguns poetas e outros artistas das palavras, coisa de pouco peso em termos económicos, porque editar poetas e poetas em início de carreira ou em quem os editores já abancados não apostaram, não é actividade lucrativa. Luiz Pacheco, que andou uma vida às voltas com editoras e livros, passou os últimos anos num lar e viu-se à brocha para ir pagando os miseráveis mil euros mensais. Pronto, tá bem, eu sei que Luiz Pacheco não serve de paradigma.

Eu não queria enriquecer, porque com esta idade, só se tivesse o talento do consagrado José de Sousa ou do Dr. Lobo Antunes ou me saísse o euro milhões. Aqui entre nós, que ninguém nos ouve, eu só queria – e era para já – editar os últimos cinquenta textos do poeta Daniel Abrunheiro. Ou os cinquenta anteriores aos últimos cinquenta. 500 exemplares para vender numa espécie de porta-a-porta. Se ele autorizasse e chegássemos a um acordo, claro!




quinta-feira, abril 03, 2008

DO MEU DIÁRIO

Oeiras (área de serviço, na A5), 2 de Abril de 2008 – Levantei-me cedo para fugir à confusão do trânsito. Por isso mesmo, ainda tenho tempo para rabiscar meia dúzia de frases, nesta prosa aos solavancos com que vou construindo os meus diários.

Na verdade, concordo em absoluto com quem atribui um valor estilístico à pontuação. A abundância de vírgulas, exclamações, reticências, pontos e interrogações, é eloquente quanto à emotividade que ressalta da minha desbotada prosa. Dir-se-ia que escrevo atento aos batimentos do coração. E ainda bem que falamos de prosa, que assim não cabe no índex de Miguel Ruibal, que o Daniel cita no Canil.

Manhã clara e calma e com muito sol anunciado. Preparo-me para viver, jubilosamente, este primeiro grande dia de Primavera.

terça-feira, abril 01, 2008

DO MEU DIÁRIO (CASTELO BRANCO)


Castelo Branco, 6 de Setembro de 2002 - Castelo Branco é um vício. Um saboroso vício, diga-se em abono da verdade. Mesmo sem aqui ter casa, sinto-me, em cada rua, num espaço amigo e familiar.
Conheço-lhe quase todos os cantos. E às vezes embala-me a ilusão de que as mudanças não têm sido muitas; porém, quem se der ao trabalho de subir ao velho Castelo, perceberá quanto a cidade cresceu nos últimos quarenta anos.
Surgiram naturalmente novas centralidades. Seria difícil convergir para o seu belo centro histórico a partir do Ribeiro das Perdizes ou dos Bons Ares, da Líria ou do Montalvão. Sente-se, todavia, que o feitiço que nos prende à cidade anda por ali entre os Paços do Concelho e a Sé Catedral, a Rua Mártir S, Sebastião e a Rua D. Dinis. Quiçá, na sempre bonita Avenida Nuno Álvares Pereira.
Definitivamente, creio que Castelo Branco é um vício.