sexta-feira, outubro 31, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 31 de Outubro de 2008 – E cá estou de novo, só com o computador, nesta já longa luta com as palavras, a fim de alinhavar algumas linhas sobre o meu dia-a-dia. Ou melhor dizendo, sobre o que me ocorrer, a partir deste preciso momento.

Iniciei o primeiro Diário, no já distante Verão de 1988. Em Tavira registei impressões sobre o decorrer das férias e sobre a cidade. Rasguei ou perdi, quer as folhas manuscritas, quer, depois, as dactilografadas. Como diria Edith Piaf, je ne regrette rien.

Reiniciei o actual Diário, em 1994.

Com o Manuel Ramos Ribeiro, que quando morreu Ruben A. ficou ainda mais apreensivo com a sua leucemia, discuti largamente algumas das questões que estão subjacentes à escrita de um diário. O Manel tinha a ideia de que a prosa memorialista é pertença dos grandes, seja qual for o domínio em que se movimentem. Eu, que sou um diarista pertinaz, pensava e penso que o diário é um modo de expressão como outro qualquer. E por mais voltas que se dêem, nunca deixará de ser uma narrativa autobiográfica.

O Manel, que foi um distinto latinista, de quem Rosado Fernandes, porventura, se lembrará bem, dizia-me que esta prosa é sempre datada e efémera. Eu sou o primeiro a reconhecer o carácter precário desta prosa; porém, não resisto à tentação de registar, com a regularidade possível, as minhas impressões acerca da vida e do mundo.

Este é um daqueles direitos que nenhum Sócrates me poderá impugnar.

terça-feira, outubro 28, 2008

CONVENTO DE MAFRA


ESTREIA

Este não é só mais um romance. Atrevo-me a declarar "urbi et orbi", que este era o romance que faltava para melhor podermos compreender uma época da História de Portugal. E no entanto, o autor nunca sai do domínio estrito da ficção.
O lançamento é amanhã, na FNAC do Chiado, às 19H00.
Este romance é de leitura obrigatória!
Morais, Vitor Cunha, James Dean Fez Carreira no Bombarral, Ed. Caderno (Leya), Alfragide, 2008

sexta-feira, outubro 24, 2008

DO MEU DIÁRIO

CORRUPÇÃO (Republicação)
O senhor Presidente da República tomou posição, recentemente, sobre a problemática da corrupção, que é, a fazer fé no que se diz, uma praga nacional. É estranho, todavia, que o tenha feito apenas na recta final do seu segundo mandato, ou seja, quando a Constituição o impede de se recandidatar. Receio que daqui a dez anos, outro Presidente esteja a fazer o mesmísssimo discurso em relação ao tema.

É sabido que o Presidente é um homem sereíssimo. Sabemos até que se indigna muito quando alguém faz insinuações a seu respeito. Mas sabemos igualmente que o Presidente não governa o país, quer a nível central, quer a nível municipal. Quando muito, poderá exercer a já conhecidíssima magistratura de influência.

Desconheço a totalidade da comunicação presidencial sobre o tema da corrupção. Para além dos corruptos e corruptores e da trapalhada da corrupção activa e passiva, há todo um mundo de perguntas e respostas, a que não se pode fugir. Aqui deixo algumas. Por que razão a corrupção passiva é mais penalizada que a corrupção activa? Na relação custo-proveito, quem mais beneficia com a corrupção? Que estranhas razões conduzem os corruptores ao silêncio? Sabendo-se o que se sabe do problema, que estranhas razões impedem um combate continuado e sem quartel ao flagelo?

Seria importante saber, igualmente, se só é corrupção o recebimento de vantagens pecuniarias ou outras de natureza patrimonial. Quer-me parecer que há corrupção e da grossa, ora no preenchimento de lugares no aparelho e Estado e nas EP, ora nos lugares de topo das empresas de maior nomeada. Quem estiver atento, basta ler os apelidos nos jornais e nas televisões, para topar que há muitas mãozinhas a influenciar as escolhas. Ás vezes até parece que os filhos de certas famílias são sempre mais dotados que os de outras famílias portuguesas. Ás vezes até parece que a República virou Monarquia.

Era bom que o senhor Presidente, ainda antes de ir repousar, pudesse falar deste tormentoso problema nacional. Aqui fica um tema: " Empregos e Corrupção".

Posted by mpbarata at 07:10 PM Comentários: (0) , OUTUBRO DE 2005, no blogue "CATILINÁRIAS

quarta-feira, outubro 22, 2008

FRAGMENT(À)RIAMEMTE

GRATAS
RECORDAÇÕES

A minha idade é assim – verde, sentada.
Tocando para baixo as raízes da eternidade.

Herberto Hélder







JUNHO

Nas manhãs de Junho,
Quando o sol tudo doirava,
A nossa casa era também
A sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Guardo memória, mãe!,
Da nossa rua térrea
E vejo-te jovem
Algodão dobando
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Nas manhãs de Junho,
Quando o trigo amadurecia
E eu brincava, brincava
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Fazia-te mil perguntas
- Mil ou muitas mais –,
E tu respondias sem enfado
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

E eu era feliz
E tu eras feliz, mãe!
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Do outro lado da rua
À sombra da oliveira.





E O TEMPO FLUÍA


Plácido o tempo fluía,
As cigarras cantavam
E as cerejas amadureciam.


E dentro de nós,
Ai, amiga!,
O divino fogo ardia.


De mão na mão,
Apressados,
Descíamos até ao rio
E era à sombra dos freixos,
Pausadamente,
Que tudo acontecia.



COM A NATUREZA


Nos regatos e nas fontes
Água cristalina bebi.


Nos silvedos dos caminhos,
Amoras bravias colhi.


Nos cocurutos das figueiras,
Sadios figos comi.


Nas sombras amigas dos choupos,
Lindas histórias ouvi.


Mas um dia,
Pelos sonhos embalado,
Fui ver o mundo
E tudo perdi.





O VERÃO


No verão,
Quando o sol
Incendiava os dias,
Era à sombra
Da figueira branca,
Junto ao poço,
Que a nossa família
Se acolhia.


Pacientemente,
Meu avô
Descascava então
Figos de piteira
Que eu comia.


Saciada a sede
E distribuído o pão,
Muito feliz,
Minha avó dizia:
- Abençoado seja o verão!...




MEMÓRIA – 1

(Em memória de minha avó paterna)


Muito erecta em seu balcão,
De cores tristes vestida,
Cantava toda a manhã.

Os cabelos penteava
E rimas lançava ao vento
Pr’ afastar a solidão.

Sua voz tinha magia,
Tristeza muita e profunda,
E cantava todo o dia…

Ó querida velha tonta!,
-Minha esmeralda perdida,
Onde cantarás agora?




MEMÓRIA – 2

(Em memória de minha avó paterna)

Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
No teu banquinho sentada
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
De viuvez vestida
Ansiosamente olhando
Mas não vendo nada.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Velho tronco devastado
Pelo simples fluir
Inexorável dos dias.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Vivo o lume
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.




terça-feira, outubro 21, 2008

MATA

AS NOSSAS OLIVEIRAS

Viram-te nascer e conhecem de cor os teus segredos. Foram a tua companhia, silenciosa e segura, durante centenas de anos.

Deram-te sombra, nem sempre boa, é certo, nos tórridos dias do Verão; a luz possível, antes do advento da electricidade; o calor nos Invernos, às vezes, tão longos e rigorosos; o tempero para a panela pobre, que tornava o feijão e a couve menos ásperos; o dinheiro para muitos dos restantes e indispensáveis bens.


E também, é justo que se diga, muito e aturado trabalho e servidão.


De qualquer modo, moldaram-te o carácter. Com elas aprendeste a mansidão e a austeridade. Por isso mesmo, nunca foste dada a sobressaltos e a paixões. Em toda a minha vida, apenas ouvi falar de um crime passional, perpetrado por um homem, a quem o amor de uma mulher não quis servir. Foi muito antes de eu ter nascido e já passei há muito pelos cinquenta.


Benditas sejam para sempre as nossas oliveiras!

sexta-feira, outubro 17, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 16 de Outubro de 2008 – Confesso que o Orçamento de Estado, apesar de saber que vai mexer muito com a minha vida, me estimula pouco. As discussões são muito sisudas e os médiuns que tentam traduzir do clássico para o vulgar, normalmente falham os seus sãos propósitos. E eu, confesso sem constrangimentos, que não sei resistir à secura como as figueiras.

Agrada-me muito mais a leitura de Miguel Veiga, apesar de estar sempre a reiterar as suas raízes portuenses, porque escreve com bom gosto e em português de lei. Por português de lei, entenda-se aqui e agora, um português sem concessões ao analfabetismo reinante, ou seja, o português de Vieira, Garrett, Camilo e Eça. E também o de Mário Dionísio, Mário Castrim e Mário de Carvalho. No fundo, um português com História e Gramática.

Ao contrário de Miguel Veiga, não herdei bibliotecas. Na minha casa reinava o mais puro analfabetismo, porque os meus pais apenas tinham, ainda que não certificadas, as suas competências de pau-para-toda-a-obra. Eu explico melhor: meu pai ajudava a construir casas, pedra a pedra ou tijolo a tijolo; minha mãe trabalhava no campo e tratava da nossa casa, que, sendo pequena e o mobiliário escasso, não lhe dava muito trabalho. Por isso mesmo, ainda tinha tempo para fazer pares de meias, em algodão, para mim e para o meu pai, que era uma forma de poupar e de estar ocupada.

O gosto pelos livros aprendi-o na convivência com os meus amigos. Hoje, também me invadem o espaço, mas estou-me nas tintas para tal facto. De e com livros é feita a minha vida.

domingo, outubro 12, 2008

QUADRAS QUASE POPULARES

I

Ah, Américo Amorim
É um português genial!
Até com cortiça ruim
Enriquece Portugal.

Tem tanta, tanta energia
e é tão empreendedor…
Receio que qualquer dia
dê um ataque ao senhor.

Dizem que está a perder
muitos, muitos triliões.
Tal não pode acontecer,
porque não joga a feijões.

II

Que dizer do madeirense
- Joe Berardo, o poderoso –
na ilha, nem amanuense!,
E em Portugal tão famoso?

Que fabrica este senhor
pra tal riqueza ostentar?
Muito. È ‘speculador,
tem euros a trabalhar.

III

Oh, gosto deste heróis
de jornal e tel’visão!
São verdadeiros faróis
qu’ iluminam a nação.

sexta-feira, outubro 10, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 10 de Outubro de 2008 – Quem não se pode queixar do momento presente é Jean-Marie Le Clézio, a quem foi atribuído ontem o Prémio Nobel da Literatura. E com toda a justiça, para que não fique a pairar qualquer suspeição.

Este grande escritor francês, que publicou o seu primeiro romance LE Procès-Verbal, em 1963, é autor de cerca de cinquenta obras. É, portanto, para além de um grande escritor, um trabalhador original e metódico. Escreveu obras como Désert, Le Chercheur d’Or, Voyage à Rodrigues, etc., que fizeram dele um escritor amado e incontornável.

Nestes dias, a par da queda da bolsa de Paris, vai estar em alta a obra de Le Clézio e a auto-estima dos franceses. Para o autor de Printemps et autres saisons as coroas suecas, independentemente do jeito que sempre hão-de dar, acabam por ser uma ninharia perante a consagração universal.

Il y a des jours heureux. M. Le Clézio!


quinta-feira, outubro 09, 2008

PRÉMIO NOBEL 2008

LE CLÉZIO

Jean Marie Le CLézio, prémio Nobel da literatura 2008, declarou que vai continuar a ler romances e a questionar-se. Com esta atitude, o autor de Printemps et autres saisons, que é também um ensaísta de mérito, demonstra que o Nobel está em boas mãos.

quarta-feira, outubro 08, 2008

DO MEU DIÁRIO




Santa Iria de Azóia, 7 de Outubro de 2008 – Faz hoje quarenta e nove anos que transpus, pela primeira vez, o portão da Escola Primária da Mata. Era um edifício igual a muitos outros, porque o Estado Novo tinha um número muito limitado de plantas de edifícios escolares: uma sala para rapazes e outra para raparigas, ambas precedidas de um amplo vestiário. Um muro de altura variável dividia teoricamente, digamos assim, o mundo dos meninos do mundo das meninas.

Por conveniência do casal de docentes, que eram um casal no verdadeiro sentido da palavra, a primeira e a segunda classes estavam a cargo da Sr.ª D. Ester e a segunda e a quarta a cargo do Sr. Professor Falcão, numa mistura muito saudável de rapazes e raparigas. Só voltaria a ter uma turma mista, anos mais tarde, quando frequentei a Secção Preparatória para ingresso nos institutos comerciais.

As salas eram muito frias e escuras, no Outono e no Inverno, ainda que estivessem voltadas a Nascente. Não cheguei a conhecer naquela escolinha querida, onde agora é desenvolvido o projecto educativo “Belgais”, os benefícios da electricidade; porém, guardo gratas recordações dos anos que a frequentei, porque nunca mais o convívio seria idêntico, nas outras escolas que frequentei.

E é talvez aquele convívio pueril, que me faz recordar aquele tempo e aquele espaço com alguma saudade.

terça-feira, outubro 07, 2008

SONETO

NUNO ÁLVARES PEREIRA

Nuno foi o braço e a mente

Que Portugal defendeu
Da castelhana gente.
Títulos e riquezas recebeu
De seu amigo João de Avis,
Cujo arnês envergou
Quando Leonor, mãe de Beatriz,
Cavaleiro o armou.
Destemido herói medieval,
Escolheu o caminho certo
E terçou armas por Portugal.
Ilustre patrono da infantaria,
Nuno foi o grande arquitecto
Da lusitana soberania.

sexta-feira, outubro 03, 2008

MEMÓRIA

CASTELO BRANCO 2

E havia aqueles dois senhores,
que eram da PSP e trajavam à paisana:
um era o senhor Pudico e o outro era o outro.
Tinham por missão zelar pelos costumes
e impor o respeitinho.
Visitavam o subversivo Vidal,
que vendia muita prosa vil
e acolhia perigosos homens do contra:
o alfaiate Matos Pereira,
o industrial Armindo Ramos
e o advogado João Vieira.
E outros, que o quiosque estava licenciado
e a entrada era livre.

O senhor Pudico usava gabardina, no Inverno,
como o inspector Colombo de uma série televisiva,
e chapéu todo o ano, por respeito à convenção.
O outro, já não me recordo se tinha gabardina,
mas também usava chapéu. E óculos
para poder ver melhor os títulos subversivos,
que um tal Vilhena teimava em publicar:
O Filho da Mãe,
Marmelada,
A Vaca Borralheira,
As Canetas dos Amantes, etc.
E quedo-me por aqui para não alongar o rol.

O senhor Pudico e o senhor outro,
que levavam a sua nobre missão a sério,
eram pessoas muito sós,
porque, lá bem no fundo, só se tinham um ao outro.
A cidade olhava-os com desdém,
porque o senhor Pudico e o senhor outro
eram o retrato vivo da vigilância, num país vigiado
até nas coisas mais simples e íntimas.

O senhor Pudico e o senhor outro não liam livros.
apreendiam livros.
O senhor Pudico e o senhor outro não conversavam.
ouviam conversas
O senhor Pudico e o senhor outro não viviam,
andavam por ali,
enquanto a cidade vigiada
trabalhava, lia e conversava.