quarta-feira, fevereiro 28, 2007

COMO SE FOSSE ONTEM

Novembro de 1979. Vinte e nove ou trinta, pouco interessa. Batem as três da madrugada, no aeroporto da Portela. Vem de Tunes ou de outro sítio qualquer. Yasser Arafat, o mouro, pisa terras cristãs de Luso. Silas Cerqueira, Cunha Serra, Gualter Basílio e outros, aguardam o terrorista que fala como os poetas.
Lisboa é o centro do mund. Eden Pastora - que depois foi o que se sabe-; chega com passaporte diplomático, mas sem um tostão para gastar. Pedro Medina, que os deuses chamaram a si muito cedo, pagou medicamentos do seu próprio bolso. Daniel Ortega é o homem forte em Manágua.
Nanna Amida, do Assafir de Beitrute e do Le Monde, havia de chegar depois, com os seus cabelos de azeviche sobre as nádegas. Sim, a porta-voz dos negociadores de Bagdad, na Suiça, antes da primeira guerra do Golgo.
Lurdes Pintasilgo é a chefe do governo de Portugal. Ramalho Eanes, o presidente. Lisboa é o centro do mundo e Portugal um país decente.
Arafat, na Aula Magna, declara que já não há lugar para mais mortos na Terra Santa da Palestina.
Portugal é ainda anfitrião de causas nobres. Lisboa é o centro do mundo!

terça-feira, fevereiro 27, 2007

MEMÓRIA

MEMÓRIA

(Em memória de minha avó paterna,
Maria, de seu nome completo).

Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
No teu banquinho sentada
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
De viuvez vestida
Ansiosamente olhando
Mas não vendo nada.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Velho tronco devastado
Pelo simples fluir
Inexorável dos dias.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Vivo o lume
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.

domingo, fevereiro 25, 2007

YASSER ARAFAT

Nas ruínas da Muqata
- o seu quartel-general -,
em campa muito pacata
jaz um mito universal.

Muitas vezes foi vencido,
Mas nunca foi derrotado.
De seu povo era querido,
Pelo mundo respeitado.

Era o homem do turbante
Por Israel combatido.
Físico insignificante?
Sim, mas forte e decidido.

Combatente de primeira;
Contudo, sempre acossado.
Era o mastro e a bandeira
da Nação-futuro-Estado

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

AS NOSSAS OLIVEIRAS

Viram-te nascer e conhecem de cor os teus segredos. Foram a tua companhia, silenciosa e segura, durante centenas de anos.

Deram-te sombra, nem sempre boa, é certo, nos tórridos dias do Verão; a luz possível, antes do advento da electricidade; o calor nos Invernos, às vezes, tão longos e rigorosos; o tempero para a panela pobre, que tornava o feijão e a couve menos ásperos; o dinheiro para muitos dos restantes e indispensáveis bens.

E também, é justo que se diga, muito e aturado trabalho e servidão.

De qualquer modo, moldaram-te o carácter. Com elas aprendeste a mansidão e a austeridade. Por isso mesmo, nunca foste dada a sobressaltos e a paixões. Em toda a minha vida, apenas ouvi falar de um crime passional, perpetrado por um homem, a quem o amor de uma mulher não quis servir. Foi muito antes de eu ter nascido e já passei há muito pelos cinquenta.

Benditas sejam para sempre as nossas oliveiras!

terça-feira, fevereiro 13, 2007

MEMÓRIA E DRAMA

Nas manhãs de Junho,
Quando o sol tudo doirava,
A nossa casa era também
A sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Guardo memória, mãe!,
Da nossa rua térrea
E vejo-te jovem
Algodão dobando
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Nas manhãs de Junho,
Quando o trigo amadurecia
E eu brincava brincava
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Fazia-te mil perguntas
- mil ou muitas mais -
E tu respondias sem enfado
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

E eu era feliz
E tu eras feliz, mãe!,
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Do outro lado da rua
À sombra da oliveira.

domingo, fevereiro 11, 2007

O FLUIR DO TEMPO

O tempo tudo devora
no seu fluir incessante.
Muda o mundo em cada hora
e a verdade em cada instante.

Vão as horas vão os dias,
vão os meses vão os anos;
Breves são as alegrias,
tantos são os desencantos.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

SIM

Termina hoje, à meia-noite, a campanha de propaganda pró e contra a chamada interrupção voluntária da gravidez (IVG). Domingo, através do instituto do referendo, os portugueses vão exercer o seu direito de voto e dizer de sua justiça.
A campanha termina apaixonadíssima na blogosfera; porém, um tanto ou quanto chocha, nas ruas e nos espaços públicos tradicionais. Ainda assim, têm-se ouvido até à exaustão velhos argumentos e pseudo-argumentos, nomeadamente por parte dos defensores do NÃO, que são os mesmos do costume, menos o major Valentim Loureiro.
Da parte do SIM, porque alguém lembrou que era bom não radicalizar a questão, os seus defensores têm sido efectivamente comedidos e de um modo geral repetitivos. Pugnam por uma causa que reputam de justa e indispensável para acabar com a igomínia do aborto clandestino.
Sou defensor do SIM pelas seguintes razões:
1. Sendo uma questão do foro íntimo da mulher, penso que não tenho o direito de exigir ao Estado, que, em nome da sociedade, puna as mulheres que decidam abortar até às dez semanas.
2. Penso que a sociedade não tem o direito de impor regras a seu bel-prazer - e de punir as mulheres que recorrem ao aborto, quantas vezes em condições infames -, quando é incapaz de ser equitativa e solidária.
3. A lei existente é retrógrada - e por isso mesmo é tão desrespeitada -, e só beneficia os negócios obcuros que se instalaram à volta do aborto clandestino.
4. Quero que os meus impostos sirvam para tratar também desta questão de saúde pública, porque desejo que as minhas concidadãs sejam tratadas com o respeito que é devido a todos os seres humanos.
5. Desejo que a natalidade ocorra de forma livre e consciente.
Se os meus leitores, que não conheço na sua totalidade, me puderem acompanhar nesta escolha, domingo votaremos SIM.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

CONVERSAS INACABADAS

Nunca diremos tudo o que havia para dizer, porque é da natureza das coisas as conversas ficarem inacabadas. É certo que por pudor – ou outra razão qualquer –, passamos ao lado de coisas importantes, decisivas, fundamentais. Foi sempre assim e assim continuará a ser.

Quando eu era menino e me perguntavas de quem eu gostava mais, se de ti ou de minha mãe, respondia-te da forma mais convencional, ortodoxa, previsível: gosto dos dois. E hoje sei, de ciência segura, quão verdadeira era a minha pueril resposta.

Nunca te terei dito “gosto muito de ti”, ou “és o meu ídolo” ou ainda “amo-te muito”. Estas coisas comezinhas estavam para além da nossa gramática quotidiana e excediam a nossa intimidade comedida E no entanto, ambos sabemos quanto nos amámos sempre.

Estas palavras, que neste momento escrevo, entre um café e dois golos de água, não as ouvirás jamais da minha boca. Ainda por pudor, não era hoje que te iria dizer estas coisas, que apenas aumentariam a tua comoção. O que te juro – é palavra de homem –, é que tens um lugar único, no meu coração.

sábado, fevereiro 03, 2007

TRIPTICO

I
Para o José Ribeiro, que ouve Bach.

E logo hoje,
Que eu precisava tanto de um dia azul,
Alegre e límpido,
(oh, se precisava!)
A Natureza submerge-me de cinzento,
Tristeza e bruma.


Que mal te terei feito,
Pergunto-te,
Para me tratares assim,
Ó grande Mãe?!

Porque contrarias,
Tão pertinazmente
Os meus desejos simples
De azul, alegria e limpidez?

Porquê?

II

Eu aprecio imenso
As fotografias geladas
E brumosas
Da Papu
E do Daniel Abrunheiro.

Porém,
Trago em mim a ansiedade
Das amendoeiras floridas
No fim de Fevereiro.

III

Definitivamente,
O meu tempo é outro:
Abril
Com suas águas mil
(ó grande António Machado!);
Maio
Com todas as flores;
Junho
Com os primeiros figos
E cerejas maduras.

Definitivamente,
O meu tempo é outro.