quinta-feira, março 27, 2008

DO MEU DIÁRIO

Rua Nova da Escola (MATA)


Santa Iria de Azóia, 27 de Março de 2008 – Tenho ido à Mata com muita regularidade; porém, nos últimos dois anos, a frequência das idas aumentou bastante. Por razões que não trarei à colação.

Desde 1969 que não tenho tido uma relação fácil com a minha gente. Não falo da família, obviamente. Falo dos meus conterrâneos, que se habituaram a ver em mim um homem do contra. E se calhar com muita sabedoria, porque se fui do contra, nos tempos de Marcelo Caetano; hoje, continuo a ser do contra, nestes tempos de democracia vigiada de augustos santos silvas. Sou, pois, um homem do contra e com muito gosto, como dizia o anúncio de uma marca de pão levezinho de tostas mistas.

Há qualquer coisa, no entanto, que mudou na relação dos matenses com a minha pessoa. Intimamente, as pessoas sabem que continuo a ser do contra; contudo, sabem que sou capaz de gastar o meu tempo para falar delas, dos seus antepassados e do seu modo de viver. Na medida do possível, agora que a simpatia está em maré-alta, tudo farei para não lhes gorar as expectativas.

Se tiver pachorra e algumas ajudas, hei-de fazer a transcrição fonética do “falar peculiar” dos meus conterrâneos. Para que tudo fique registadinho para a posteridade.

terça-feira, março 25, 2008

PALAVRAS PERDIDAS

Há quanto tempo, mãe, não te falo de amor
Com aquelas palavras de encantar
Com que as crianças falam do amor?!

Há dias corei de vergonha,
Corei de vergonha quando li,
Num livro de Saint-Exupéry,
As palavras que ele escreveu a sua mãe
E que eu nunca te disse a ti.

Deixei que entre nós se interpusesse
Um pudico silêncio ancestral
E disse-te apenas coisas imediatas e triviais.

Eu esqueci, mãe, aquelas palavras claras e pueris
Que tanto alegravam o teu coração.

Eu coro de vergonha, mãe!

In Fragmentos com poesia de Manuel Barata,
Ulmeiro, Lisboa, 2005

sexta-feira, março 21, 2008

NESTE DIA

Concede-me, ó divina Euterpe, um jeito humilde, para com simplicidade cantar a urgência da paz e do amor. Ao contrário de Luiz Vaz, do qual me declaro humilde e eterno aprendiz, eu não quero tuba canora e belicosa, que outros são os tempos e o pensar das gentes.
Concede-me, ó divina musa, um jeito humilde, para que possa, com as palavras e o som da rude flauta, tocar o coração dos homens e dos deuses.
Eu quero lembrar-lhes mil vezes, ó musa, a premência da paz e do amor!

quinta-feira, março 20, 2008

SEMPRE A POESIA

(Recordando José Gomes Ferreira)



Prostituta fecunda
Que penetras na vida
De forma profunda.


Alento nas horas más,
Dita ou cantada
E instrumento de paz,

Em cada madrugada.


Do nosso amor,
Cheio de magia,
Há sempre parto,
Há sempre dor
E alegria.


terça-feira, março 18, 2008

ANTECIPANDO O DIA DO PAI

João Maria Barata, meu pai.

Conheço um homem, a quem nunca tive a amabilidade de dedicar uma linha de humilde prosa, e que merece todo o respeito do mundo. Com sete anos, quando deveria aprender as primeiras letras e a tabuada, já calcorreava, descalço, caminhos e veredas, fragas inóspitas, atrás de um rebanho.
Sempre o ouvi dizer - e a minha avó confirmava -, que fora o primeiro patrão que lhe fizera as primeiras botas.
Porém, não estva talhado para a bucólica profissão de guardador de rebanhos, para tanta solidão. Analfabeto, já com dezoito anos, comprou uma pasteleira e fez-se aprendiz de construtor de casas. Pedra a pedra, tijolo a tijolo, ajudou a construir centenas de lares, ganhando a vida e espalhando conforto.
Nunca deixou, apesar das inúmeras voltas que a sua vida deu, que em sua alma morresse o amor pela Natureza. Teimoso, continua a trabalhar a terra, que já fora de seus avós, arrancando-lhe saborosos frutos.
Penso que não deve nada à Pátria e que a Pátria nada lhe deve. Pertence a um género de portugueses que ama e sempre amou Portugal sem condições.
In FRAGMENTOS COM POESIA de Manuel Barata, Ulmeiro, Lisboa, 2005.

sexta-feira, março 14, 2008

TRÍPTICO


AS PALAVRAS

Para Eugénio de Andrade

I

Ah, as palavras...
- Essas frágeis rosas,
que sustentam
O meu mágico poder!

Com elas amo
E digo a indizível
beleza do teu corpo.

Com elas reinvento,
hora a hora,
A vida e o mundo.

II

Sem as palavras,
Não poderia cantar
A casta flor da laranjeira
Nem as manhãs de Verão.

E como poderia cantar
Este país sempre embriagado de sol?

III

Com as palavras tudo faço.
Ás vezes,
Até pinto o céu
Melhor do que os pincéis
De Picass0.

In FRAGMENTOS COM POESIA
de Manuel Barata, Ulmeiro,Lisboa, 2005

terça-feira, março 11, 2008

CONTIGO (versão)

Contigo tenho escalado as altas montanhas
E atravessado os infindáveis desertos.

Em ti, tenho encontrado o repouso e o conforto
Quando regresso de todas as viagens.

Contigo, e de ti,
Fiz brotar a vida do porvir.

Porém, contigo tenho travado absurdas batalhas
e discussões pouco edificantes.

Por isso, com veemêmcia me pergunto:
Será que tudo teria de ser assim?!

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 11 de Março de 2008 – Há quatro anos, faz hoje precisamente quatro anos, quarta-feira, estava em Mestre, nos arredores de Veneza, a participar num seminário de âmbito profissional. À minha mesa sentavam-se, à hora das refeições, os dois representantes de Espanha, um de Madrid e outro de Valência, aos quais expressei o meu pesar e a minha solidariedade.

Nunca me senti tão ibérico como naqueles dias. É certo que sempre tive uma grande atracção por Espanha, onde vou com regularidade desde os treze anos de idade. Comecei por ir a pé, descendo a serra, por estreitos carreiros de contrabandistas, dos Fóios para Valverde; ou indo por caminhos mais ou menos planos até Navas Frias. Por Navas Frias havia de passar alguns anos mais tarde, quando, clandestinamente, deixei Portugal e fui residir nos arredores de Paris. Não direi que conheço a Espanha como os dedos das minhas mãos, mas é indiscutivelmente, o país que melhor conheço e mais estimo a seguir a Portugal.

Por isso mesmo, quatro anos volvidos sobre os atentados de Madrid (Atocha), quero, aqui e agora, condenar veementemente o terrorismo, todos os terrorismos, incluindo os terrorismos de Estado que, por serem de estado não deixam de ser terrorismos. E prestar a mais viva homenagem às vítimas da barbárie, ou seja, aquela gente inocente que, àquela hora matutina, se dirigia para os seus postos de trabalho.

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 9 de Março de Março de 2008 – A manifestação dos professores, realizada ontem na capital, foi a maior de sempre levada a cabo por uma classe profissional.

Dois terços dos profissionais que estão a ensinar os futuros dirigentes políticos portugueses vieram à capital para exprimir o seu descontentamento em relação aos senhores do mando. Fizeram-no com veemência, mas também com muita irreverência e em clima de festa.

Apesar da participação massiva, provavelmente irrepetível, a soturna e monocórdica ministra da educação asseverava, à noite na televisão, que tudo iria prosseguir como se nada se tivesse passado, naquela tarde. A senhora provou à saciedade que é dotada de uma superior inteligência e que merece continuar no cargo. Esta gente obstinada e prenhe de razão é a garantia da perenidade da pátria e de um futuro risonho para todos nós.

Os cem mil manifestantes eram meros títeres manipulados pelo PCP.

domingo, março 09, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 8 de Março de 2008 – Foi ontem a enterrar o grande historiador Joel Serrão, a quem fico a dever inúmeros ensinamentos acerca do séc. XIX. Temas Oitocentistas, volumes I e II, são para mim a sua obra de referência. Com Joel Serrão aprendi quão importante foi e é a electricidade, no processo civilizacional. E muitas outras coisas.

Com Joel Serrão aprendi a gostar mais de Cesário Verde.

Num tempo de Augustos Santos Silvas, a morte de Joel Serrão torna-se ainda mais insuportável e dolorosa.

sábado, março 08, 2008

8 DE MARÇO

Contigo tenho escalado as altas montanhas
E atravessado os infindáveis desertos.

Em ti, tenho encontrado o repouso e o conforto
Quando regresso de todas as viagens.

Contigo, e de ti,
Fiz brotar a vida do porvir.

Porém,
Contigo tenho travado as mais absurdas guerras.

Será que tudo teria de ser assim?!
Será que tudo terá de ser assim?!

8 DE MARÇO

UM LUGAR NA MINHA ALMA

Agora que não nos vemos
e as nossas vidas correm pelos dias
cada vez mais longínquas,
sinto, às vezes, uma vontade enorme
de te ver uma tarde, tomar café
contigo, saber como vais...

Agora que não nos vemos
e nos perdemos aos dois,
não penses que esqueci as tuas coisas.
Guardo boas lembranças, e poemas
que te escrevi (lembras-te?); guardo
cartas e fotografias...
E um lugar
na minha alma, onde, se quiseres,
sempre, sempre podes estar.

Abel Feu (n. 1965, em Ayamonte, Huelva)
in POESIA ESPANHOLA, ANOS 90, Antologia
de e com traduções de Joaquim Manuel Magalhães,
Ed. Relógio d'Água

terça-feira, março 04, 2008

DO MEU DIÁRIO

Nesta república do faz-de-conta, está na moda dizer mal do Estado e dos denominados trabalhadores da Função Pública. O desvario começou com a entrada em funções do (des) Governo de Durão Barroso que, servindo-se do Estado, é hoje Presidente da Comissão Europeia, e nunca mais parou.
O rol dos dislates é incomensurável. Brancos pretos e amarelos, com ou sem formação, mas normalmente bem instalados, vociferam contra os privilégios dos funcionários do Estado, esquecendo-se, muitas vezes, de olharem à sua volta. Conferem privilégios aos outros que, ainda que o não sejam, são bem inferiores aos desses acérrimos defensores de menos Estado e melhor Estado, mas que nunca reclamaram menos privado e melhor privado.
Nos meios de comunicação social, os empregados dos grupos empresariais do sector, defendem caninamente o tacho. Destilam mentiras e mais mentiras acerca de pessoas e instituições que muitas vezes desconhecem. Cegos, vêm privilégios onde os não há. Com a cegueira da redução do défice, pouco se preocupam com os problemas das pessoas e das famílias. De resto, numa atitude muito pouco cristã.
Economistas de meia tigela, gente que nunca produziu pensamento nem arriscou um pataco, com a crueza dos magarefes, propõem despedimentos, cortes nos salários e nas prestações sociais percebidas pelos trabalhadores do Estado. Nunca pediram nem pedirão a redução dos seus salários, porque se têm todos em muito boa conta. Ai, se nós soubéssemos os negócios ruinosos que essas almas pouco piedosas por vezes conduzem ou apadrinham!
Muitos deles são filhos de antigos funcionários, muitas vezes corruptos, que fizeram carreira atropelando trabalhadores honestos e se reformaram aos cinquenta anos com chorudas reformas.À pátria - esses patifes sem vergonha, que tanto trabalham aqui como noutro sítio qualquer, nunca deram nada. Aproveitaram todos os benefícios - até os da educação à borla - e uma vez empoleirados, acham sempre muito aquilo que o Estado lhes exige. São os primeiros a reclamar segurança para as suas pessoas e bens. Se lhes fosse permitido, de bom grado, pagariam apenas às polícias e pouco mais. São os defensores do princípio do utilizador pagador.
Como bons totalitários que são, acreditam que esta é a única e mais capaz forma de governar o mundo. Mas isto um dia vai mudar e há por aí rapazes que vão levar umas bengaladas. Que Deus me preserve a vida para assistir a esse, decerto, majestoso espectáculo!
Publicado em 30 de Agosto de 2005, no "Blog" Catilinárias

domingo, março 02, 2008

SALOMÉ

Salomé
Só queria
Dançar
E encantar.

E mostrar
Os brincos
Que usava
No umbigo.

Oh,
Quisesse
Salomé
Dançar
Pra mim
………….
Ou comigo!