sexta-feira, junho 29, 2007

LIVRARTE - VIII (LIVROS E ARTE)
















LIVROS E LEITURAS

AS VELAS ARDEM ATÉ AO FIM, do autor Húngaro Sándor Márai, é um magnífico romance publicado pelas Edições Dom Quixote. A fábula poder-se-ia resumir como na badana do livro, mas a singularidade do romance, em minha opinião, reside no facto de, ente os capítulos 13 e 19, o narrador se eclipsar quase totalmente para que o velho general possa analisar a sua amizade com Konrád , o amigo de infância, que mais tarde o havia de trair mantendo uma relação secreta com Krisztina, sua mulher.

Konrád foge e vai viver no Extremo Oriente. Henrik permanece na sua floresta, onde espera, primeiro, na casa de caça, que Krisztina morra; e, depois, no palácio decadente, que Konrád regresse ao local do crime. A acção decorre, à boa maneira da tragédia grega, em menos de vinte e quatro horas, no velho Castelo e a intriga consiste em o velho general apurar se Konrád e Krisztina tinham gizado, em comum, o plano para o eliminar de um dos vértices do triângulo amoroso.

Durante quarenta e um anos e quarenta e três dias, o velho militar analisou todos os pormenores até à exaustão; tinha obtido a resposta para todas as questões; tinha dissipado todas as dúvidas; queria, agora, confrontar Konrád com as conclusões e, de certo modo, fazê-lo pagar, responsabilizá-lo, pela sua responsabilidade no destroçar das três vidas.

Tenho dúvidas que Konrád seja uma verdadeira personagem durante este jantar de acerto de contas. É antes de mais o pretexto para uma profunda reflexão sobre o sempiterno tema da amizade, onde Márai deixa passar a ideia de que comporta sempre uma «pitada de Eros». Henrik é o veículo para esse discurso que flui como um rio e onde as interrogações têm uma mera função retórica. O jantar é uma cena única e o discurso apenas a parte material de um admirável monólogo interior, entre o anoitecer de um dia e o amanhecer do dia seguinte.

quarta-feira, junho 27, 2007

CURIOSIDADES CULTURAIS

SOBRE OS LIVROS
"Os livros devem estar com quem os lê e não no sossego das prateleiras de uma biblioteca, a serem comidos por miseráveis insectos".
SOBRE A JUSTIÇA
"A justiça é larga. Não a dos juíze, que são regristas e estreitos de julgamento. Mas a dos homens sábios que vêem todos os lados do complexo poliedro dos actos".
SOBRE A ESCRITA
"Dei por mim que possuía o dom da verbosidade literária. Estranho vício, a escrita. Ou doença. Doença mesmo, porque se torna obsessiva. E passa a ter-se por dia inútil o dia en que se não escreve"
Rosa, Luís, Bocage - A Vida Apaixonada de Um Genial Libertino, Ed. Presença, LX, Dez/2006.

domingo, junho 24, 2007

CASTELO BRANCO


Quinta da Feiteira (NINHOS E CEGONHAS)

SILVESTRE FIGUEIREDO

Meu amigo. Médico dos pobres e dos ciganos.

I
A vida sorvias
a pequenos goles
como se tivesses
para viver
uma eternidade.

Tudo intuías
porém
não intuíste
que no corpo
trazias
um curto prazo
de validade.

II

Essa marca
inicial
- que desconhecias –
era certamente
a fonte da calma
da lhaneza
da bonomia.

III

Era Maio

foi em Grândola
no Alentejo
ia alta a manhã

no Alentejo
quem diria…

sexta-feira, junho 22, 2007

JOÃO DE SOUSA TEIXEIRA

É meu amigo. É um poeta com obra e com muito mérito.
Santa Iria de Azóia, 23 de Outubro de 2003 - António Joaquim tem oito anos e frequenta a escola da Vila, onde vive com a avó Jacinta. Os pais, Miraldina e Chico Melga ( preferível a Chico Velhaco, sabendo nós o que valem as palavras e o que com elas se pode fazer), trabalham e vivem longe. Decorre o mês de Agosto de 1987.

A Vila é sinédoque de Zona de Intervenção da Reforma Agrária e serve apenas para que as personagens da narrativa de João de Sousa Teixeira, Mar de Pão, tenham um espaço para se movimentar. Vive agora na expectativa da construção de uma barragem, de um mar de água, dez anos após os golpes de misericórdia desferidos pelas autoridades, a instâncias dos antigos latifundiários, naquela que terá sido, no plano social, a maior, mais genuína e espontânea das precárias realizações de Abril. Os velhos, entre os quais, provavelmente, Joaquim das Vacas, disputam um lugar no banco à sombra da grande azinheira.

Dir-se-ia que este Mar de Pão, que em boa hora o autor decidiu dar à estampa, não é uma obra dos tempos que correm, tão-pouco do presente da narrativa, Agosto de 1987, quando as comissões liquidatárias já tinham liquidado todos os sonhos daquela gente simples que, como Zé da Cesaltina e Miraldina, ousaram transformar o Alentejo num mar de pão. A obra, que o autor não quis romance, marca sobretudo uma posição ética de alguém que, tendo-se iniciado há trinta e um anos como poeta, com RO(S)TOS DO MEU PAÍS, não podia calar a realidade presente do Alentejo, dominada pelo abandono e pela solidão dos que foram ficando


Mar de Pão é uma pequena narrativa, un récit ( faça o leitor vista grossa a esta utilização do francês e a esta fuga às classificações ), que rememora um tempo de grande fraternidade e de profundas transformações quanto ao modo de utilização da terra, no Alentejo, naqueles anos luminosos que se seguiram ao 25 de Abril. No plano da arquitectura, a fábula tem um momento indiscutivelmente alto: a decisão de criar a Cooperativa – tudo decidido na taberna do Faustino e a instâncias de Joaquim das Vacas – e que mais tarde se haveria de chamar Estrela Nova. É admirável como em apenas nove páginas se assiste ao nascer e definhar da Cooperativa e simultaneamente, ao nascimento e crescimento do amor de Chico Melga e Miraldina. Saúde-se aqui uma notável economia de meios.

João de Sousa Teixeira não quis fazer romance e, por isso mesmo, à semelhança do que acontece no texto dramático, ao leitor é exigida uma grande capacidade de intuição, no que à caracterização das personagens concerne. Chico Melga – o grande impulsionador da Cooperativa -, não se conformando com a morte de Zé da Cesaltina, tenta saber, junto da GNR, as razões que conduziram o amigo ao suicídio. É a demonstração de uma enorme inteireza de carácter e também de uma enorme simplicidade.

O narrador, ser de papel na opinião de Barthes, mas a quem um tal José de Sousa Saramago equipara ao próprio autor, parece encaixar-se na concepção deste último. A voz que se ouve ao longo da narrativa não é a de um ser de papel. É a voz irónica – nunca amargamente irónica -, de João Teixeira, que se assume como um redactor de eventos passados, através de um processo técnico narrativo chamado analepse. Saliente-se, de resto, que ao longo do récit o narrador-autor ( era inevitável chegar aqui) faz uso apropriado das anacronias, facto que demonstra que, querendo, a sua oficina podia produzir um belo romance.

quinta-feira, junho 21, 2007

VERÃO

I

Um só verso
musa
me bastaria
para celebrar
este primeiro dia
de Verão.

Um só verso
musa
e sol

sol de Junho
musa.

II

Ando deprimido
musa
e cinzento
como este tempo
fora de tempo.

III

Eu preciso tanto
musa
de dias quentes
e límpidos

Eu preciso
musa
do Verão
agarrado
à pele.

segunda-feira, junho 18, 2007

LIVRARTE - VII (LIVROS E ARTE)

A LIVRARTE não é um desses espaços muito brilhantes que agora estão em voga. É um espaço digno, onde o livro é tratado com respeito e carinho.
Longe dos alfarrabistas tradicionais, que pontificam no Calhariz e na Rua da Misericórdia, nomeadamente; a LIVRARTE é assim como que um espaço alternativo, noutra zona da cidade, onde se vai pelo prazer de ir e não porque calhe em caminho.
Se não puder ir à LIVRARTE, uma livraria com História-, visite o sítio www.abebooks.com, ou seja, o maior espaço livreiro "on line" do mundo e do qual a LIVRARTE faz parte.
Ir à LIVRARTE é, sobretudo, um acto cultural!

LIVRARTE - VI (LIVROS E ARTE)





































domingo, junho 17, 2007

TOCADOR DE FLAUTA

I

Toca, tocador de flauta, toca!,
e enche de melodia
o espaço entre a terra e o céu.

( Toca, tocador de flauta, toca,
porque se não tocares,
toco eu!)

II

Tu não sabes,
tocador de flauta,
como é suave
e doce
o corpo desta mulher
que aperto nos meus braços
nesta dança instintiva.

Toca, tocador de flauta, toca,
que este momento vale uma vida!

III

Toca, tocador de flauta, toca!,
que a música
é a única linguagem
compreendida
pelos homens
e pelos deuses.

Toca, tocador de flauta, toca!,
e enche de harmonia
esta tarde de verão.

Até à harmonia plena.

Até à exaustão.

sábado, junho 16, 2007

LIVRARTE - V (LIVROS E ARTE)



É possível ver, na fotografia, a anfitriã, dando informações a uma cliente.

LIVRARTE - IV (LIVROS E ARTE)


Uma fotografia do interior de um espaço único, que já denominei "património da humanidade",
passe o hiperbolismo da expressão.

LIVRARTE - III (LIVROS E ARTE)



Trata os livros com carinho de uma criadora. Na sua livraria, o livro é muito mais que um objecto sujeito a compre e venda.

LIVRARTE (LIVROS E ARTE)


"Há pessoas que editam livros. Conheço uma única pessoa que, por amor deles, os vende, os edita, os colecciona, os lê e, coisa mais incomum, não sendo rico os oferece àqueles que considera partilharem da sua paixão: chama-se José Ribeiro /.../ " António Lobo Antunes

LIVRARTE (LIVROSE ARTE) -1


Falo de livros usados e são muitos mil. Com preços módicos e por perto a Lúcia e o Zé Ribeiro, sempre prontos para dois dedos de conversa e um esclarecimento.
É na Avenida do Uruguai, 13-A, em Lisboa.
Uma visita pode ser um mar de surpresas.

ERICEIRA (ao pôr-do-sol)


Da Ericeira partiu a família real portuguesa, em 1910, para o seu exílio inglês. Conta Raul Brandão nas suas Memórias que a rainha velha, D. Maria Pia, levava um pão debaixo do braço. A perdulária rainha era agora comezinhamente previdente.

AMIZADE

"J'ai suivi dans ma vie le conseil de Cicéron qui nous engage à placer l'amitié audessus de toutes les choses humaines. « En effet, rien n'est plus naturel et rien ne se concilie aussi bien avec le bonheur comme avec le malheur.»

Jelloun, Tahar Bem, Eloge de L'Amitié, ed. arléa

quinta-feira, junho 14, 2007

SESIMBRA (PRINCESA DO MAR)


CANTIGA DO COITADO

Em Vigo
perguntei às ondas:
- Sabeis Novas da minha amiga?
E as ondas me responderam:
- Um novo amigo tem!


Em Pontevedra
perguntei aos barcos:
- Sabeis novas da minha amiga?
E os barcos me responderam:
- Um novo amigo tem!


Em Santiago
a Santiago perguntei:
-Sabeis novas da minha amiga?
E Santiago me respondeu:
- Um novo amigo tem!

Ferido no coração,
a Lisboa voltei
mil vezes ouvindo:
- Um novo amigo tem!

- Um novo amigo tem!

segunda-feira, junho 11, 2007

AMIZADE

"L'amitié parfaite devrait être une sorte de solitude heureuse, expurgée de sentiments d'angoisse, de rejet et d'isolement".

Jelloun, Tahar Ben, Eloge de l'Amitié, ed. Arléa

VILA NOVA DE MILFONTES

Vila Nova de Milfontes – 26 de Setembro de 2002 - Tem crescido, mas não com o ritmo alucinante de outras regiões ribeirinhas do país. Não se vêem construções com as volumetrias doidas de Armação de Pêra e Portimão. As casas antigas estão bem conservadas e respeitam a tradição. O novo que se vai construindo não ofende ninguém.

O veraneante atento apercebe-se, também em Vila Nova de Milfontes, dos múltiplos rostos do Alentejo e da variedade das suas gentes. E particularmente dos seus traços comuns. O falar e o modo de estar são inconfundíveis. A calma é tanta, que, confesso, me custa a acreditar que é no concelho de Odemira que ocorrem mais suicídios em Portugal.

Haja bom senso e Vila Nova de Milfontes vai continuar a ser um dos locais mais aprazíveis de Portugal.

SESIMBRA (PRINCESA DO MAR)


LUZIA MARIA MARTINS (INVOCAÇÃO)

Mata, 15 de Setembro de 2000 - Luzia Maria Martins, mulher de muitos estudos e saberes, mas também de muito trabalho corporal, deixou-nos, definitivamente, esta semana. O “DN”, que muitos leitores apelidam de jornal de referência, dava a necrológica notícia no interior do jornal, em meia coluna e sem fotografia. Despachou a antiga directora do TEL, autora de textos, encenadora e também grande combatente da liberdade com a velocidade com que se despacham os mal-amados.

Luzia Maria Martins, é bom que se diga sem ambiguidades, foi uma das personalidades que de uma forma consequente e séria mais dignificou o teatro em Portugal: dando-lhe textos, divulgando autores nacionais e estrangeiros e entregando-lhe também o seu próprio corpo. No palco, que era o seu altar sagrado, esta mulher de rija têmpera tudo sacrificou. Poucos terão feito tanto, com tão poucos meios e tantas hostilidades.
Que este texto, se possível, ajude a fazer luz sobre Luzia.

domingo, junho 10, 2007

NO DIA DE PORTUGAL (INVOCAÇÃO)

Fuzeta, 3 de Agosto de 1999 - Alexandre Pinheiro Torres, um amarantino cosmopolita, faleceu, esta manhã, na Velha Albion. Há muitos anos longe do torrão natal, Pinheiro Torres sempre me pareceu alguém muito distante, muito distante e a rir de nós, os portugas do rectângulo, sempre muito obrigados e atenciosos.

Não estaremos em presença de um escritor fundamental. Mas estamos seguramente em presença de uma personalidade inquieta e ímpar, com uma visão muito peculiar de Portugal e dos portugueses.

A morte acaba de nos roubar um compatriota que soube viver e trabalhar de cerviz direita, dando muito e nunca pedinchando nada.

CAMPO MAIOR (TERRAS DE PORTUGAL)

Campo Maior, 4 de Setembro de 1998 - A velha Campo Maior é constituída por ruas estreitas e tortuosas, ainda que o relevo, ali, seja suavíssimo. As casas, na sua esmagadora maioria, têm dimensões reduzidas e são pouco permeáveis à luz. Havia que dar combate à violência dos impiedosos verões.

Ruas e casas exibem limpeza. De resto, a limpeza parece ser uma constante de todo o Alentejo. Pobrezinhos mas limpinhos, parece ser a divisa desta região de Portugal, onde há orgulho em mostrar os ventres das casas em dias festivos.


As chamadas Festas do Povo de Campo Maior são, indubitavelmente, um acontecimento único em Portugal. Em cada rua, em cada praça, em cada beco, os moradores organizam-se para, ao longo de muitos meses, prepararem montanhas de arranjos de papel, que hão-de ser, uma vez colocados na via pública, um motivo de satisfação para os locais e um motivo de peregrinação e espanto para os forasteiros. Acredito que se trata de uma realização ímpar. Tenho pena, todavia, que esta seja a pura arte do efémero. Só o Alentejo, pouco dado ao negócio, poderia construir uma festa assim, que, de certo modo, também constitui a afirmação de uma forma de viver em conformidade com a natureza.

sexta-feira, junho 08, 2007

MERGULHO HELENISTA

Sófocles escreveu: “grande maravilha é a Terra, mas maior maravilha é o Homem”. Se não for esta a frase pouco importa, porque importante, mil vezes mais importante que uma forma, neste caso particular, é o conteúdo da mensagem que se quer transmitir. Cito o autor de Antígona, porque é chegado o momento de mergulharmos de novo nas raízes da nossa decrépita e bem-amada Civilização Ocidental para, penso eu, renascermos imbuídos de um novo humanismo, que ponha um fim rápido a estas sociedades sem princípios, onde pontificam valores tão nobres como o lucro e o consumismo.

(Que me perdoe o grande trágico grego) E a filha da putice!

SESIMBRA (PRINCESA DO MAR)


quinta-feira, junho 07, 2007

DANIEL ABRUNHEIRO

Santa Iria de Azóia, 7 de Junho de 2007 – Daniel Abrunheiro, cuja produção poética tenho acompanhado, desde Março do ano transacto, é, indubitavelmente, um dos maiores poetas da sua geração. E quiçá, o mais profícuo e ousado, do actual panorama literário português, ainda que só exista para os seus leitores do ciberespaço. Quem me ler e duvidar, faça o favor de o procurar na NET e confirmar a justeza das minhas afirmações.

O mundo literato português, sempre muito redondinho e sonolento, quando o descobrir, há-de ser com muito espanto e estrondo. Na verdade, Daniel Abrunheiro é um poeta maior, cuja poesia está exigindo editor competente e empenhado. Ignorar este criador é, com toda a certeza, ignorar do melhor que se produz em Portugal.

“Sou mais um de nós num convosco de ninguéns”. Este é um dos últimos versos de Daniel Abrunheiro, um belo e complexo verso, que, só por si, daria para ilustrar o que venho dizendo. Porém, viajando por alguns dos seus últimos poemas, deparamos com uma imaginação verdadeiramente prodigiosa: cachorrar, liriar, lactear, se enqueijar, se melar, se avancar, valsear, alfazemar, conar, etc., são alguns dos verbos inventados pelo vate.

A vida, a morte – os seus mortos -, a música, a poesia, o amor, o fluir do tempo, são alguns dos seus temas mais recorrentes. E havemos de convir que não é pela temática que passa a modernidade e a inovação de Daniel. A inovação encontramo-la ao nível da forma, que é aí, sem margem para dúvida, que se situa a grande linha de separação.

quarta-feira, junho 06, 2007

O LEGADO DE KAROL WOJTYLA -3 (CONCLUSÃO)

Santa Iria de Azóia, 6 de Junho de 2007 – Karol Wojtyla, que foi papa durante mais de um quarto de século, deixou à Igreja uma herança pesada. E não é seguro que a Leste – onde a sua acção foi mais profícua, na alteração do statu quo -, a evangelização e a influência de Roma se tornem uma evidência. A Igreja Ortodoxa, nomeadamente na Rússia, saberá ocupar esse grande espaço espiritual.

João Paulo II deixou à Igreja uma herança pesada, repito. O papa Wojtyla foi excessivamente teimoso e ortodoxo e não percebeu as grandes mutações que se foram operando durante o seu pontificado. Inebriado pelas grandes multidões, terá concluído que os cinco continentes apoiavam a sua evangelização. Deixou por resolver questões tão importantes como a contracepção, a interrupção voluntária da gravidez, o celibato dos padres, etc. A sua não aceitação do uso do preservativo, a título de exemplo, poderá levar à morte muitos milhões de cristãos, em Africa e também na América. O papa Wojtyla, poderia ter iniciado um processo de abertura da Igreja, ainda que com pequenos passos, mas que a deixariam melhor apetrechada para os desafios do futuro.

O lugar da Igreja não é ao lado dos poderosos. A Igreja de Cristo deverá aproximar-se de novo dos humildes e dos explorados. Deverá saber encontrar a forma de condenar este mundo cada vez mais injusto, onde o dinheiro e a ostentação de poucos, ofende a dignidade de biliões de seres humanos. A Igreja tem de ser uma voz activa na condenação desta ordem mundial, que se ergue sobre a mais desapiedada exploração de quem produz a riqueza.

Num tempo em que já não se fala do Inferno, era salutar, era desejável, que a Terra não fosse aquele Inferno que povoou a mente dos crentes durante tantos séculos. Este é um dos grandes desafios que é colocado à Igreja católica, apostólica e romana.

terça-feira, junho 05, 2007

O LEGADO DE KAROL WOJTYLA - 2

Santa Iria de Azóia, 5 de Junho de 2007 – No tempo da Guerra-fria, apesar dos enormes sacrifícios impostos aos nossos irmãos do mundo dito socialista, o planeta Terra era menos perigoso e as relações entre os povos mais equitativas.

Com o mundo dividido em dois campos antagónicos, o chamado Mundo Livre acenava para o outro lado com a liberdade, com o bem-estar social, com a modernidade e também com a alegria de viver. Do outro lado chegavam-nos apenas as imagens editadas oficialmente, estatísticas e as grandes paradas militares. Aqueles que nunca tinham transposto o Muro de Berlim, ou acreditavam na propaganda do chamado Mundo Livre, ou nas publicações oficiais dos Partidos Comunistas das chamadas Repúblicas Populares. Do lado de lá, os cidadãos eram vigiados e algumas garantias sociais (pleno emprego, escolaridade, assistência médica e medicamentosa, habitação, etc.), apesar da gratuidade, não chegavam para compensar o cerceamento das liberdades. Notava-se muita melancolia, no semblante daqueles povos.

Os EUA eram um teatro distante destas duas realidades europeias, mas eram os principais mentores da propaganda ocidental. O seu sistema, que a Europa capitalista supostamente seguia, era apresentado como paradigma para o bem-estar universal. E na verdade, os EUA em pouco contribuíam para esta visão idílica do mundo. As despesas eram feitas pela Europa ocidental, que construiu e desenvolveu o modelo social europeu, que, o futuro há-de dizê-lo, foi, no séc. XX, o seu grande contributo civilizacional. E era esta Europa e a sua liberdade, que era mostrada aos povos do Mundo Socialista.

E depois veio João Paulo II, que sucedeu a João Paulo I, cujo reinado durou cerca de um mês. Karol Wojtyla, o novo papa, veio da mui católica e mui caridosa Polónia, onde começou o grande movimento que levaria ao derrube das democracias populares, que não deixaram boas recordações àqueles povos. A Igreja de Roma tinha as suas razões. Os regimes de Leste diziam-se ateus e vigiavam de perto ou proibiam mesmo o culto católico. Karol Wojtyla, hábil comunicador e também conhecedor da realidade do Leste, tornou-se a pedra de toque para a queda das democracias populares, prestando um serviço inestimável aos EUA, que se viram muito mais cedo do que seria previsível na situação de única super potência à escala universal. O bem prestado aos povos do Leste, se algum foi, terá a ver quase exclusivamente com as liberdades formais. E este balanço, que ainda não foi feito, poderá abrir uma nova era para a Igreja Católica.

ELOGIO DA AMIZADE

L'amitié est une religion sans Dieu ni jugement dernier. Sans diable non plus. Une religion qui n'est pas étrangère à l'amour. Mais un amour où la guerre et la haine sont proscrites, où le silence est possible. Ce pourrait être l'état idéal de l'existence.

Jelloun, Tahar Ben, Eloge de l' amitié, arléa, Mai/1996

O LEGADO DE KAROL WOJTYLA - 1

Santa Iria de Azóia, 6 de Abril de 2005 – Nos últimos tempos, isto é, desde que a morte do papa se tornou uma evidência, as televisões, quais sanguessugas, não largam o maná. Dir-se-ia que há qualquer coisa de abjecto neste frenesim comunicacional. E a culpa não é só das televisões e dos restantes meios de comunicação social. O Vaticano também tem a sua quota de responsabilidade.

Este papa foi um dos grandes fenómenos da comunicação dos últimos vinte e sete anos. Viveu da e para a comunicação. Percebeu rapidamente o poder dos chamados media e utilizou-o com grande mestria. E só a forma como usou os media pode explicar as profundas transformações ocorridas no mundo, sob a sua influência.

O papa falecido em dois de Abril, que certamente será santo, um dia, contribuiu para o advento de um mundo mais injusto e cínico. Cumpriu integralmente o seu programa, que consistia no derrube do comunismo; porém, nada de substantivo propôs em troca. Deixa-nos um mundo mais vil e domesticado do que aquele que encontrou. Os oprimidos do mundo inteiro ficaram à mercê desta gente sem escrúpulos que hoje governa o mundo.

Há aquelas almas repletas de candura – é o caso do meu amigo Pe Aguiar -, que acham que há duas fases distintas no reinado do papa há dias falecido: a do derrube do comunismo e a da restituição da voz àqueles que a não têm. Fácil foi, sem dúvida, vencer o comunismo, exibindo para o lado de lá bandeiras que, uma vez derrubado, foram enroladas e nunca mais voltaram a ser desfraldadas. A forma patética como se opôs à guerra do Iraque mostra cabalmente a sua completa insignificância. Depois, por vontade de Deus e acção dos anos começou a ficar sem pio. E de bons exemplos…

Marcou indelevelmente o seu tempo. Fez obra abundante e profunda, mas não nos lega um mundo melhor. Deixa-nos um mundo unipolar que, na ausência de um permanente debate dialéctico, se tornou nesta coisa sem princípios em que hoje vivemos. Ao contrário de João XXIII, o grande Papa João, Karol Wojtyla nada de verdadeiramente importante trouxe ao desenvolvimento da humanidade. A História acorrentá-lo-á à condenação do uso do preservativo, à manutenção do celibato dos padres, à condenação da interrupção da gravidez, mesmo quando existe má-formação dos fetos, etc. Este Papa, como escreveu Vasco Pulido Valente, foi verdadeiramente um tridentino.

segunda-feira, junho 04, 2007

TORGA

Pró Zé Ribeiro, meu amigo.
Santa Iria de Azóia, 3 de Maio de 1994 - Torga tornou-se uma referência obrigatória na nossa literatura contemporânea. Tem-se falado muito dele para prémio Nobel. Se tal vier a acontecer, saudá-lo-ei neste diário.

Não considero Torga um artista excepcional. Reconheço, contudo, que perseverou toda uma vida na defesa dos valores da terra portuguesa. A sua poesia e a sua prosa são feitas com palavras elementares, como elementares resultam as suas ideias. Mas possuem aquela verosimilhança, aquela autenticidade, que nos conquistam de imediato. Bom seria que outros criadores tivessem o dom de nos seduzir como o autor d ‘ Os Novos Contos da Montanha.

Homem de cerviz direita, é um daqueles portugueses que podemos indicar como exemplo aos nossos filhos, num tempo em que por cá pululam os mais submissos invertebrados; num tempo em que as mais impudicas canalhices caíram na banalidade; num tempo em que a lei é o safe-se quem puder.

CASTELO BRANCO



Com o programa "Polis", Castelo Branco ganhou um novo rosto. A antiga Devesa deu lugar a um enorme espaço liberto de automóveis e com estabelecimentos modernos. que integrou ainda, num conjunto harmonioso, o defunto Regimento de Cavalaria - 8, onde a RTP tem instalações regionais.

Dir-se-ia que o antigo centro reganhou de novo a centralidade.

domingo, junho 03, 2007

CASTELO BRANCO


Esta manhã, em Castelo Branco, foi realizada uma grande marcha "pelo coração". Pelo número de participantes, percebe-se a importância que os cidadãos vão dando à saúde e nomeadamente ao coração. Bonito!

sábado, junho 02, 2007

JUNHO

Plácido o tempo fluía,
as cigarras cantavam
e as cerejas amadureciam.


E dentro de nós,
ai amiga!,
o divino fogo ardia.


De mão na mão,
apressados,
descíamos até ao rio
e era à sombra dos freixos,
paulatinamente,
que tudo acontecia.

sexta-feira, junho 01, 2007

TRÍPTICO (A CRIANÇA SEM INFÂNCIA)

I

A criança sem infância
aconteceu
o braço cresceu tenso
e jamais vergou.


II

Cresceu de punho erguido
com uma rosa vermelha
entre os dedos.

A criança traída
por seu sorriso
sem segredos.


III


É em pequenino
que se aprende
a amar a sério,
porque o amor,
aprendido assim,
não tem mistério.