sexta-feira, agosto 31, 2007

LÍRICA ATREVIDA

Republicação
I

Se eu fosse como Camões,
Havia de te fazer,
Amor, versos geniais,
Muitas trovas de encantar!

Pintar-te-ia morena
E de outras cores sadias.
Blusa vermelha decerto
E calças de ganga azul.

Assim irias à fonte
- Discreta como se vê -,
Leda e bela ao meu encontro.

E haveria de deixar
Teu rosto ruborizado
Com mil beijos, mil ou mais.





II

Se eu fosse como Catulo,
Poeta de inspiração,
Em teu corpo, amor, havia
De gravar mil versos, mil!,
De grata recordação.

Com os dedos e os lábios,
lascivos e enlouquecidos,
havia de nele escrever
a verdadeira poesia.

quinta-feira, agosto 30, 2007

ANTÓNIO PUERTA

Vinte e dois anos
e a força dos potros bravios.

E um músculo escondido
que bater não queria.

Caiu e de novo se levantou.

António queria morrer de pé.

segunda-feira, agosto 27, 2007

AUTOBIOGRAFIA BREVE

Cheguei numa manhã de Junho, segunda-feira, e já o sol ia alto. Chovia. Esperavam-me, ansiosas, minha mãe e minha avó paterna.
Cheguei, pois, em dia de sapateiro, como se dizia na aldeia.
Cheguei gato-esfolado, contaram-me mais tarde; todavia, com muita vontade de me fazer à vida.

Ao contrário de Daniel Abrunheiro, que daqui quero saudar fraternalmente, eu não cheguei atrasado. Cheguei a tempo, muito a tempo, para da vida ir colhendo múltiplas alegrias e tristezas, que ela é temperada com umas e outras.

Cheguei a tempo de conhecer um país pequenino, que os próceres do regime, dirigido pelo beirão de Santa Comba, estendiam da parte mais ocidental da Europa até Timor. Era um Portugal miserável, triste e sem humor, do qual herdei esta perseverante e amarga ironia.

Cheguei a tempo de conhecer o exílio e de saber quão amargo é viver longe da pátria, mesmo quando o afastamento resulta de uma decisão livre ou ditado pelo amor à liberdade; ou ainda, quando pela pátria nos é imposto. Oh, como eu compreendo o imortal Ovídio!

Cheguei a tempo de ajudar à festa e da festa me embriagar e da ressaca, que ainda vai teimosamente perdurando, apesar do vinho bebido não ter sido muito e nem sempre ser da melhor qualidade. Se preciso fosse repetir tudo de novo, tudo de novo repetiria ( Por favor, não me macem com os pleonasmos)!

E por cá vou andando, com a pele às costas, nada reclamando do amor e dos amigos. Da pátria sim, reclamo, porque sempre a quis mais livre e mais fraterna!







sexta-feira, agosto 24, 2007

HOMENAGEM

( Para Carlos Paredes)

Tinha tanta fantasia
Sobre a guitarra curvado.
Às vezes até parecia
De seus dons maravilhado.


Tocava com energia
-oh, com tal talento e garra -,
que às vezes até parecia
fazer amor com a guitarra.


Em Sesimbra, junto ao mar,
Recordo com nostalgia
Aquele par de encantar,
Aqueles sons de magia.

quinta-feira, agosto 23, 2007

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 19 de Novembro de 2000 - Saramago foi, indiscutivelmente, o aniversariante da semana passada. Com a provecta idade de setenta e oito anos, o Nobel no papo, saúde e uma vasta audiência por esse país fora e também no estrangeiro, o autor de A Caverna dá-se ao luxo de ir dizendo aos seus contemporâneos o que pensa acerca das mais diversas matérias, nas rádios, nas televisões e nos jornais.

Li os primeiros capítulos de A Caverna , que comecei depois de não entres tão depressa nessa noite escura do seu arqui-rival Lobo Antunes e que já ganhou a primazia. Não apresenta quaisquer novidades formais. Dir-se-ia que todos os processos tecnico-narrativos são repetidos, nomeadamente aquele narrador intrometido, que o autor quer confundido consigo mesmo. As anacronias são mais do que muitas e constituem uma marca desse narrador omnisciente, que repete de quando em vez “como mais tarde se verá” e outras expressões equivalentes.

Não sei se Marta terá a força de Lídia e de outras personagens femininas saramaguianas. Estou na fase em que a jovem mulher aconselha o pai a reconverter a produção da olaria, problema de ontem, de hoje e de àmanhã, passando dos barros utilitários aos bonecos decorativos. Quanto ao cão Achado, bem achado acho o nome. Decidido que está na obra que um homem só se torna velho depois dos oitenta anos, direi para rematar que a prosa de José de Sousa, como gosta de lhe chamar o Fernando Grade, continua sã e escorreita.

POST SCRIPTUM I - Desde Outubro de 1998 que não escrevia uma linha sobre Saramago e a sua obra. E no entanto, qual guru, sempre acreditei e sustentei que o Nobel lhe seria atribuído.
Porém, não deixei de o ler e estudar com os meus alunos.

quarta-feira, agosto 22, 2007

POVO MÁRTIR

Na pátria de Juan Velasco Alvarado


Pobres peruanos!...
Bastante seria
a sua natural tristeza
para os fazer infelizes.
Porém, a mãe Natureza,
incerta e indomável,
só lhe inflige graves danos.

Pára mãe Natureza!,
com o teu treme-treme,
que este povo não merece
tanta devastação e morte!

segunda-feira, agosto 20, 2007

PERGUNTA

Como poderá a vida
correr-me de feição,
se cumpro,
rigorosamente,
o meu destino
de desafio
e transgressão?

sexta-feira, agosto 17, 2007

CONFISSÃO

Ensinei gramática
como manda a lei;
mas às vezes,
tinha vontade
de tudo subverter.

Era a força da criação,
irrefreável,
a tomar conta de mim.

E por vezes,
generosamente,
ensinei a transgredir.

quinta-feira, agosto 16, 2007

UM SÓ VERSO

Oh, gostaria tanto,
que um verso meu
gravado fosse
no bronze
ou no mármore
e perdurar
pudesse
pelos séculos fora,
às portas das cidades!

E o meu coração
conheceria
então
a vera alegria.

Um só verso
... me bastaria!

segunda-feira, agosto 13, 2007

GUALTER BASÍLIO

Gualter Basílio, que conheci nos idos de setenta do século passado, deixou-nos anteontem. Era membro do Partido Socialista, apesar de já pouco ter a ver, creio, com os actuais dirigentes. Pertencia a um escol de políticos e democratas que, pela sua coerência e coragem, vão rareando neste jardim à beira mar plantado.
Foi um grande democrata e um homem de grandes causas. O povo da Palestina acaba de perder um dos seus amigos incondicionais.
A sua memória vai perdurar no coração dos amantes da liberdade.

domingo, agosto 12, 2007

TORGA

COTOVIA, 12 de Agosto de 2007 - Comemora-se hoje o centenário do nascimento do escritor Miguel Torga, que foi três vezes candidato ao prémio Nobel da literatuta.
Há algum alarido à volta deste centenário, facto que contrasta com o carácter reservado do autor de Novos Contos da Montanha.De qualquer modo, e tendo em conta que se trata de um autor coetâneo da gente que tem ainda quase o monopólio da opinião em matéria literária, os eventos de hoje, os anteriores e os que se hão-de seguir este ano, situam-se dentro da mais estrita normalidade.
Devo confessar que continuo a ler Torga com muito interesse e proveito, nomeadamente o seu monumental Diário (16 volumes), onde o poeta de S. Martinho de Anta reflecte muito acerca de Portugal e dos portugueses.
Torga não é, seguramente, um excepcional artista da palavra. E desde já peço perdão pela heresia da afirmação. Porém, aquele seu jeito de ser portuguêse e a sua reflexão acerca do contributo luso para a civilização do vasto mundo, fazem dele um autor de leitura obrigatória, quando se quiser estudar com seriedade a História da Cultura Portuguesa.
A grande lição de Torga radica, fundamentalmente, na defesa intransigente de valores de perenidade assegurada, tais como os direitos humanos e a liberdade. E este não é, óbviamente, um legado menor.

quarta-feira, agosto 08, 2007

CASTELO BRANCO

Santa Iria de Azóia, 8 de Agossto de 2007 – Castelo Branco está uma cidade bonita. O programa “polis” deixou-a com o centro histórico rejuvenescido. Chamo centro histórico àquele enorme espaço que integra o antigo Regimento de Cavalaria 8, o pequeno mas bonito edifício da Caixa Geral de Depósitos, Paços do Concelho, Governo Civil, Palácio da Justiça, Casa Vilela e a correnteza de edifícios onde ainda funciona o Café Aviz e onde funcionou o aristocrático Arcádia.

É certo que nunca mais nos será restituído o quiosque do Vidal e a Alameda onde se passeava nas cálidas e plácidas noites de Verão; porém, há que reconhecer que a cidade ficou dotada de um espaço invejável para diversas modalidades de lazer e sem os constrangimentos do trânsito automóvel. E depois das obras, que duraram vários anos, os próprios hábitos mudaram e as transformações operadas criaram ou vão criar hábitos novos. É o mundo em permanente mudança.
Sempre estático, no seu posto, só mesmo o insigne "AMATO LUSITANO".

CASTELO BRANCO







segunda-feira, agosto 06, 2007

FREDERICO

No aniversário do crime


Frederico
queria
escrever
livremente
teatro
e poesia.

Ah, e ainda
amar a Espanha
e a Andaluzia!

Em plena
liberdade.

Tanto
e tão pouco
Fredrerico
queria!

quinta-feira, agosto 02, 2007

SESIMBRA

Para a ALex, com amizade.
A forma como Sesimbra se senta à volta daquela enorme laje azulada que é o mar, confere-lhe um carácter único. Esta imagem não é original. Pertence a Miguel Torga que escreveu: "Sesimbra,16 de Março de 1988: O Mar. Uma lareira com outras labaredas e o mesmo fascínio"(Diário, volume XV, 1ª ed., pág.96, Coimbra, 1990).
Lareira, no entanto, terá de ser entendida como o lugar onde se senta toda a família, procurando aconchego, o caldo quente e uma aprazível cavaqueira.
O mundo muda e Torga, no seu proverbial pessimismo, acharia que Sesimbra, por força do cimento e do tijolo se descaracterizou. É verdade que se construíu demasiado e que ganhou novos habitantes, vindos sabe-se lá donde, mas o que é facto incontroverso é que Sesimbra continua a preservar muitos dos seus traços distintivos: os odores, o falar, a culinária, e, sobretudo, os homens do mar, quais Penélope, permanentemente de volta das suas redes e dos seus utensílios da faina. É por estar ali sentada à volta da lareira e por preservar as suas melhores tradições, que Sesimbra exerce sobre o visitante um enorme e indizível fascínio.