domingo, julho 29, 2012


INDIFERENTES AO MEU CANSAÇO

Agora, indiferentes ao meu cansaço, vêm filhos de mães de moral imaculada, cujos avós e quiçá os pais abancaram à manjedoura do orçamento, donde provavelmente roubaram para dar às filhas e a esses netos, dizer-me que estou a mais; que sou um inqualificável parasita; que não mereço o pão que como.

A esses bondosos cidadãos, que vão enriquecendo sabe-se lá como e encaixam as crias nos melhores empregos, usando os apelidos dos seus compridos nomes; a esses bondosos cidadãos, que vão fintando as leis para que haja pão e leite e carne e peixe, com abundância, nas suas avantajadas mesas; a esses bondosos cidadãos, que tudo esmifram para aconchegarem mais ainda as suas já farfalhudas contas bancárias; respondo com a veemência do costume: a puta que os pariu!





quinta-feira, julho 26, 2012

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 26 de Julho de 2012 – A vida, canta Sérgio Godinho, é feita de pequenos nadas. Falo das vidas comuns como a minha e a da esmagadora maioria dos portugueses. E quem diz de pequenos nadas, também poderia dizer de pequenos gestos. Eu creio que é nos pequenos gestos que os homens se vão distinguindo uns dos outros.

Há dias, na FNAC do Vasco da Gama, uma funcionária atendeu o meu filho, sem um sorriso, ainda que com eficácia e correcção. Paga a conta, o João sorriu-lhe, deu-lhe de novo os bons dias e desejou-lhe a continuação de um bom dia de trabalho. Comentou uns metros mais à frente, que, talvez assim, ela pudesse sorrir a outras pessoas e não ser apenas uma vendedora eficaz e correcta.

Há dias, um amigo meu agradeceu-me um gesto banal, um gesto que pratico desde sempre e com muito prazer. E em bom rigor, o gesto nem lhe era directamente dirigido. Disse ao meu amigo que a generosidade, por enquanto, ainda é gratuita. No fundo, ser capaz de dar espaço e visibilidade aos outros, nomeadamente àqueles de quem gostamos, não custa dinheiro e pode emprestar aos dias e às vidas cores mais sadias.

Não sei se consegui o objectivo a que propus quando comecei a teclar este texto. Se consegui falar claro de pequenos nadas, nomeadamente, de generosidade, falei do maior défice da sociedade portuguesa. Algo que, infelizmente, não se compra ou vende no supermercado.

terça-feira, julho 24, 2012

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 23 de Julho de 2012 – Há um sentimento que me é muito caro: a gratidão. Por isso mesmo, não poderia deixar de escrever meia dúzia de linhas, relativamente à sessão de lançamento de QUADRAS POPULARES – UMAS SIM, OUTRAS QUASE, no Cine –Teatro Avenida, na cidade de Castelo Branco, que ocorreu no passado dia 21 do corrente mês de Julho, pelas 18H00.

E essas linhas, que quero de agradecimento, vão para o Prof. Carlos Semedo, que dá alma ao espaço de CULTURA-VIBRA, no Cine-Teatro Avenida, com empenho, saber e simpatia; e vão, também, para a Dr.ª Cristina Granada, que, na sua qualidade de Vereadora da Cultura, me dirigiu palavras de muita simpatia e manifestou interesse pelo “modus faciendi” da quadra popular.

E por fim, agradeço à Patrícia a amizade, a simpatia e a ajuda que nos deu no decurso deste evento simples, que também foi realizado com o seu empenho, que já durava há meses.

Fica a promessa de que havemos de voltar com outro trabalho, mas com uma escolha mais criteriosa do dia da semana, da hora e da época do ano, para que possamos ter uma sessão mais participada. Com Castelo Branco no coração, até sempre!



sexta-feira, julho 20, 2012

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria - Foi outrora uma vila industrial
Santa Iria de Azóia, 20 de Julho de 2012 – Arménio Carlos diz que o verão vai ser quente e eu acredito que sim, porque acredito em Arménio Carlos. E mais ainda na necessidade urgente de dar um combate eficaz a esta gente que nos desgoverna.

O desemprego é, indiscutivelmente, a maior praga que atingiu a sociedade portuguesa. É assim como uma espécie de pandemia e sem remédio à vista. Fazer crescer a economia e criar empregos é o grande desígnio nacional para os próximos anos, mas não é com esta gente que o barco encontrará um porto seguro.

Esta gente que nos desgoverna em nome do capital financeiro e dos grandes empresários - e também dos inabilitados pequenos e médios empresários -, tem todo o interesse em ter legiões de desempregados, a fim de poder ter trabalhadores sem direitos e com salários de miséria. É dos livros. Karl Marx (ou teremos que voltar a escrever Carlos Marques?) continua actual.

Temos que honrar a memória de Ary
O verão vai ser quente. Este verão tem que ser quente. Para defender o que resta depois do “tsunami” que arrasou Portugal nos últimos anos. Para defender um Portugal de e para os portugueses e não um Portugal de banqueiros, comerciantes e industriais “beduínos” que tudo nos querem tirar. E para correr com os mandantes, que apontam aos nossos filhos, despudoradamente, a porta de saída.



terça-feira, julho 17, 2012

DO MEU DIÁRIO

Portugal, um país crepuscular

Santa Iria de Azóia, 17 de Julho de 2012 – Segundo o que ouvi na Antena 1 da RDP, apenas 29% das empresas pagaram impostos sobre lucros (IRC), relativamente ao exercício de 2011. Que terá sido o pior ano, disse o comentador para assuntos económicos, para quem a crise não explica tudo.

Na verdade, o referido comentador disse que a relação nunca foi muito diferente, ou seja, só uma em cada três empresas é que paga imposto sobre lucros, ou seja, o chamado IRC. È assim, efectivamente, há muitos muitos anos e nem o celebérrimo gestor Paulo de Macedo pôs cobro a tal situação.

Dizia o comentador que algo não está bem, porque não sabe como poderiam os sócios e os administradores das empresas suportar prejuízos permanentes. Eu também não. Sei e não é preciso ir a Delfos perguntar as razões pelas quais há tantas empresas em Portugal a dar prejuízo. Dão prejuízos porque a fraude e a evasão fiscais são muito grandes. Sabe-se que a economia informal vale hoje mais de 25% do PIB.

E a tendência é para a fraude e a evasão serem ainda maiores, tendo em conta as altas taxas do IVA. Se se pensar que uma conta de 500 euros de uma prestação de serviços será acrescida de 115 euros de imposto, perceber-se-á de imediato que quem desembolsa prefere pagar 500 e não 615 euros.

O fenómeno é transversal a toda a sociedade. E venha de lá o mais pintado dizer que nunca deixou de pagar tudo o que deveria. Houvesse vontade política de combater a fraude e através da carga fiscal proceder a uma redistribuição equitativa da riqueza nacional e outro galo cantaria.

terça-feira, julho 10, 2012

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 10 de Julho de 2012 – Não sei até onde recua a minha memória, mas creio recordar-me de factos de quando tinha três ou quatro anos de idade. Lembro-me, por exemplo, de estar todo o dia sentado junto de uma fogueira, enrolado num xaile de minha mãe, nos campos da Mata, enquanto os meus pais colhiam azeitona por conta de outrem.

Recordo-me de um certo dia, quando a minha mãe e outras mulheres “enfatulhavam” estacas – enfatulhar estacas consistia em enrolar palha molhada à volta de uma estaca que, se um dia viesse a singrar, seria uma estacazinha e posteriormente uma oliveira -, a tia Antónia Pereira me ter pedido um bocadinho de palha. Fui buscar palha à poça onde estava mergulhada em água, caí dentro da poça e só não morri afogado, porque a minha mãe estava sempre atenta. Passei essa manhã de primavera enrolado num avental de minha mãe à espera que a minha roupa enxugasse.

Durante o período da apanha da azeitona, acompanhava o meu pai e a minha mãe, a pé ou às cavalitas de meu pai, à chuva e ao vento, comendo pão com um bocadinho de conduto, que podia ser toucinho ou morcela, ovos fritos ou farinheira, uma talhada de queijo ou outra coisa qualquer, tudo com parcimónia, ainda que o pão, amassado e tendido por minha mãe, fosse sempre abundante. Lembro-me de uma vez, no couto do Firmino, mais concretamente na chamada Volta, ter caído a cesta de vime da nossa merenda e de eu ter gritado: “ai o nosso vinho!”. Durante muitos anos, os homens e as mulheres que assistiram à queda da cesta, lembraram-se com saudável gozo do grito “ai o nosso vinho!”.

Eu nem sei ao certo porque estou a escrever tudo isto, ainda que a vontade primeira fosse a de perguntar numa universidade qualquer, a quantas cadeiras teria direito, bolonhesas ou não bolonhesas, num curso de silvicultura ou de coisa parecida, se quisesse obter o referido grau académico. Mas há uma pergunta óbvia: “ para quê toda esta conversa da treta?”.

E por que carga de água se “enfatulhavam” as estacas? E concretamente o que eram as tais estacas?

sábado, julho 07, 2012

DO MEU DIÁRIO

Paços do Concelho
Santa Iria de Azóia, 7 de Julho de 2012 – As aulas do ciclo e do secundário começavam sempre no primeiro dia do mês de Outubro. E foi precisamente no dia um de Outubro de mil novecentos e sessenta e quatro que fui viver em Castelo Branco. Na acanhada Rua de Santa Maria, a pouco mais de cinquenta metros do antigo Albergue Municipal, onde era popular um homem com problemas mentais, de nome Raul, que cravava cigarros a toda a gente.

Eu não tenho a certeza se nesse ano desfilei no 1º de Dezembro, com a farda da Mocidade Portuguesa, da Praça Rainha D. Leonor até à Sé, onde era celebrada missa e abençoada esta criação do fascismo português. Eu gostava de ir e de assistir à missa, onde a páginas tantas, se ouviam poderosos clarins, que emprestavam um tom guerreiro à festa da Restauração. Ou pelo menos era assim que eu sentia as coisas.

Eu vinha da aldeia, a Mata, onde fui aluno de um professor que obrigava diariamente a pequenada a formar e a marchar e a cantar o “somos pequenos lusíadas”. Dizia-se que era informador da ex-PIDE, facto que nunca tive curiosidade em confirmar, apesar de com ele me ter incompatibilizado naquele ano decisivo de mil novecentos e sessenta e nove. Encontrou-me no armazém do Carlos Vale, na J. A. Morão, onde eu executava uma tarefa eleitoral, ajudando a CDE. O dito professor ia à procura do Cartório Notarial e depara-se com um ex-aluno a ajudar nas actividades da oposição democrática. Por puro voluntarismo, que as convicções mais profundas só vieram a seguir.

Não estranhei muito, portanto, aquele ambiente de 1º de Dezembro, agora com camisa verde, cinto com S, calções e bivaque castanhos. Não me recordo se os sapatos também faziam parte do fardamento. Eu respirava patriotismo e catolicismo por todos os poros. E admirava sinceramente aqueles comandantes de castelo e de bandeira, que, no meu entendimento de doze anos, eram verdadeiros generais. O Rosado e o Mário eram na EICCB, actual escola Amato Lusitano, dois grandes chefes.

sexta-feira, julho 06, 2012

DO MEU DIÁRIO

Praça Camões- Praça Velha 

Santa Iria de Azóia, 4 de Julho de 2012 – Castelo Branco, nos meus tempos de menino e moço (deixem lá passar o cliché), tinha quatro feiras anuais. Em Agosto (30), a chamada Feira Franca, que era, de longe, a mais importante de todas, trazia à cidade muitas centenas de pessoas, vindas de todo o concelho e até do distrito, incluindo muitos carteiristas. Em Outubro (4), Dezembro (18) e Janeiro (6), realizavam-se as restantes, que estavam longe de ter a participação popular e a importância da feira de Verão.

A parte mais visível das feiras era a das tendas na Devesa, onde se vendia de tudo um pouco, desde os trapinhos ao ouro, que as feiras de Castelo Branco tinham sempre muitos ourives a vender relógios e artefactos em ouro e prata. E como era feira franca, havia também a franqueza de regatear o preço de todos os produtos. Creio que este velho hábito de regatear ainda não desapareceu completamente, apesar das transformações que Portugal e a região de Castelo Branco sofreram nos últimos cinquenta anos.

Castelo Branco teve e continua a ter um mercado semanal – uma verdadeira feira -, onde as populações compram uma infinidade de utilidades. Na minha infância e adolescência, era no Largo da Devesa, depois passou para o Cansado e na actualidade é no Ribeiro de Perdizes. O terrado foi preparado para o efeito; tendo, por conseguinte, melhores condições. É sobretudo o espaço comercial dos populares e das gentes das aldeias, que encontram ali os produtos de que mais necessitam e aos melhores preços. Ou talvez não.

Eu teria quatro ou cinco anos, quando desapareceu a antiga Praça, que era no local onde na década de sessenta foi construído o Palácio de Justiça. Era uma construção em ferro, onde a minha mãe comprava bananas pequeninas e muito maduras mas doces como mel. Depois foi o tornado de cinquenta e quatro, ou coisa parecida, que levou a cobertura para as bandas do Monte de S. Luís, nos Escalos de Baixo (vox populi dixit), facto que terá apressado a construção da Praça da 28 de Maio, actual 1º de Maio, que foi durante muito tempo um ex-libris da cidade.

Como facilmente se depreende deste texto, Castelo Branco deu sempre muita importância às feiras e ao mercado. E a sua Praça, que sofreu obras há poucos anos, merece uma visita.