quarta-feira, julho 27, 2011

DO MEU DIÁRIO

Castelo Branco - entrada norte

Santa Iria de Azóia, 27 de Julho de 2011 – Hoje, é o dia do aniversário do Albano Matos, que, de quando em vez, dá à costa neste blogue, onde deixa um comentário. Conheci-o no Outono de 1971. Éramos um grupo mais ou menos alargado, que se juntava no velho café Arcádia, e do qual faziam parte António Apolinário, Manuel Ciborro, Luciano de Almeida e o Zé dos Bonecos. Zé dos Bonecos, porque me esqueci do nome.


Eu e o Albano, viemos para Lisboa no Outono de 1972. E fomo-nos encontrando até 1976, com muita regularidade. Na Nova Iorque e na Grã-Fina e também numa cervejaria do Campo Pequeno. O Albano recitava bem poesia e a malta divertia-se. Depois deixámos de nos ver com aquela regularidade; porém, fui lendo a sua prosa nos jornais por onde passou até ao “DN”. Temo-nos prometido jantar, mas está quieto. As nossas importantes vidas e os nossos inadiáveis afazeres não nos deixam tempo. É a vida como diria o senhor engenheiro lisboeta do Fundão.


António Apolinário é Professor em Coimbra, na Faculdade de História, e é especialista em literatura espanhola. Sei dele pelos livros e pelos blogues. Veio aqui interpelar-me uma vez – e fez ele muito bem! -, portanto, sei que também passa por aqui. Com ele tive um projecto para traduzir e elaborar uma antologia de Jacques Prévert, mas ficou tudo muito “vert” e nunca fizemos nada em conjunto de muito importante.


Luciano de Almeida, que dirigiu o Politécnico de Leiria, encontrei-o há anos na Duque de Ávila, ainda eu leccionava no Externato Ergon. Bebemos um café e deu-me um cartão que arrumei, porque, afinal de contas, tantos anos depois, só mesmo Fermina Daza e Florrentino Arriza e estes porque viveram sempre na mesma cidade. Do Manuel Ciborro, que António Apolinário acusava, com graça, de só ler as capas dos livros, nunca mais tive notícias. E o mesmo aconteceu com o Zé dos Bonecos.


Eu não chego a sentir nostalgia, mas aqueles tempos foram importantes, e porque o foram, não caíram no olvido. E aqui os rememoro na vã esperança de que algum deles por aqui passe nos próximos dias.

DO MEU DIÁRIO

Mata - Rua do Arrabalde

Santa Iria de Azóia, 26 de Julho de 2011 – Hoje publiquei uma fotografia da minha terra natal no “facebook” e na troca de comentários com uma excelente poeta portuguesa, lembrei-me de que naquela rua, a rua da fotografia, tinham vivido muitos dos meus familiares já desaparecidos. Nomeadamente, o meu bisavô Francisco Lucas, pai de minha avó Maria, que também teve taberna na rua do Arrabalde, numa casa de altos e baixos.


Entre filhos e enteados, o meu bisavô terá criado e ajudado a criar catorze ou quinze pessoas, que, por sua vez também tiveram as suas proles, embora sem a abundância do progenitor. De qualquer modo, Francisco Lucas foi avô e bisavô de pessoas que se interessaram por quase todos os ramos do saber: advocacia, gestão, medicina, engenharia, música, pintura e outras artes do “trivium” e do “quadrivium” que agora não me ocorrem. António Vicente, que é conhecido pelo “Ptchirra” – na Mata ainda não foram completamente abolidas as africadas -, quando se entorna e me encontra, lá me vai dizendo que não há família na Mata como a do velho Canuna.


Recordo-me perfeitamente do meu bisavô falecer e também dos tempos em que apascentava as suas cabras, já depois dos oitenta, encostado ao cajado e à parede norte da tapada da Bemposta, onde passei muitos dias da minha infância. Era um homem alto e magro. Vestia sempre um fato castanho, de verão e de inverno. Diziam os antigos que o que tapava o frio também tapava o calor. E se calhar tapava.

Os anos correm, vertiginosamente, mas parece-me que ainda hoje reconheceria o timbre da voz do meu bisavô Francisco Lucas.

sábado, julho 23, 2011



INSTANTES


Quando o sol –
O grande colorista de Cesário –
Inunda o dia
E os passarinhos
Dão concerto de piano
Nas roseiras
E nos arbustos
Do meu jardim,
Saboreio
Por vezes
A alegria.

É então
-Gozando as delícias da preguiça -
Que mais concordo com Adília.

O resto,
Obviamente,
É conversa.

in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009

terça-feira, julho 19, 2011

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 19 de Julho de 2011 – Reencontro com Vergílio Ferreira através de conta-corrente. Eu não sei bem porquê, mas de quando em vez agarro-me a este autor que escreveu alguns romances notáveis tais com APARIÇÂO, PARA SEMPRE ATÉ AO FIM. Gosto tanto da escrita deste autor, como o detesto enquanto indivíduo.


Se Ferreira não tivesse escrito conta-corrente – cinco volumes- e se se tivesse quedado pela escrita ficcional, provavelmente este texto seria um simples exercício laudatório e estar-me-ia nas tintas para o indivíduo empírico que foi meu contemporâneo. Porém, Ferreira quis-nos deixar estes volumes de prosa intimista, onde se revela um ser humano desinteressante, sempre de mal com quase tudo e todos.


Óscar Lopes, provavelmente um dos mais prodigiosos trabalhadores das letras portuguesas é depreciado e a sua crítica denominada “oscarina”; Mário Dionísio, que também foi um excelente contista e também poeta e também crítico literário e também grande crítico de arte, nunca passou de um controleiro comunista, no liceu Camões; Torga poderia receber o Nobel, não que o merecesse, mas pela comezinha razão de constituir uma possibilidade de entrada de divisas em Portugal; Eugénio de Andrade é mal tratado, quando o acusa de ter introduzido o “falo” na poesia portuguesa ou coisa parecida. Naquela fúria de homem de maus fígados, salvam-se Eduardo Lourenço e Fernando Namora.


Encontrei uma vez Ferreira na livraria Barata, com aquele seu ar de fauno antigo, tristonho e só, folheando um livro, com cara de poucos amigos. E curiosamente é esse indivíduo que encontro nos volumes de conta-corrente, que, creio, Baptista-Bastos já considerou – e eu estou de acordo - um tratado do ódio.


A escrita intimista tem muitos inconvenientes.

domingo, julho 17, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 17 de Julho de 2011 – Ainda que todos os dias escreva, e escreva muito, desleixo-me com este Diário, que, qualquer dia, para manter o rigor da denominação, deverá chamar-se mensário. Não é que não haja coisas importantes no meu dia-a-dia que mereçam ser relatadas; não, acontece simplesmente que vou dando prioridade a outras coisas.


Na verdade, tenho andado entretido com a ultimação de um livrito de quadras, só de quadras, que terá o originalíssimo título de novas quadras quase populares. Ainda que não possa ser bom juiz em causa própria, creio que será muito mais interessante que o meu livro inaugural, onde me permiti uma série de concessões desnecessárias.


A quadra é um pouco como a fotografia. Capta o instante e/ou o quotidiano, numa estreita relação com a vida. E pelas minhas quadras, que não são populares “stricto sensu”, lá serão encontrados os grandes temas da poesia, tais como a vida e a morte, o amor, a tristeza, a alegria, a passagem do tempo, etc. E por vezes até aspectos burlescos e picarescos que vão colorindo e apimentando a própria vida.

sábado, julho 16, 2011

NOTRE DAME

Às vezes, quando alguma resistência sinto em entrar dentro de mim, mormente nos momentos de grande inquietação, procuro a quietude e a paz das igrejas. É então que este minúsculo território de orografia complicada, onde inúmeras guerras civis têm sido travadas, permite a celebração de todos os armistícios e festeja a doçura da reconciliação.


As catedrais góticas prefiro aos templos de outras épocas. Nelas, tudo é fruto de subida meditação e de um superior exercício da ordem. Dez minutos, meia, uma hora, às vezes, é o tempo necessário para, pegando numa ponta, enrolar o precioso fio de Ariadne e reencontrar-me com a luz.


Creio firmemente que as igrejas – e mormente as catedrais –, foram sempre pensadas para propiciar reencontros com a luz.


in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005

quarta-feira, julho 13, 2011


um quadro de Ribeiro Farinha

PROMETEU

I

Onde estão os meus corcéis?
Tragam-me os meus corcéis,
Que quero rápido cruzar os céus
À procura de um novo sol.


II

Vinde cá,
Meus cavalinhos de oiro,
Vinde cá!
E levai-me a todas as galáxias,
Que quero encontrar
Uma nova luz.


III

Meus cavalinhos de oiro,
Meus fogosos corcéis!
Levai-me,
Levai-me a todos os pontos do universo,
Que quero encontrar
Uma nova fonte de fogo.

In FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lisboa, 2005

SANTA IRIA DE AZÓIA



QUADRAS PARA UMA OLIVEIRA



da vila de Santa Iria



A oliveira milenar,
Que vive em Santa Iria,
Se nos pudesse falar,
Que histórias contaria?

Esta robusta oliveira,
Plantada ou aqui nascida,
É testemunha primeira
De três mil anos de vida.

De Homero contemporânea
Merece ser bem tratada.
Que viva, pois, espontânea,
E não lhe façam mais nada.

Procedam só à limpeza
E não lhe provoquem danos.
É força da Natureza
P’ra resistir muitos (mais mil) anos.


(inéditas)

domingo, julho 10, 2011

ERICEIRA, A GRANDE SEDUTORA

Ericeira, um amor à primeira
A vila da Ericeira
É um festival de azul.
Linda terra marinheira,
Única de norte a sul.

Seja Inverno seja V’rão,
O que eu gosto da Ericeira!
Ali o mar tem o condão
De ser visto sem canseira.

E depois há os petiscos,
Uns copinhos de cerveja
E os saborosos mariscos.
Venha daí, prove e veja,

Das muitas ondas a alvura,
Dos petiscos o sabor.
Do mar vem música pura,
Que acompanha com primor.

Caldeirada é “Mar d’ Areia”
A Egídio encomendada.
Quem almoça já não ceia,
Que ali não se estraga nada.

Quem visita a Ericeira
Ali volta, de certeza;
É-se encantado à primeira
Com tanta, tanta beleza.

(inéditas)

domingo, julho 03, 2011

ESTADO DE ALMA

Esta tristeza é só minha,
Não a quero partilhar.
Do vinho da minha vinha
Bebamos até cantar.

Quero saber onde mora
Aquela doce alegria,
Tão garrida e tão sonora,
Tão tepleta de magia.

Às vezes, vejo no João
O rapazinho que eu era.
Ó calma de fim de V'rão,
Devolve-me a Primavera!

Deixa-me alegre brincar
À palmada e ao pião;
Ou só à bola jogar,
na rua, com o João.

in FRAGMENTOS COM POESIA, ULMEIRO, Lisboa, 2005.

sábado, julho 02, 2011

na coluna granítica esteve instalada a picota

AUTOBIOGRAFIA BREVE

Cheguei numa manhã de Junho, segunda-feira, e já o sol ia alto. Chovia. Esperavam-me, ansiosas, minha mãe e minha avó paterna.
Cheguei, pois, em dia de sapateiro, como se dizia na minha aldeia.
Cheguei gato-esfolado, contaram-me mais tarde; todavia, com muita vontade de me fazer à vida.

Ao contrário de Daniel Abrunheiro, que daqui quero saudar fraternalmente, eu não cheguei atrasado. Cheguei a tempo, muito a tempo, para da vida ir colhendo múltiplas alegrias e tristezas, que ela é temperada com umas e outras.

Cheguei a tempo de conhecer um país pequenino, que os próceres do regime, dirigido pelo beirão de Santa Comba, estendiam da parte mais ocidental da Europa até Timor. Era um Portugal miserável, triste e sem humor, do qual herdei esta perseverante e amarga ironia.

Cheguei a tempo de conhecer o exílio e de saber quão amargo é viver longe da pátria, mesmo quando o afastamento resulta de uma decisão livre ou ditado pelo amor à liberdade; ou ainda, quando pela pátria nos é imposto. Oh, como eu compreende o imortal Ovídio!

Cheguei a tempo de ajudar à festa e da festa me embriagar e da ressaca, que ainda vai teimosamente perdurando, apesar do vinho bebido não ter sido muito e nem sempre ser da melhor qualidade. Se preciso fosse repetir tudo de novo, tudo de novo repetiria (Por favor, não me macem com os pleonasmos)!

E por cá vou andando, com a pele às costas, nada reclamando do amor e dos amigos. Da pátria sim, reclamo, porque sempre a quis mais livre e mais fraterna!

sexta-feira, julho 01, 2011

O TEMPO

FIM DE TARDE

O tempo – essa coisa misteriosa que se conta em milénios, séculos, anos, meses, dias, horas e segundos – alguém saberá ao certo o que é? E no entanto, nada escraviza mais o Homem do que o tempo, que as gramáticas organizam em passado, presente e futuro, mas que, no fundo, é apenas passado e futuro.


O tempo – essa coisa estranha que dá alento aos tiranos e torna precárias as acções dos heróis, que destrói as verdades eternas dos teólogos e os sistemas infalíveis dos filósofos, que tudo e todos condena ao esquecimento – alguém saberá ao certo o que é?


No seu perpétuo fluir, o tempo é o tempo, como diria o delicioso Caeiro.


Para mim, que não sou poeta nem literato, mas simplesmente um amigo de poetas e literatos, o tempo é o sol a levantar-se preguiçosamente do Tejo - é assim que eu o vejo das janelas da casa onde habito- que depois sobe e roda e desce, devagarinho, para desaparecer por detrás das casas, para de novo se levantar das mansas águas do Tejo e subir e rodar e descer e desaparecer e de novo se levantar das mansas águas do Tejo.