sábado, outubro 30, 2010

DO MEU DIÁRIO


MARADONA

Santa Iria de Azóia, 30 de Outubro de 2010 – Diego Armando Maradona – el Pibe – festeja hoje os seus cinquenta anos. O nem sempre transparente mundo do futebol festeja hoje o aniversário de um dos seus grandes ídolos.

Na sequência da expulsão de Maradona do mundial dos EUA, escrevi um texto em que falava de futebol e poesia. E creio bem que os poetas não me levarão a mal se disser que Diego Armando foi um grande poeta do futebol. O modo como tratava a bola, o modo como se entregava ao jogo, o engenho que ponha em tudo quanto fazia, tornaram-no um verdadeiro mito. Maradona estabeleceu a fronteira entre a prosa e a poesia, metaforicamente falando, obviamente.

Sempre polémico, mas sempre diferente, el Pibe é um ídolo à escala planetária, ao qual ninguém consegue ficar indiferente. Aimar no Benfica, ontem, e, Dí Maria, há momentos, no Real Madrid, marcaram golos que, certamente, não deixarão de ter Maradona no pensamento.

sexta-feira, outubro 29, 2010

MEMÓRIA – 1

(Em memória de minha avó paterna)


Muito erecta em seu balcão,
De cores tristes vestida,
Cantava toda a manhã.

Os cabelos penteava
E rimas lançava ao vento
Pr’ afastar a solidão.

Sua voz tinha magia,
Tristeza muita e profunda,
E cantava todo o dia…

Ó querida velha tonta!,
-Minha esmeralda perdida,
Onde cantarás agora?


Barata, Manuel, FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009

DO MEU DIÁRIO

Foto da autoria do grande fotógrafo José Pedro Barata
Santa Iria de Azóia, 25 de Outubro de 2010 – Num texto publicado numa edição do albicastrense RECONQUISTA, jornal semanário de grande divulgação regional, o autor trouxe-me à memória uma figura castiça da cidade, que vendia jornais, trajava fatos e gravata pretos e camisa branca, que, provavelmente, tinham sido de pessoas com maiores estaturas.

Falo de Zé Gavetas, empregado da Casa Vidal Sestay, que era, indubitavelmente, uma figura do “folk” albicastrense. Zé Gavetas, que vendia o Diário de Notícias e os desaparecidos Mundo Desportivo e Diário Popular, não primava propriamente pela limpeza, tal como o resto do país, em cujas tascas se espalhava serradura no chão e havia pratos com um líquido avermelhado para apanhar moscas.

Lembro-me de Zé Gavetas, um indivíduo patusco e mais ou menos subserviente, a quem a burguesia local achava piada, sobretudo pela extravagância das roupas e do vasto e farfalhudo bigode. Desconhecia-lhe, todavia, o humor e a bondade que o referido texto referia e com exemplos ilustrava.

O João Teixeira, que conheceu Zé Gavetas melhor do que eu, lembrou-me a bonomia do grande apregoador do PIF-PAF e do eterno enamorado, sempre quase quase a casar, segundo ele mesmo, mas que haveria de morrer solteiro.

E tudo isto para dizer que há sempre um tempo para corrigir opiniões. Ainda que só postumamente. O que no caso vertente nem terá grande importância. Zé Gavetas, que teria Meireles no nome, creio que nem primos tinha.

sábado, outubro 23, 2010

JACQUES PRÉVERT
BARBARA

Rappelle-toi Barbara
Il pleuvait sans cesse sur Brest ce jour-là
Et tu marchais souriante
Épanouie ravie ruisselante
Sous la pluie
Rappelle-toi Barbara
Il pleuvait sans cesse sur Brest
Et je t’ai croisée rue de Siam
Tu souriais
Et moi je souriais de même
Rappelle-toi Barbara
Toi que je ne connaissais pas
Toi qui ne me connaissais pas
Rappelle-toi
Rappelle-toi quand même c jour-là
N’oublie pas
Un nome sous un porche s’abritait
Et il a crié ton nom
Barbara
Et tu as couru vers lui sous la pluie
Ruisselante ravie épanouie
Et tu t’es jetée dans ses bras
Rappelle-toi cela Barbara
Et ne m’en veux pas si je te tutoie
Je dis tu à tous ceux que j’aime
Même si je ne les ai vus qu’une seule fois
Je dis tu à tous ceux qui s’aime
Même si je ne les connais pas
Rappelle-toi Barbara
N’oublie pas
Cette pluie sage et heureuse
Sur ton visage heureux
Sur cette ville heureuse
Cette pluie sur la mer
Sur l’arsenal
Sur le bateau d’Ouessant
Oh Barbara
Quelle connerie la guerre
Qu’es-ce-tu devenue maintenant
Sous cette pluie de fer
De feu d’acier de sang
Et celui qui te serrait dans ses bras
Amoureusement
Est-il mort disparu ou bien encore vivant
Oh Barbara
Il pleut sans cesse sur Brest
Comme il pleuvait avant
Mais ce n’est plus pareil et tout est abîmé
C’est une pluie de deuil terrible et désolée
Ce n’est même plus l’orage
De fer d’acier de sang
Tout simplement des nuages
Qui crèvent comme des chiens
Des chiens qui disparaissent
Au fil de l’eau sur Brest
Et vont pourrir au loin
Au loin très loin de Brest
Dont il ne reste rien.


BARBARA

Tradução de Manuel Barata
À Lídia Martinez

Lembra-te Barbara
Chovia sem parar sobre Brest naquele dia
E tu caminhavas sorridente
Alegre feliz resplandecente
Sob a chuva
Lembra-te Barbara
Chovia sem parar sobre Brest
E cruzei-me contigo na rua de Siam
Tu sorrias
E eu sorria também
Lembra-te Barbara
Tu que eu não conhecia
Tu que me não conhecias
Lembra-te
Lembra-te portanto daquele dia
Não esqueças
Um homem sob um pórtico abrigado
Gritou o teu nome
Barbara
E tu correste para ele sob a chuva
Resplandecente feliz alegre
E lançaste-te nos seus braços
Lembra-te disso Barbara
E não me queiras mal por te tratar por tu
Trato por tu todos os que amo
Ainda que os tenha visto uma só vez
Trato por tu todos os que se amam
Ainda que os não conheça
Lembra-te Barbara
Não esqueças
Esta chuva sábia e feliz
Sobre o teu rosto feliz
Sobre esta cidade feliz
Esta chuva sobre o mar
Sobre o arsenal
Sobre o barco de Ouessant
Oh Barbara
Que parvoíce a guerra
Quem és tu agora
Sob esta chuva de ferro
De fogo de aço de sangue
E aquele que te apertava nos braços
Amorosamente
Morreu desapareceu ou é ainda vivo
Oh Barbara
Chove sem parar sobre Brest
Como chovia antes
Mas nada é igual e está tudo destruído
É uma chuva de luto terrível e desolada
Não é a mesma tempestade
De ferro de aço de sangue
Simplesmente nuvens
Que rebentam como cães
Cães que desaparecem
Na torrente da água que cai sobre Brest
E vão apodrecer longe
Longe muito longe de Brest
Da qual nada resta


Publicada por Manuel da Mata em Domingo, Maio 25, 2008

sexta-feira, outubro 22, 2010

A BIBLIOTECA DE ALEXANDRIA

Às vezes, dou por mim a pensar nas cinzas da biblioteca de Alexandria e pergunto-me o que num só fogo perdeu a humanidade.

Quantos séculos terá o mundo regredido por obra de um fogo? Esta é a pergunta clássica e inteligente, que todos os sábios fizeram.

Há outra pergunta, talvez impertinente e talvez cretina, que ninguém ousou fazer: onde estaríamos hoje, se hoje ainda houvesse, sem o fogo de Alexandria?
In FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, Santa Iria, 2009



quinta-feira, outubro 21, 2010

EM LOUVOR DAS OLIVEIRAS DA MATA
Viram-te nascer e conhecem de cor os teus segredos. Foram a tua companhia, silenciosa e segura, durante centenas de anos.

Deram-te sombra, nem sempre boa, é certo, nos tórridos dias do Verão; a luz possível, antes do advento da electricidade; o calor nos Invernos, às vezes, tão longos e rigorosos; o tempero para a panela pobre, que tornava o feijão e a couve menos ásperos; o dinheiro para muitos dos restantes e indispensáveis bens.

E também, é justo que se diga, muito e aturado trabalho e servidão.

De qualquer modo, moldaram-te o carácter. Com elas aprendeste a mansidão e a austeridade. Por isso mesmo, nunca foste dada a sobressaltos e a paixões. Em toda a minha vida, apenas ouvi falar de um crime passional, perpetrado por um homem, a quem o amor de uma mulher não quis servir. Foi muito antes de eu ter nascido e já passei há muito pelos cinquenta.

Benditas sejam para sempre as nossas oliveiras!

quarta-feira, outubro 20, 2010

TANTO CANSAÇO
Estou a ficar cansado - não do débito e crédito rosiano (Olá grande poeta!) -, mas das alíneas, dos números e dos artigos das leis e dos decretos-leis, produzidos por juristas preclaros, e também dos números das circulares e dos ofícios-circulados, através dos quais os directores –gerais, debitam para o vulgar o que se deve entender que entenderam, repito, os preclaros juristas.

Não sou um funcionário triste nem alegre, porque a um funcionário não se pede nem se paga para ser triste ou alegre. Um funcionário é um funcionário, despido de adjectivos, como diria o sempre delicioso Caeiro. Cansado, sim, que a leitura e a exegese das alíneas, dos números e dos artigos das leis e dos decretos-leis, absorvem e ocupam um espaço desmesurado na minha mente.

Objectivamente, sou um funcionário cansado. E estranho que só agora me ocorra este cansaço, quando passei muitas tardes de domingo a olhar o Tejo e os bandos de aves em viagem e eu fui ficando, sem coragem para mandar às malvas as alíneas, os números e os artigos das leis e dos decretos-leis e de com elas partir à procura de novas paragens.

segunda-feira, outubro 18, 2010

O TEMPO
O tempo - essa coisa misteriosa que se conta em milénios, séculos, anos, meses, dias, horas, minutos e segundos -, alguém saberá ao certo o que é? E no entanto, nada escraviza mais o Homem do que o tempo, que os gramáticos organizam em passado, presente e futuro, mas que, no fundo, é apenas passado e futuro.
O tempo - essa coisa estranha que dá alento aos tiranos e torna precárias as acções dos heróis, que destrói as verdades eternas dos teólogos e os sistemas infalíveis dos filósofos, que tudo e todos condena ao esquecimento -, alguém saberá ao certo o que é?
No seu perpétuo fluir, o tempo é o tempo, como diria o delicioso Caeiro.
Para mim, que não sou poeta nem literato, mas apenas amigo de poetas e literatos, o tempo é o sol a levantar-se preguiçosamente das águas do Tejo - é assim que eu o vejo das janelas da casa onde habito - que depois sobe e roda e desce, devagarinho, para desaparecer por detrás das casas, para de novo se levantar das mansas águas do Tejo e subir e rodar e descer e desaparecer e de novo se levantar das mansas águas do Tejo!
Manuel Barata, FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lisboa, 2005

sábado, outubro 16, 2010

DO MEU DIÁRIO

O PECADO DA GULA

O pecado da gula anda associado aos excessos de comida e de bebida. E é, indiscutivelmente, um dos pecados mais recorrentes nos países católicos, apostólicos e romanos e protestantes da Europa Ocidental. Poder-se-á dizer, para evitar discriminações obvias, que é o pecado mais recorrente de toda a Civilização Ocidental.

Quando os portugueses reflectem acerca da vida e dos seus valores mais altos, dizem normalmente que não há nada melhor do que comer, beber e... passear. E se atentarmos na prática dos povos da União Europeia, verificamos, com muita facilidade, que todos incorrem no mesmo tipo de delito, à luz da doutrina da Igreja: os protestantes do Norte bebendo álcool em excesso, os católicos do Sul, comendo e bebendo excessivamente.

No caso concreto do português comum, ainda que não conheça casos como os descritos por Rabelais no Pantagruel ou por Garcia Marquez nos Cem Anos de Solidão, poder-se-á dizer que se trata de um bom garfo e de um bom copo e a sua imaginação não tem limites: come bifes de atum, de espadarte, de porco, de peru e até de frango. Mas o verdadeiro português - o mais arreigado às tradições nacionais - adora sopinha de feijão e juliana, favas cozinhadas de todas as formas e feitios, feijoada à transmontana, grão com bacalhau e bacalhau cozinhado de trezentas e sessenta e cinco formas diferentes, nos anos comuns, rancho à transmontana, grão à campaniço, carne de porco à alentejana e... até cabra de chanfana, etc., porque a lista, podia ser mais exaustiva.

No domínio das sobremesas refiro o vulgar arroz-doce, o pudim, a musse de chocolate, o leitinho-creme, o molotove, a tarte de maçã, a tarte de amêndoa, a torta de laranja, a torta de cenoura, as farófias, as tijeladas, a baba de camelo, as barrigas-de-freira e os suspiros.
No domínio das bebidas, é como o Jacinto: ou branco ou tinto. De preferência muito e português. E para rematar um opíparo repasto - nada de uísques ou conhaques- uma bagaceira genuína, produzida por um parente, na província.

Lidos ou ouvidos os últimos parágrafos, qual de vós, caros leitores ou ouvintes, não cometeu já o pecado da gula, pelo menos em pensamento? Qual de vós terá esquecido o resto da sobremesa que o colesterol e a diabetes desaconselha, do bagacinho que o Código da Estrada pune, do pastelinho que a linha reprime?

Não falarei, por uma questão de decoro, das múltiplas acepções do verbo comer. Romanizados muito cedo, permanecemos irredutíveis seguidores desse grande povo que adorava o convívio e a mesa. Peço-vos encarecidamente que transmitais aos vossos filhos o gosto imoderado pela comida, para que jamais sejamos assimilados por hábitos alimentares estranhos à nossa tradição cultural. Confesso que sofreria imenso se visse os portugueses rendidos à cultura do hambúrguere e da Coca-Cola . O exemplo americano é paradigmático: grandes e desconformes físicos, passe a pequena redundância, mas um chocante desconhecimento no tocante ( conheço uma senhora dos impostos, que substitui tocante por tange, na prosa das circulares. Acode-lhe, Orfeu!) aos prazeres da mesa. Preservemos, pois, caríssimos concidadãos, o queijo da serra genuíno, as fêveras e a entremeada dos nossos porcos de montado; os rojões à moda do Minho e a carne de porco à alentejana; o vinho das nossas adegas particulares, porque esta é a forma mais autêntica de afirmarmos a nossa identidade nacional .



sábado, outubro 09, 2010

TRABALHO POÉTICO
Com palavras constroem verdadeiros monumentos: precários, às vezes; às vezes, teimosamente resistentes. Alguns chegam até nós, vindos do fundo do tempo, frescos e incorruptíveis; outros, igualmente frescos, trazem a pequena mossa da corrupção em notas de rodapé.

Todos esses monumentos – de que os poetas são arquitectos e pedreiros, engenheiros, pintores, carpinteiros -, se falar pudessem, dariam conta de inumeráveis batalhas ganhas com galhardia e perseverança, desde o surgir da pura ideia até ao assentamento da última pedra.

Acreditai-me, ó gentes profanas!, que não é fácil recriar permanentemente o mundo com as humílimas palavras, para vo-lo servir pleno de harmonia em esplendorosas bandejas de oiro.

sexta-feira, outubro 08, 2010

QUADRAS

Esta quadra é um primor
- Tem perfeita construção -.
É pra dar ao meu amor,
Que trago no coração.

Há quem dê flores e rosas
E outras coisas de valor.
Eu só dou versos e prosas
E é tão feliz o meu amor.

Meu amor pede-me versos
Para animar o serão.
Já anda farta de terços
Rezados sem devoção.

E assim vamos vivendo,
Em paz e muita harmonia,
O coração entretendo
Com afagos de magia.


(Manuel Barata, NOVAS QUADRAS QUSE POPULARES, inédito


domingo, outubro 03, 2010

SOBRE O TEMPO QUE PASSA
Vão as horas, vão os dias,
No seu constante fluir;
Mesmo as poucas alegrias
Me visitam a fugir.

Sob a ponte passa a água
A caminho do vasto mar.
Só em mim, teimosa, a mágoa
Não tem pressa de passar.

Velozes correm os anos;
Pra onde, não sei ao certo;
Só ficam os desenganos
E as marcas do desconcerto.

Que consertar não consigo
Esta vida sem sentido.
O fado é severo comigo;
Mas, não me dou por vencido!

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 3 de Outubro de 2010 - Os aumentos de impostos e os cortes nos salários da função pública, anunciados na semana passada, deixaram o país em estado de choque. Sim, em estado de choque, porque só assim se justifica o silêncio do povoléu e o coro das cassandras a prever desgraças futuras.

Apesar da brutalidade das medidas anunciadas, parece haver unanimidade por parte dos comentadores habituais quanto à insuficiência das mesmas. Tudo isto quer significar que as discursatas vão continuar, até ao estoiro final das muitas regalias dos funcionários públicos e do povo em geral. Em nome do deus mercado e da deusa competitividade, Portugal corre assim o risco de se tornar numa espécie de Somália.

Sócrates, no momento presente, já não conta muito para uma solução dos problemas do país. Cada solução deste governo já é uma não solução. E as soluções do outro partido do chamado centrão não são aquelas de que o país precisa e merece. Ele diz que garante, garante, garante, mas já não tem ele mesmo prazo de validade para nos desgovernar. A realidade, que é quase virtual, desmente-o na hora seguinte.

Passos Coelho pediu desculpa aos portugueses pela assinatura do PEC dois ou um ou lá o que foi e prometeu que não alinharia em aumentos de impostos futuros. Em nome de uma pretensa estabilidade política, vai deixar passar o OE para 2011. Tornar-se-á assim cúmplice, porque já o era anteriormente, desta desgraçada política que só nos conduzirá ao abismo. Em vez das desculpas, era preciso pedir alto e bom som, porque tem meios para isso, o fim dos organismos que empregam amigalhaços e que consomem fortunas. Que diga também, alto e bom som, que as trapaças do BPN e do BPP foram obra de gente do centrão, onde pontificavam destacados militantes do PSD e ex-governantes.

Portugal está-se a tornar um sítio perigoso. Um lugar de medo!