sábado, julho 31, 2010

terça-feira, julho 27, 2010

AS PALAVRAS
Com palavras constroem verdadeiros monumentos: precários, às vezes; às vezes, teimosamente resistentes. Alguns chegam até nós, vindos do fundo do tempo, frescos e incorruptíveis; outros, igualmente frescos, trazem a pequena mossa da corrupção em notas de rodapé.

Todos esses monumentos – de que os poetas são arquitectos e pedreiros, engenheiros, pintores, carpinteiros -, se falar pudessem, dariam conta de inumeráveis batalhas ganhas com galhardia e perseverança, desde o surgir da pura ideia até ao assentamento da última pedra.

Acreditai-me, ó gentes profanas!, que não é fácil recriar permanentemente o mundo com as humílimas palavras, para vo-lo servir pleno de harmonia em esplendorosas bandejas de oiro.
in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx, 2005

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 27 de Julho de 2010 – Às vezes, quando penso na minha condição de leitor de poetas, sinto que há na minha vida um paradoxo insanável. Citadino inveterado, quando chegam estes dias quentes de fim de Julho, dentro de mim fala mais alto o filho e neto de camponeses.


Vêm-me há memória as horas de calor passadas sob a figueira branca, o meu avô paterno sempre de chapéu na cabeça, as refeições frugais, a voz de minha avó, a figura franzina e jovem de minha mãe, o canto das cigarras e dos melros, o zumbir dos moscardos.


A água, fresquíssima, era tirada do poço novo com a picota e nela refrescávamos os pêssegos, os figos, as framboesas e as ameixas. E até os figos das piteiras, que o meu avô descascava para eu comer.


Daquela paisagem íntima só existe o poço, cuja água é imprópria para consumo. E até eu, um dos poucos sobreviventes, sou apenas a memória daquelas coisas elementares, que o tempo, inexorável, se encarregou de levar e transformar.
Mas como minha avó dizia: “Abençoado seja o Verão!”

segunda-feira, julho 26, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 26 de Julho de 2010 – Ontem encontrei JCdeS, que conheço há mais de três décadas. Estimamo-nos, mas não temos uma relação de amizade. Tratamo-nos com grande cordialidade, que se aviva cada vez que nos encontramos.

Ontem, perguntou-me pela saúde de um familiar muito querido e ouviu a minha narrativa com muito interesse e apreensão. E quando nos despedimos, disparou-me esta que aqui partilho, sim, que esta Diário já é um espaço público: “tens de fazer boa cara ao mau tempo”.

Genuinamente popular, mas sobretudo pela sua modéstia e vasta humanidade, JCdeS é credor de todo o meu respeito e admiração.

domingo, julho 25, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 11 de Julho de 2010 – As auto-estradas dão-nos tempo, mas roubam-nos o dinheiro e o país. Antes de haver A-23 – uma das SCUTS das pátrias desavenças -, chegava a demorar quatro horas para ir à Mata e demorava outras quatro no regresso. Agora vou e venho e nem chego a gastar as quatro horas.

Eu conhecia topónimos como Azervadinha, Rosmaninhal, Barreiras, Arez e tantos outros, que vou esquecendo, inevitavelmente. Para não falar do Afonso, em Mora, um restaurante simpático, onde “matei a malvada” vezes sem conta. Ou do Café Central, em Ponte de Sor, onde espantei o sono igualmente vezes sem conta.

Ainda me lembro de, num dia de Greve Geral, ter acabado a confraternizar com os trabalhadores do Couço, que, ao que julgo saber, é a terra natal de José Casanova. E de histórias de furos, avarias e até de um despiste sem consequências, na passagem de nível do Crato, em 1 de Janeiro de 1980.

E tudo isto para dizer que as auto-estradas nos dão tempo, mas nos roubam Portugal. Só por este crime, os utentes das auto-estradas deveriam ser indemnizados.

domingo, julho 18, 2010

AO CONTRÁRIO DE REIS


De mãos dadas, vamos, Marta, até à beira rio. E aproveitemos, quais hedonistas inveterados, a mansidão da tarde, para nos amarmos, sôfregos, como os velhos faunos, que as nossas vidas são breves e o tempo muito veloz.

De mãos dadas, vamos, Marta, até à beira rio. E saibamos desfrutar todos os instantes, e, juntos, ouvir apenas o apressado bater dos nossos corações, indiferentes ao rio e a quem por nós passa.

Amemo-nos, pois, uma e outra vez e outra ainda, para, quando o tal barqueiro vier separar-nos, de nada possamos lamentar-nos, nem do Amor sermos devedores.

De mãos dadas, vamos, Marta, até à beira rio.

quinta-feira, julho 15, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 23 de Setembro de 2005 – Quando eu for grande, quero viver num país decente e não nesta «choldra», como lhe chamava o Eça, nos finais do século XIX. Quando eu for grande, quero viver numa República de homens livres, livres no mais amplo sentido da palavra, e não de títeres representativos de interesses inconfessáveis. Quando eu for grande, quero que aos meus concidadãos sejam reconhecidos os méritos e que não possam singrar os medíocres e oportunistas. Quando eu for grande, farei esforços para acabar com as comendas oficiais, que são sempre dadas às mesmas famílias e não propriamente àqueles que à pátria tudo dão sem nada pedirem em troca. Quando eu for grande, quero viver numa República cujo Presidente não o seja com o pretexto de o já ter sido. Quando eu for grande, não quero a presidir aos destinos da Pátria um choraminga, que também seja um dos beneficiários dos favores da Pátria. Quando eu for grande, quero ter filhos que amem e honrem a Pátria, mas recusem prebendas, reformas antecipadas e outros benefícios. Quando eu for grande, quero ensinar aos meus filhos que a Pátria não é uma vaca à qual se sugam as tetas. Quando eu for grande...

domingo, julho 11, 2010


POEMA

Há dias,
Despudoradamente,
Roubei um verso
Ao poeta Albertí.

Coisa sem importância
Dirão os (des)entendidos
Que pululam
Por aí.

Roubar, meu amor,
Só na loja das flores,
Uma rosa
Para ti!

sexta-feira, julho 09, 2010

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 9 de Julho de 2010 – Acontece-me agora, um ano e meio depois, sonhar com e acordar a pensar em meu pai. Ao contrário do que outrora pensaria, agora acho tudo isto normal e não sinto qualquer receio ou angústia. Acordar a pensar em e a sonhar com meu pai é agora um momento de apaziguamento comigo mesmo. Diria até de reencontro. Vá-se lá saber, portanto, o que estas coisas significam, nomeadamente para mim, que não sou psicólogo e sempre desconfiei da interpretação dos sonhos de um tal Sigmund Freud.

Nem sempre tive uma boa relação com meu pai, que era um homem muito contraditório, sempre a oscilar entre as coisas divertidas da vida e um arreigado pessimismo quanto ao devir histórico. O fim do mundo estava sempre iminente para aquele homem de estrutura baixa e franzina. Sempre disposto a defender a ordem, a disciplina e os costumes tradicionais.

Hoje, em conversa com o Ruela, fiquei a saber que um “guru” de grande reputação terá dito que havemos de voltar ao cultivo da nossa batata, do nosso tomate, do nosso feijão-verde e de outros produtos da horta. Ora isto significaria o triunfo de uma das teses de meu pai, que sempre defendeu o cultivo da terra e das pequenas produções domésticas.

O sonhar com e o acordar a pensar em meu pai, se calhar, tem a ver com este período que estamos a viver. Com este período de grande pessimismo, em que o céu parece querer desabar sobre as nossas cabeças
.

terça-feira, julho 06, 2010

2 QUADRAS POPULARES

Dizes que não tens amores.
Luta pra que tudo mude.
Pede amor com devoção
À Senhora da saúde.



À Senhora da Saúde,
À Virgem da Piedade,
Roga Amor filha querida,
Que é chegada a bela idade.

quinta-feira, julho 01, 2010

PALAVRAS PERDIDAS

Há quanto tempo, mãe, não te falo de amor
Com aquelas palavras de encantar
Com que as crianças falam do amor?

Há dias corei de vergonha,
Corei de vergonha quando li,
Num livro de cartas de Saint-Exupéry,
As palavras mágicas que ele escreveu a sua mãe
E que eu nunca te disse a ti.

Deixei que entre nós se interpusesse
Um pudico silêncio ancestral
E disse-te apenas coisas imediatas e triviais.

Eu esqueci, mãe, aquelas palavras claras e pueris
Que tanto alegravam o teu coração.

Eu coro de vergonha, mãe!


Manuel Barata, FRAGMEMTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx. 2005