sexta-feira, janeiro 23, 2009

ROSSIO

Foi no Rossio
Que o Dr. Maia
Montou moderníssimo
Consultório.

Montar, montou…
E quantos doentes tratou?

(Oh, como Eça sabia bem
O que fazia!…)

O Rossio,
Essa alegoria imutável
Da nossa colectiva
Indolência!

quarta-feira, janeiro 21, 2009

MARTIM MONIZ

O mundo inteiro
-E as suas misérias –,
Numa só praça.

Verdadeira Babel,
À qual o odor do caril
Confere um toque
Marcadamente
Oriental.


JARDIM ZOOLÓGICO

A António Osório

O Jardim Zoológico
É a outra Penitenciária
De Lisboa.

Onde, para gáudio
Dos visitantes,
Cada prisioneiro
Usa roupa própria.

domingo, janeiro 18, 2009

DO TEMPO QUE PASSA

TEXTO I
Estou a ficar cansado - não do débito e crédito rosiano -, mas das alíneas, dos números e dos artigos das leis e dos decretos-leis, produzidos por juristas preclaros, e também dos números das circulares e dos ofícios-circulados, através dos quais os directores –gerais, debitam para o vulgar o que se deve entender que entenderam, repito, os preclaros juristas.

Não sou um funcionário triste nem alegre, porque a um funcionário não se pede nem se paga para ser triste ou alegre. Um funcionário é um funcionário, despido de adjectivos, como diria o sempre delicioso Caeiro. Cansado, sim, que a leitura e a exegese das alíneas, dos números e dos artigos das leis e dos decretos-leis, absorvem e ocupam um espaço desmesurado na minha mente.

Objectivamente, sou um funcionário cansado. E estranho que só agora me ocorra este cansaço, quando passei muitas tardes de domingo a olhar o Tejo e os bandos de aves em viagem e eu fui ficando, sem coragem para mandar às malvas as alíneas, os números e os artigos das leis e dos decretos-leis e ir com as aves.


TEXTO II

Agora, indiferentes ao meu cansaço, vêm filhos de mães de moral imaculada, cujos avós – e quiçá os pais –, abancaram à manjedoura do orçamento, donde provavelmente roubaram para dar às filhas e a esses netos, dizer-me que estou a mais; que sou um inqualificável parasita; que não mereço o pão que como.

A esses bondosos cidadãos, que vão enriquecendo sabe-se lá como e encaixam as crias nos melhores empregos, usando os apelidos dos seus compridos nomes; a esses bondosos cidadãos, que vão fintando as leis para que haja pão e leite e carne e peixe, com abundância, nas suas avantajadas mesas; a esses bondosos cidadãos, que tudo esmifram para aconchegarem mais ainda as suas já farfalhudas contas bancárias, respondo com a veemência do costume: a puta que os pariu!


DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 18 de Janeiro de 2009 – O senhor Obama tomará posse, na próxima terça-feira, 20 de Janeiro, como manda a tradição. Em Washington são esperadas cerca de cinco milhões de almas, que emprestarão ruído e cor ao evento.

Provavelmente, os cinco milhões de americanos que vão festejar a chegada de um negro à Casa Branca querem também festejar o fim de uma era de mal-estar à escala planetária e o início de um tempo de paz e bem-estar. Que assim seja, são os meus votos.

Eu não sou um optimista, é consabido, mas sei que fazer pior é difícil e por isso mesmo quero comungar deste optimismo generalizado. Sei que Guantánamo não fechará as portas na próxima quarta-feira. E sei ainda que Israel não deixará de flagelar os palestinos nas próximas semanas. Quero acreditar, contudo, que no fim deste mandato de Obama, os EUA restabelecerão relações com Cuba, acabarão com a ignomínia que é Guantánamo e ajudarão a Palestina a tornar-se num Estado independente.

Se assim for, o meu programa mínimo cumprir-se-á.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

DO MEU DIÁRIO

"Serei tudo o que disserem
por inveja ou ngaçõ:
cabeçudo dromedário
fogueira de exbição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!"
ARY
Jardim Ary dos Santos

Santa Iria de Azóia, 15 de Janeiro de 2009Conheci o poeta José Carlos Ary dos Santos, decorria o ano de 1978. Era director da Sociedade 1º de Agosto de Santa Iria de Azóia, que foi um baluarte na defesa das portas que Abril abriu.

Conheci Ary dos Santos, quando o povo ainda enchia salas e praças e ruas, para pugnar pelas conquistas de Abril e ouvir “canto livre”. Ary dos Santos, que não era cantor, dizia os seus versos e por vezes com tanta força e veemência, que comovia e empolgava os mais vastos auditórios. Foi indiscutivelmente o grande poeta da Revolução.

Hoje, queria deixar aqui duas notas acerca da generosidade de Ary. Primeira: recebia, como todos os restantes camaradas cantores o seu “cachet”; porém, arranjava sempre forma de devolver o dinheiro à Sociedade Recreativa. É que Ary, trabalhador criativo de publicidade, não necessitava do dinheiro dos espectáculos para viver. Segunda: perto da sua casa, na Rua da Saudade, havia uma rapariga deficiente, que vivia com imensas dificuldades, sozinha com a mãe. Ary dava àquela família carenciada dois mil escudos todos os meses.

Foi sobre este Homem e este Artista que muitos canalhas lançaram lama.


sábado, janeiro 10, 2009

DIAS DE CHUMBO

PELA PALESTINA

A guerra voltou a Gaza
- Pobre terra Palestina! -
Onde o judeu tudo arrasa
Com fúria assassina.

O vampiresco invasor
Faz uma orgia de sangue.
Mata, insensível à dor,
Um faminto povo exangue.

E esta Europa velha e tonta
A tudo assiste, incapaz…
Indolente, faz de conta
Que deseja muito a paz.

E assim continua o mundo,
Martirizado e cruel,
Sujeito ao poder imundo
Do pavoroso Israel.













quinta-feira, janeiro 08, 2009

DO MEU DIÁRIO

A PALESTINA VENCERÁ
Ne me blâmez pas! C'est ma terre!
et elle pleure! Pourrais-je supporter
de me taire? C'est ma mère et elle souffre!
Mahmoud Darwiche
Santa Iria de Azóia, 7 de Janeiro de 2009 - Um texto de Fernando Nobre sobre o conflito israelo-palestiniano, publicado recentemente no jornal “Público”, põe, em minha opinião, os pontos nos is, relativamente a um conflito que se arrasta desde l917, para vergonha de toda a humanidade. Fernando Nobre, que é um homem da minha geração, tem mundo e sabedoria e sobretudo generosidade, para poder exigir uma resolução definitiva e equitativa da situação.

É da opinião de Fernando Nobre - e de outros, capazes de olhar o mundo de uma forma fraterna -, que a opinião pública portuguesa e europeia precisa.
E prescinde, obviamente, de comentadores como Paula Teixeira da Cruz e outros que pululam por aí, porque não sabem, porque nunca terão disponibilidade para saber de que lado está a razão. A direita portuguesa barrica-se nos mais obtusos preconceitos e coloca-se ao lado do mais forte.

Sei que o Hamas não é constituído por gente recomendável; mas sei, igualmente, que ninguém é recomendável naquela região do mundo para o Estado de Israel. E para a direita portuguesa.

Agradeço à Lucília Mendes a generosidade que teve ao partilhar comigo o texto do Homem da AMI.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 5 de Janeiro de 2009 – Manhã fria e céu ameaçador; porém, a meteorologia não anuncia chuva para hoje.

Nota-se o recomeço das aulas, no trânsito automóvel, mais denso e mais lento. Apesar de tudo, a crise é visível. Há um ano atrás, havia mais veículos automóveis em circulação. Dir-se-ia que, num certo sentido, a crise acaba por ser benéfica. Como diria um dos militantes da Quercus, “o ambiente agradece”.

Quase subitamente, Dias Loureiro desapareceu das páginas dos jornais. Um “blogue” ou outro lá vai perseverando, mas parece ter havido uma mão invisível a retirar de cena o antigo ministro das polícias. Não apareceu nas capas das revistas, no fim do ano (ou eu não dei por ele?), ao contrário do seu antigo ex-colega administrador do BPN, Oliveira e Costa, que a pátria e o Dr. Cavaco tiveram como Secretário de Estado dos Assuntos fiscais.

E é o que me ocorre, neste desenrolar do fio, após mais uma derrota do Benfica e desta feita perante o lanterna vermelha. Homem de muita fé, começo a duvidar deste Benfica. E talvez por isso, a manhã me pareça ainda mais fria. E o céu ameaçador.

sábado, janeiro 03, 2009

MANUEL BARATA

SEMPRE A PALESTINA

(Para Tawfiq Zaayad, poeta palestino)


Beija por mim
a Terra Santa da Palestina,
ó viajante!
E se fores a Nazareth,
vai deixar flores
no túmulo de Tawfiq Zaayad.

E segreda-lhe
( os poetas
ao contrário dos deuses,
mesmo mortos,
nunca deixam de ouvir)
que os países
podem ser riscados dos mapas,
mas as nações são eternas.

Diz-lhe, viajante,
baixinho,
que não há medida
para a nossa esperança!