domingo, janeiro 31, 2010

A CASSETE

(À memória de Georg Maurer, poeta alemão)


Construir...


Eis a palavra
Que marca
O encontro do Homem
Com o seu destino.


Construir a paz,
Construir o amor,
Construir a felicidade.


Construir...


Eis a palavra,
Meus filhos,
Eis a palavra,
Inexoravelmente
Fatal.


DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 31 de Dezembro de 2010 – Há para aí uns quantos académicos, autênticos coleccionadores de cargos e lugares, que se sentem no direito de prescrever direitos e deveres para os seus concidadãos, mas que nunca tiveram a generosidade de dar nada de seu aos outros.

Um ex-ministro das finanças é uma dessas personagens que, com auréola de quase santidade e de muita sabedoria, descrêem de Portugal e dos portugueses e prevêem mil e uma desgraças futuras. Diz o senhor, fazendo fé nos jornais, que Portugal, se continuar assim, dentro de cinco anos, na melhor das hipóteses, não terá capacidade para fazer face às necessidades básicas.

Bem sei que a situação é perigosa e que carece de medidas de fundo para resolver os seus problemas, que, nalguns casos, são tão velhos que até já não lhe conhecemos a idade. Sei também que as medidas preconizadas pelo ilustre académico e outros académicos, uns mais e outros menos ilustres, apontam todas no mesmo sentido: bater nos funcionários públicos e cortar nas despesas com as funções primordiais do Estado.

Eu gostava, por exemplo, que esta gente rica e bem instalada, num acesso de generosidade, preconizasse um corte radical em todas as reformas superiores a dois mil e quinhentos euros, porque estando aposentada e devidamente instalada, não necessita de tanto dinheiro para viver. Creio, no entanto, que esta minha ideia não vai ter aceitação, porque aquilo que as eminências ganham a título de reforma é justo. Todos trabalharam muito a favor da grei!

E depois há que manter a coesão social até ao fim das suas vidas. E há que ajudar os netos, para que tudo possa continuar a manter-se para beneficiar os do costume.

Cá para mim, que já não tão novo assim, creio que tudo acabará por se decidir nas ruas. E mais cedo do que muitos pensam.

sábado, janeiro 30, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 30 de Janeiro de 2010 – A corrupção, grande e pequena, existe na sociedade portuguesa e não vale a pena fazer vista grossa ou ouvidos de mercador perante o que se vê e ouve. Combatê-la é, portanto, um imperativo nacional, para que possamos todos viver num país mais sadio e mais limpo.

Creio, no entanto, que não é com os actuais combatentes - presidente do tribunal de contas incluído -, que o combate se vai tornar decisivo. Simplificar as leis que permitam investigar e rapidamente julgar e punir, pode tornar-se um caminho tão simplista, que, mais tarde ou mais cedo, vamos ter mais uns quantos pilha-galinhas condenados e não os grandes corruptos.
Antes de mais, era preciso definir de forma muito objectiva o conceito de corrupção. Era preciso, por exemplo, que tudo fosse feito com a máxima transparência, na nomeação de indivíduos para determinados cargos de assessoria, no domínio dos gabinetes ministeriais. Era preciso investigar a forma como os filhos de certas famílias chegaram a determinados postos na administração pública, nas empresas públicas e até nas grandes empresas privadas.

Antes de mais, era preciso saber como se construíram determinadas fortunas e se todos os processos foram irrepreensíveis e obedeceram a princípios éticos comummente aceites. Era bom conhecerem-se os grandes corruptos e os grandes corruptores. Era preciso, por exemplo, que o corruptor merecesse igual combate e igual punição à do corrompido. O que corrompe investe migalhas para obter benefícios incomensuravelmente superiores.

Era preciso, por exemplo, que as leis fossem simples como os dez mandamentos. São as leis complicadas e tecnicamente incompetentes que permitem dúbias interpretações e a existência de muitos pescadores de águas turvas.

sexta-feira, janeiro 29, 2010

SEMPRE A PALESTINA

(Para Tawfiq Zaayad, poeta palestino,
já desaparecido, autor do livro de Poemas
Amã em Setembro)

Beija por mim
A Terra Santa da Palestina,
Ó viajante!
E se fores a Nazareth,
Vai deixar flores
No túmulo de Tawfiq Zaayad.

E segreda-lhe
(os poetas
Ao contrário dos deuses,
Mesmo mortos,
Nunca deixam de ouvir)
Que os países
Podem ser riscados dos mapas,
Mas as nações são eternas.

Diz-lhe, viajante,
Baixinho,
Que não há medida
Para a nossa esperança
!

terça-feira, janeiro 26, 2010

LEONOR

Se eu fosse como Camões,
Havia de te fazer,
Amor, versos geniais,
Muitas trovas de encantar!

Pintar-te-ia morena
E de outras cores sadias.
Blusa vermelha decerto
E calças de ganga azul.

Assim irias à fonte
- Discreta como se vê -,
Leda e bela ao meu encontro.

E haveria de deixar
Teu rosto ruborizado
Com mil beijos, mil ou mais.

sexta-feira, janeiro 22, 2010

CIÚME


A tua ausência fere-me
- e dói tanto! -,
que os meus inquietos pensamentos
são como pássaros jovens
embalados pela vertigem do voo.


Soubesse eu ao menos
onde e com quem partilhas
o suave e doce perfume do teu corpo.

quarta-feira, janeiro 20, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 20 de Janeiro de 2010 – No fundo, o PS e os partidos à sua direita, são farinha do mesmo saco. Dir-se-ia que o pessoal da Fonte Luminosa, que, no já distante ano de 1975, se abrigava sob o chapelaço de Mário Soares, continua unida à volta do fundamental: o exercício do poder em Portugal, com os ganhos daí decorrentes.
Às vezes, os chamados partidos do arco do poder, como pomposamente se intitulam, até querem parecer zangados; porém, as suas zangas são apenas para inglês ver, porque quando chega a hora da verdade, cerram fileiras à volta dos seus interesses comuns, que são, no fundamental, o exercício do mando a favor dos seus apaniguados.
Estou em crer que o OE vai ser aprovado com os votos do PS, PPD e CDS, ou seja, com os votos dos beneficiários do costume. Os votos que hão-de eleger Cavaco Silva para um segundo mandato e hão-de fazer esquecer as escandaleiras nacionais. Tudo a bem da pátria, obviamente.

domingo, janeiro 17, 2010

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 17 de Janeiro de 2010 – A discussão do OE é sempre a ocasião ideal para ajustar contas com os trabalhadores da Função Pública. Certos rapazes e certas raparigas, bem nutridos, que não sabemos ao certo o que fazem, aparecem este ano nas pantalhas a receitar não-aumentos, porque o ano passado, os tais trabalhadores foram aumentados copiosamente, se e levar em linha de conta que a não-inflacção também os beneficiou imenso.

São rapazes e raparigas formados na aversão a tudo o que é público, porque todos desejariam pagar menos impostos. Em bom rigor, esses rapazes e essas raparigas, que quando abrem a boca nos mostram logo a cárie dos seus primorosos raciocínios (Prévert perdoa-me o quase-plágio), só aceitariam pagar impostos para pagar aos polícias que guardassem as suas excelsas pessoas e os seus preciosos bens.

Eu pago impostos e mais impostos pagaria para que o meu país se tornasse um pais melhor para todos e um território de solidariedade. O que eu não oiço é esses rapazes e essas raparigas arengarem acerca dos lucros bolsistas não tributados, que, se o fossem, produziriam receitas verdadeiramente espantosas.

Pobres rapazes. Pobres raparigas.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

DO MEU DIÁRIO

Paredão do Alqueva
Santa Iria de Azóia, 13 de Janeiro de 2010 – Continua o tempo invernoso: muita chuva, vento, muito frio. Começo a ficar com saudades de dias soalheiros, que, mesmo em Janeiro, fazem bem à alma. Este tempo cinzento, encinzenta-me a alma e o espírito. O encinzenta-me é para o meu amigo Daniel Abrunheiro, que é, indiscutivelmente, um grande criador desta lusa língua.

Boa notícia é a barragem do Alqueva já estar cheia. É a primeira vez que tal acontece; e, por isso mesmo, merece uma nota neste Diário. Há-de encher mais vezes, para que o Alentejo seja, em sentido lato, um Mar de Pão, que vai em itálico, porque é o título de um livro muito belo do meu amigo João de Sousa Teixeira.

E para os que me lerem, apesar deste tempo agreste, um dia feliz.

domingo, janeiro 10, 2010

SANTA IRIA DE AZÓIA

Ary deixou-nos no frio Janeiro de 1985.

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 10 de Janeiro de 2010 – Domingo. A chuva é gelada. Este Janeiro faz jus à fama de mês mais frio do ano. Goste-se ou não de frio, temos de nos aguentar, que o frio é necessário para amaciar as couves.

Boa ocasião para revisitar Torga e o seu famosíssimo Diário, que se revisita com muito agrado e proveito. Continuo a pensar que Torga não é um grande das letras portuguesas; porém, não desmerece de figurar entre os mais lidos e admirados do séc. XX. Não possui a técnica de Carlos de Oliveira, é certo, mas é bom não esquecer que Torga nunca foi um profissional da escrita. O poeta esteve sempre à espera do médico.

No entanto, para mim que não sou nenhum erudito, Torga vai continuar a ser uma referência. Nomeadamente, uma referência ética. No fundo, ainda que tenhamos deixado as nossas aldeias para ir ver o mundo, ficámos sempre presos às raízes. E devedores do mundo que nos viu nascer.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

SANTA IRIA DE AZÓIA

Jardim Ary dos Santos

DO MEU DIÁRIO

Moscavide, 6 de Janeiro de 2010 – É hábito comer-se uma fatia de Bolo-rei, neste dia, em que a cristandade festeja a festa da epifania. Nós, cá em casa, não festejamos nada. É da tradição comer Bolo-rei, com o café da noite, e pronto, como agora se diz. Ou prontos, que também há quem diga.

De qualquer modo é uma tradição agradável, porque junta o doce às agruras do dia-a-dia, tornando-as menos agruras, o que já não é coisa pouca. É por isso – ou por aquilo – que gosto do dia de Reis.

É um pouco como o dia de S. Martinho, que, no calendário profano, é associado à prova do vinho novo. E que todos aproveitam para beber do novo e do velho. E alguns, muito, e sem preferência. Viva pois o dia de Reis e o Bolo-rei!

segunda-feira, janeiro 04, 2010

DO MEU DIÁRIO

Óbidos, 1 de Janeiro de 2010 – A pequena vila de Óbidos, a dois passos das Caldas da Rainha, é uma das jóias do turismo nacional. Poder-se-ia até dizer, com alguma propriedade, que é um santuário onde se deslocam crentes de todos os credos.

A abundância de turistas de fim-de-semana obrigou à construção de diversos parques de estacionamento, e, mesmo assim, é difícil estacionar perto da Meca da ginja e do artesanato.

No passado dia de Ano Novo, eram tantos os visitantes, que, circular na rua principal, era uma verdadeira aventura. Contudo, dentro das lojas, não havia sinais de grandes vendas. A ginja parece ser, em tempo de crise, o verdadeiro ex-líbris desta vila.