quarta-feira, dezembro 31, 2008

MANUEL BARATA

PALESTINA MINHA AMADA
1980
I

(Jerusalém é o teu nome cidade)
Ruy Belo

Trazemos nas veias
A cor das tuas pedras mártires.

Por isso perseveramos,
Por isso te amamos,
Por isso continuamos a morrer por ti.


II

No sul do Líbano,
Na faixa de Gaza,
Nas margens do Jordão,
Na diáspora multicontinental,
Choramos em silêncio as tuas mágoas
Cidade mãe,
Cidade santa,
Jerusalém.

(Porque tu choras
As nossas mágoas também).



III

Não haverá napalm,
Não haverá TNT,
Não haverá traição,
Que ponham fim
A esta vontade desmedida de vencer.

E um dia,
Pela estrada de Jericó,
Voltaremos:
A Ramala,
A Belém,
A Lida,
A Jerusalém.

Para comer laranjas em Jafa!,
Laranjas doces e suculentas,
Porque em todo o mundo
Não há laranjas como as de Jafa.



JOÃO DE SOUSA TEIXEIRA


Com a devida vénia.

1980
MÉDIO ORIENTE

Em Gaza não há sossego,
nem nos Golan por haver.
Só o mostrengo que é cego
não sabe ou não quer ver.

Povo vivo à queima roupa,
a defender mesmo quem trai.
Ai, povo, que coisa pouca
é morrer pelo sinai.

Um patriota árabe sucumbiu
à bala sionista e colossal,
mas a verdade que floriu
no campo de batalha, é imortal.

É escusado veneno mais fecundo:
a Palestina vive no coração do mundo.

terça-feira, dezembro 30, 2008

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 30 de Dezembro de 2008ENCONTRO EM CAPRI ou O DIÁRIO ITALIANO DE GORKI, da autoria de Marcello Duarte Mathias, é uma excelente narrativa romanesca, que terá exigido muito trabalho e imaginação ao antigo embaixador.

Parte do exílio de Gorki em Capri, na Itália, onde é visitado por Lenine e por outras celebridades, para construir um universo romanesco que nos dá conta do ambiente oposicionista ao regime dos Romanov, no exterior e no interior da Rússia. A amizade entre Gorki e Lenine é o grande «leit-motiv» que permite a Mathias a feitura de retratos excepcionais - Gorki, Lenine, Staline e Trotsky -, e a criação da ambiência política e social antes e depois da Revolução de Outubro. Num registo de grande serenidade como é seu timbre.

De certo modo, pode-se estabelecer um paralelo entre esta ficção e O Ano da Morte de Ricardo Reis, de Saramago. Este faz regressar a Portugal o autor das odes clássicas, que o seu criador, Fernando Pessoa, exilara no Brasil, onde o deixara quando morreu. E serve-se do heterónimo pessoano para criar o ambiente em que foram surgindo as instituições do Estado Novo, naquele ano de 1936.

È um livro para ler como grande literatura.
Mathias, Marcello Duarte, ENCONTRO EM CAPRI OU O DIÁRIO ITALIANO DE GORKI, ed. Oceanos, Nov. 2008.

domingo, dezembro 28, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 28 de Dezembro de 2008 – De novo a guerra, no Médio Oriente, com os do costume a morrerem como tordos; de novo o coro de protestos da chamada comunidade internacional, com os do costume a fazer ouvidos de mercador.
E assim se vai eternizando um conflito, que ninguém parece interessado em resolver. Nomeadamente Israel, a quem daria até um certo jeito que o conflito alastrasse à Síria e ao Irão.
E quer-me parecer que ainda não será com o senhor Obama que a paz vai chegar ao Médio Oriente. Quantos palestinos terão ainda de morrer, para que a terra do poeta Darwich possa ser independente?
Puta de vida! Puta de guerra!

DO MEU DIÁRIO

Rotunda com repuxos
e casario do Cansado
Castelo Branco, 27 de Dezembro de 2008 – Passei pelo quiosque Vidal, logo ao princípio da tarde, para me inteirar da venda do livrito Mata…, a que a empregada chama o livro da Mata. Chovia impiedosamente.

Eu sei que o faz por uma questão prática, embora o uso da preposição, neste caso concreto, confira ao enunciado um efeito quantificador inesperado, ou seja, confere-lhe um carácter único, o que corresponde inteiramente à verdade e afaga o ego do autor.

No interim, surgiu dentro do quiosque a dr.ª Manuela Conde (Chichorro?), que foi minha professora de História nos anos sessenta e que nunca mais voltara a ver. Ali estava olhando para as revistas expostas no escaparate, com todas as marcas dos anos passados, mas conservando alguns dos traços juvenis. Com ela visitei Vila Viçosa e o palácio onde D. Carlos havia de dormir a sua última noite. Recordei-a pelos anos fora como uma docente competente e com grande sentido de justiça.

Mais um café na Pastelaria Montalvão, dois dedos de conversa com a Maria e ala que se faz tarde. Lisboa ainda é longe e a tarde está de chuva. Que tarde chuva, na verdade!

sexta-feira, dezembro 26, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 26 de Dezembro de 2008 – Recebi mensagens de Boas Festas até à tarde de ontem. Há sempre um esquecido ou outro que se lembra à última hora. Não tem importância. Não contabilizo estas coisas; e, por conseguinte, nada há-de constar do meu deve e haver. Tudo permanecerá na mais absoluta puridade.

Telefonei a quem tinha de telefonar; recebi os telefonemas de quem tinha que receber; tudo se desenrolou na mais estrita normalidade. As chamadas mensagens de telemóvel, mais ou menos estereotipadas, aborrecem-me, mormente as que não trazem agarrado o remetente. Estas mensagens são, de certo modo, um descargo de consciência. Talvez descarga fosse a palavra mais adequada.

Com o advento dos telemóveis nasceu esta febre comunicacional, ganhando foros de cidadania a palavra escrita, muitas vezes abreviada, onde não segue a voz peculiar de cada remetente. É a comunicação a pataco e quase sem emoção. Em tempo de Natal, os amigos e aqueles que nos merecem estima, merecem um telefonema, uma carta tradicional, um postal ou até uma cartinha via Internet. Tudo personalizado, obviamente.

Eu, também pecador, me confesso. Contritamente.

terça-feira, dezembro 23, 2008

EM TEMPO DE NATAL

MEMÓRIA

Republicação

Nas manhãs de Junho,
quando o sol tudo doirava,
a nossa casa era também
a sombra da oliveira
do outro lado da rua.

Guardo memória, mãe!,
da nossa rua térrea
e vejo-te jovem
algodão dobando
à sombra da oliveira
do outro lado da rua.

Nas manhãs de Junho,
quando o trigo amadurecia
e eu brincava brincava
à sombra da oliveira
do outro lado da rua.

Fazia-te mil perguntas
- mil ou muitas mais -
e tu respondias sem enfado
à sombra da oliveira
do outro lado da rua.

E eu era feliz
e tu eras feliz, mãe!,
à sombra da oliveira
do outro lado da rua.

Do outro lado da rua
à sombra da oliveira.


segunda-feira, dezembro 22, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 21 de Dezembro de 2008 – Sorrateira, a Velha senhora veio, deitou as garras de fora e levou o MÁRIO JOÃO PIRES. Tinha 57 anos e era um Homem bom.
É nestes momentos – os que me tocam mais de perto -, que mais concordo com Sartre: “a morte é um escândalo”.

quarta-feira, dezembro 17, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 17 de Dezembro de 2008 – As medidas aprovadas pelo governo para avaliar os professores – deixando de fora os profissionais que estejam em condições de se aposentarem nos próximos três anos – mostram à saciedade até onde pode ir a má-fé deste executivo, que apenas pretende dividir os docentes, a fim de impor um modelo já amplamente rejeitado.

Escudado na maioria absoluta, este governo tem tiques verdadeiramente totalitários, porque a sua visão da democracia é estreita, ou seja, não concebe a oposição às suas políticas. Dir-se-ia que estes insignes democratas apenas concebem, que os seus concidadãos se exprimam de quatro em quatro anos, no silêncio das urnas, diminuindo-os a todos enquanto cidadão.

É espantoso que um partido dito democrático e socialista aja contra as mais diversas camadas da população com tanta arrogância e mesmo desrespeito. E é ainda mais espantoso querer incluir-se na esquerda, quando a sua prática política é de centro direita.

Este governo, no qual pontificam os ministros Pereira e Silva, tem o desplante de nos tomar a todos por parvos. Até quando?

segunda-feira, dezembro 15, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 15 de Dezembro de 2008 – Finalmente, Manuel Alegre parece disposto a romper com o PS e a adequar a sua praxis política aos seus estados de alma, tantas vezes expressos através de discursos épicos e aos quais tem emprestado aquela sua voz única de patriarca bíblico.

Eu gosto do autor de Um Barco para Ítaca – e de tantos outros livros que me ajudaram a ser quem sou -, porém, sempre achei que Manuel Alegre se contentava com o seu papel de consciência crítica do PS. E acho mesmo que se outros fossem os protagonistas – Sócrates nem é socialista nem de esquerda e os seus próximos também não – Alegre jamais ousaria o discurso de ontem à tarde. A arte socrática de governar – intransigente com os fracos e muito compreensivo com os poderosos – fez transbordar o copo do poeta político.

Agora, aguardemos pacientemente pelo desenrolar do ano de 2009, que vai ter muitos e difíceis combates. Até para ver quem os vai travar com mais convicção e denodo.

sábado, dezembro 13, 2008

TEORIA DA QUADRA

1

Uma quadra bem urdida,
Em dia de inspiração,
Pode, se for atrevida,
Causar dano até mais não.

Eu quero estar sempre a salvo
Dos efeitos de uma quadra.
Tiro certeiro no alvo,
Faz pior que o cão que ladra


2

Quatro versos podem ter
Um final devastador.
É por isso, ‘stá-se a ver,
Que a quadra exige rigor.

Em tempos de roubalheira,
Uma quadra pode ser
A espingarda mais certeira
Para os pilantras vencer.


3

O governo da nação
Governa contra o país.
Nega a constituição
Ignorando o que ela diz.

Este governo trinta e três
Tem almas do outro mundo
Pelo que faz, bem se vê,
Que mer’cia ir ao fundo.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

MANOEL DE OLIVEIRA

Cem anos hoje e continua a querer fazer fitas rindo-se do tempo como ninguém!
Manoel de Oliveira é um caso notável. Direi mesmo notabilíssimo!
Eis um português que, por alguns séculos mais, da lei da morte se libertou, como diria Camões.

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 10 de Dezembro de 2008 – Há uma ideia que se vai entranhando na sociedade portuguesa e que qualquer dia merecerá teses universitárias: “quem ganha eleições tem legitimidade para governar sem oposição”. As aspas são minhas, obviamente, e ainda ninguém ousou formular a questão assim cruamente; mas há tiques e bocas, bastante mais eloquentes que as claras formulações.

A coisa tem-se acentuado mais com a luta dos professores. E só não se tornou ainda mais consistente e dura, porque uma fatia considerável de fazedores de opinião e “blogueiros”, ligados ao PPD-PDS e ao CDS-PP, estão conjunturalmente com a luta dos docentes. Não estivessem aqueles partidos interessados em capitalizar alguma coisa e muitos mais seriam os adeptos dos governos sem oposição.

A gente de direita – e o governo do PS também, porque faz aquilo que a direita nunca teve força para fazer – enche-nos a boca com democracia e Estado de direito, mas este mesmo Estado tem de se conformar com os seus interesses permanentes e conjunturais. Se pudessem, suprimiriam de bom grado a CGTP, que, no fundo, só complica. E também o PC, que, obviamente, se quer apoderar, para proveito próprio, da riqueza do país. E assim, o país ficaria mais limpinho - se não mesmo asséptico -, e sem essa gente que está sempre disposta a estragar as festas. E tudo decorreria, paulatinamente, sem a vozearia animalesca desses pretensos donos da rua.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Santa Iria de Azóia, 9 de Dezembro de 2008 – Há muito tempo que não falava de Daniel Abrunheiro, nestas páginas deste meu sensaborão Diário. E no entanto, falamos amiúde e continuo a lê-lo com o mesmo entusiasmo de sempre, ainda que o poeta prefira ao cronista e este ao romancista. Escasseia-me o tempo para o poder estudar com algum rigor.

O Daniel vem hoje a este Diário empurrado por uma sua leitora, que lhe gaba o tamanho dos poemas, por oposição a uma poesia de poemas curtos, aos quais chama “caganitas de cabra”. O autor confessa que gosta da imagem e num tom “savant” acrescenta. “O que escrevo, corresponde perfeitamente a essas reticências caprinas”. É de Mestre!

E já agora, mesmo que a despropósito, deixo aqui uma pergunta: quanto é que um editor competente edita poesia deste autor?


domingo, dezembro 07, 2008

TERRAS DO MUNDO

SESIMBRA
"A PRINCESA DO MAR"

REFLEXÃO

Não me venham falar da Pátria.
Não quero ouvir falar de pátrias
- nem desta, nem doutras -,
Que as pátrias,
À semelhança dos deuses,
Só sabem exigir sacrifícios,
Desmedidos e vãos.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

DO MEU DIÁRIO

CASTELO DE PIRESCOXE
Santa Iria de Azóia, 3 de Dezembro de 2008 – Na SIC-Notícias, ontem, Ricardo Costa e Luís Delgado teceram rasgados elogios a Jerónimo de Sousa. Luís Delgado disse mesmo que Jerónimo é melhor comunicador do que Cunhal, etc. e tal.

Eu gosto de ouvir estas coisas, porque tenho grande estima por Jerónimo de Sousa e também simpatia e também admiração. Jerónimo Carvalho de Sousa não tem a cultura política e a cultura, lato sensu, de Álvaro Cunhal. Não tem tão-pouco os dotes oratórios do antigo secretário-geral, que conhecia as técnicas retóricas como poucos. Porém, o discurso de Jerónimo soa-nos mais genuíno e, porque não dizê-lo, patético. Às vezes não basta dizer as verdades; às vezes, é necessário encontrar o tom e a forma para dizer as verdades.

Reeleito secretário-geral do PCP, no XVIII congresso, cabe-lhe a difícil tarefa de dirigir o partido, em tempos particularmente difíceis. Jerónimo conhece a receita: manter uma estreita ligação ao povo e lutar, com o colectivo que dirige, pelo progresso e pelo bem-estar dos portugueses e de Portugal.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 1 de Dezembro de 2008 – O último romance de José Saramago, A VIAGEM DO ELEFANTE, é, certamente, um dos melhores que o nosso Prémio Nobel escreveu, na sua já longa vida de autor. Poderá mesmo ombrear com Levantado do Chão, O Memorial do Convento e O Ano da Morte de Ricardo Reis.

No seu estilo único, Saramago conta-nos as peripécias da viagem do elefante Salomão e do cornaca Subhro de Lisboa até Viena, num itinerário através de Portugal, Espanha, França, Itália e finalmente a Áustria, com travessias marítimas e fluviais.

Salomão é oferecido ao arquiduque Maximiliano II da Áustria pelos réus de Portugal, João e Catarina, assim como uma prenda complementar de casamento. Esta dádiva, longe de ser generosa, foi apenas a forma expedita que os lusos soberanos encontraram para se livrar de um paquiderme que devorava palha e água e nada dava em troca.

Maximiliano aceitou o presente, que implicou as diplomacias portuguesa e austríaca, e a viagem iniciou-se com a presença de D. João III, dez dias após a tomada da decisão pelo régio casal. A entrega de Salomão fez-se em Castelo Rodrigo, ainda que o comandante da lusa força tivesse acompanhado o animal até Valladolid, onde se encontrava Maximiliano e Maria, recorrentemente chamada de “a filha de Carlos V”. Em Valladolide o elefante e o cornaca haviam de receber novos nomes, por decisaõ do arquiduque: Salomão passou a chamar-se Solimão e Subhro, o tratador, Fritz.

Em solo italiano hão-de ocorrer os acontecimentos mais importantes da viagem, nomeadamente o milagre de Pádua, encomendado pelas entidades religiosas, no preciso momento em que se reunia o concílio de Trento. Em Veneza, soube Maximiliano do prodígio do paquiderme, que após treino, e às ordens do seu tratador, se ajoelhou à porta da Catedral de Santo António. Depois foi a épica subida dos Alpes e ainda a viagem através do Danúbio até às proximidades de Viena.

Num estilo vivíssimo, Saramago aproveita A Viagem do Elefante Salomão para fazer uma profunda reflexão sobre a condição humana, não se coibindo de abordar alguns dos temas que lhe são mais caros, nomeadamente o religioso. Neste romance excepcional, Saramago usa abundantemente da ironia e do anedótico, tornando-o um livro divertido, o que é um facto verdadeiramente extraordinário, conhecendo nós as circunstâncias em que foi escrito.