segunda-feira, agosto 08, 2011

Cá neste labirinto, onde a nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza:

Camões

NAS FONTES

1

A vida é um momento tão fugaz,
Mesmo para os que vivem muitos anos.
Imparável a roda roda e traz
Alguns deleites, dores, desenganos.

Os que vivem, contentes e felizes,
Passando pela terra sorridentes,
indo no carril certo, sem deslizes,
Deste mundo estiveram sempre ausentes.

A vida é desafio permanente,
Mil batalhas travadas com ardor,
Com um só fim em mente, ó minha gente,

Tornar este planeta mais decente!
Árduas lutas travo por amor
E sei que tudo passa... fugazmente!


2
Quando, ó sol, te levantas lentamente
Das cristalinas águas do Tejo,
A cidade pressinto tão contente,
Recebendo teus raios como um beijo!

Sem o oiro dos teus raios a cidade
Fica mole, cinzenta, entristecida.
Com Londres parecida, já de idade,
Perde a graça de moça divertida.

Eu tenho preferência p’los dias
De sol doirado e quente. Com calor
A vida é bela e plena de alegrias.

E se perto de mim, ó meu amor,
Te tivesse, decerto, amar-me- ias!
Na cidade do sol, da luz, da cor...


3

Ó lendária serra lusitana,
Alvíssima princesa celebrada!
Tua beleza eterna não engana
E renova-se em cada madrugada.

Por ti tenho um amor puro e constante
Que desde a minha infância perdura,
Quando te via altiva, lá distante,
Ó serra rigorosa, enorme e dura!

Eram outros os tempos... Os pastores
desertaram, cansados, prá cidade.
Deram descanso às flautas. Permanece

A noite povoada de pavores
Muita melancolia, a saudade
E este amor que a beleza rara tece.

4

Estes versos desejo jubilosos,
Ó minha amada! Versos de louvor
à beleza divina; graciosos,
como convém ao nosso fino amor.

Quero versos de rimas aprazíveis,
Decassílabos suaves e correctos,
Para cantar teus dotes mais visíveis,
Sem esquecer a graça dos secretos.

Negros são os teus olhos e cabelos,
Os lábios têm a cor dos morangos.
Fico contente, quando posso vê-los...

Mas como esquecer os alegres tangos,
E o gozo de beijá-los e mordê-los?
Ó delicado aroma dos morangos!

5

Palavras, ide depressa e cumpri
Vossa valiosa e nobre missão!
Ide palavrinhas, que eu já pressenti
Que podeis ser ainda a salvação.

Palavras, correi, correi como o vento
Que o mundo precisa da vossa força!
Precisa de subido pensamento
E não da bruteza de quem o torça.

A História tem apenas guardadas
Narrativas de batalhas e guerras
E as grandes lutas p’la paz olvidadas.

Ó História, quantas fraudes encerras,
Em lindas palavrinhas embrulhadas?!
Desertai do poema e ide... mesmo perras!

6

Continua o mundo desconcertado,
Um mar de mentira e hipocrisia.
Desde Camões, pouco terá mudado,
Continua a mandar a vilania.

Os ricos, ousados e poderosos,
Ditam suas injustas leis ao mundo.
Incapazes de gestos generosos,
Tudo submetem ao dinheiro imundo.

Vivemos um tempo de submissão,
Que ignora princípios e valores.
O estudo, a probidade e a razão,

Deram lugar às cunhas e aos favores.
E assim corre a vida desta nação,
De engenheiros, bacharéis e doutores.

7
Dom Sebastião permanece vivo
E inda mexe no luso imaginário.
Um povo vive, nesta orla, cativo,
À ´spera do rei louco e temerário.

Os outros fazem e nós esperamos,
Que ele nos traga a boa solução.
Para o cerrado nevoeiro olhamos,
Como se fora a nossa salvação.

Ai, esta longa e dolorosa espera!...
Agir, agir, agir sempre e sem medo,
Foi a regra mágica da nossa Era,

O nosso mágico e fértil segredo.
Quem viu o largo mundo desespera,
Com este povinho tristonho e quedo.


in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, 2005








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