segunda-feira, outubro 01, 2007

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 1 de Outubro de 2007 – Disseram-me há dias que a vida, em França, está pelas horas da morte. E acredito. Outra coisa não seria de esperar, no país da gorjeta instituída.

Não piso solo gaulês desde 2000. Vontade não me falta, mas a vida é o que é e ainda não chegou a minha vez de viajar pelo vasto mundo a expensas do Orçamento de Estado. E a expensas próprias, a coisa está complicada. De qualquer modo, já podia ter ido a Paris neste interim.

Quando vou a Paris, faço sempre as minhas romagens de saudade. Procuro os sítios onde fui feliz: Montparnasse, onde havia uma “Taverne Alsacienne”, que tinha cave e uma máquina de discos, que tocava tardes inteiras e onde bebíamos cafés e dançávamos.

Que será feito do Gilberto Bandeira, da Maria Augusta, da Irene, do Manuel António Nunes, da Zaida, do Jorge Silva, da Lisete e da Marília? Será que ainda estarão todos entre nós? E que farão agora o João e a Jacinta Crisóstomo, se vivos ainda forem?

Vem-me à memória o Tony, que num dia de muito sol, no jardim do Luxembourg, teve o atrevimento de beijar uma turista, para espanto dela e de nós, os acompanhantes, apesar do ambiente libertário que ainda se vivia em Paris. Disse libertário e disse bem, porque libertina sempre a França foi, no remanso dos castelos e palácios. Rimos copiosamente e ainda hoje preservo nítido, na memória, esse dia.

Descíamos Saint Michel e acabávamos a comprar livros usados no Gilbert Jeune, que não tinha ainda a dimensão actual. Foi em frente deste livraria emblemática, que vi a polícia arrêter Simone de Beauvoir e outros “gauchistes”, num sábado à tarde, enquanto Sartre continuou a vender “La Cause du Peuple J’Accuse”.

Sartre, que poderia jogar na minha equipa de basquetebol, tinha uma enormíssima dimensão intelectual e tornara-se um símbolo da França. Era um dos intocáveis. Ele sabia-o e escarnecia das instituições.

E Montparnasse funcionou neste rememorar de tempos felizes como um mero anacoluto, para usar um termo da retórica.

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