Se perguntarem a um avarento, por que nutre tanta apetência pela posse de bens materiais, antes de mais, negará a sua qualidade de avarento. Dirá que, ao contrário do que os outros pensam, é apenas uma pessoa previdente e contará ao seu interlocutor a conhecida fábula da cigarra e da formiga. E dirá que se sente bem na pele desses minúsculos e negros bichinhos que, de uma forma mecânica, executam metodicamente o vaivém entre o local onde se encontra a semente - ou seja lá o que for -. e o buraco-armazém.
Como é bom de ver, o avarento não é um contemplativo. Será mesmo incapaz de retirar prazer, de ordem estética ou outra, dos seus bens materiais. Não viu, decerto , “Casimiro e Carolina no teatro do Bairro Alto ou o “Círculo de Giz Caucasiano” no Teatro Aberto. Não frequenta salas de cinema, não aprecia pintura e escultura, não viaja. Em relação às coisas que enriquecem verdadeiramente um ser humano, o avarento é um homem não. E poderíamos ficar por aqui no que à avareza concerne, mas o retrato ficaria incompleto.
O avarento não cultiva a vida de relação. Vive ensimesmado. Prefere a conversa com os seus botões. Inventaria e actualiza permanentemente o valor dos seus bens. Tudo o que esteja para além do estritamente necessário é supérfluo. Quando compra botas novas aos filhos, recomenda-lhe que dêem passos largos. Gosta de ser convidado, mas quando toca a sua vez de pagar a conta, desafia os parceiros para jogar à moedinha. Vai aos arames quando lhe falam em férias. Cria galinhas na varanda de sua casa para poder vender ovos. É o único que não ri, quando lhe contam a nova versão da fábula da cigarra e da formiga, que aqui deixo reproduzida:
No pico do Inverno, a cigarra bate à porta da formiga e esta pergunta:
- Quem é?
- Sou eu, a cigarra.
- Que queres?
- Quero apenas falar contigo, formiga.
- Já conheço os teus truques desde que o mundo é mundo. Estou farta da tua música.
- Não sejas parva , formiga. Abre lá a porta!...
A formiga abriu o postigo e deparou com a cigarra toda anafada e de casaco de peles. È então que a cigarra diz:
- Vou para Paris. Vim despedir-me de ti.
- Estupefacta, a formiga replicou:
- Olha, cigarra, já que vais para Paris, se vires o La Fontaine, manda-o foder com a história da fábula.
Terão notado, com certeza, que me centrei apenas num tipo de avarento, ou seja, naquele que vive obcecado pelo dinheiro e pelos bens materiais. O discurso poderia, no entanto, ser dirigido noutras direcções. Poupemos, por hoje, os ambiciosos de todos os matizes e os mesquinhos.
A avareza, caríssimos alunos e colegas, é um pecado capital. Pratiquemos todos, todos sem excepção, a prodigalidade, tornando-nos dignos do senhor D. João V, o tal que, com o oiro do Brasil, mandou construir o convento de Mafra e passou à História com o cognome de “o Magnânimo”.
1 comentário:
Caro Manel,
Avarento não serei!...Mas quem sou eu para me julgar em sede própria?!
A história da cigarra e da formiga, com palavras diferentes, reescrevia-a num texto que foi representado em Paris no espaço "La Gare au Théatre" (numa antiga estação dos Caminhos de Ferro), com encenação de Vítor Oliveira, num projecto coordenado pela Lidia Martinez, actriz, pintora, encenadora,com uma companhia de dança contemporânea e...mais importante do que isto tudo, minha amiga há longos, longos anos! Saiu depois o texto num livro colectivo editado por "La Gare au Théatre".
Mudando de tema...BOM NATAL, MELHOR 2007!
E já agora Manel, OBRIGADO pelas azeitonas retalhadas de Castelo Branco, as melhores do mundo, claro! Então acompanhadas por pão cozido em forno de lenha!...As voltas que eu já dei para te desejar a ti e a todos os teus, tudo de BOM!
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