quinta-feira, junho 28, 2012

DO MEU DIÁRIO

Amato Lusitano
Santa Iria de Azóia, 28 de Junho de 2012 – Os jornais chegavam a Castelo Branco de comboio: os matutinos por volta do meio-dia e os vespertinos por volta das vinte horas, quando os comboios circulavam com pouco atraso, porque também acontecia os matutinos chegarem à tardinha e os vespertinos só serem lidos na manhã seguinte.

Se a memória não me atraiçoa, o quiosque Vidal detinha o monopólio dos pouco madrugadores DN e Mundo Desportivo e dos vespertinos Diário Popular e República; ti Albino – que espectáculo de ardina! – comercializava O Século, A Bola e o Record, matutinos, e o Diário de Lisboa e A Capital, vespertinos. E a famosa revista de actualidade: Vida Mundial, hebdomadária, com saída ao sábado.

Ti Albino - era assim tratado o mais desembaraçado dos ardinas albicastrenses -, vinha a correr da estação da CP com um molho de jornais debaixo do braço, até ao centro da cidade, gritando a plenos pulmões “é o Séeeeeeculo”, “é A Booooola”, “é o desastre”, “é o séeeeeeeeeculo”, “é o Record”, etc. Sempre em movimento e a apregoar, só parando para entregar o jornal ao cliente, receber e fazer trocos. Tinha na sua mulher, cujo nome já esqueci, uma colaboradora assídua e esforçada, que passava os dias a complementar a actividade do marido, ao frio e ao calor, naquele vão de escadas que dava acesso à parte de consultórios do edifício em cujo rés-do-chão funcionava o café Arcádia, que tinha a sala de bilhares ao lado.

Os outros ardinas eram Zé Gavetas e Zé Noco. O primeiro, era um homem muito querido na cidade, porque era simpático e, por vezes, até muito reverente; Zé Noco - irmão de ti Albino - que nunca tirava o cigarro dos beiços, era uma figura esquálida e nada sociável. A rapaziada metia-se com ele, porque sabia que havia de ouvir um chorrilho de asneiras ou ver algum daqueles gestos menos recomendáveis.

E aqui deixo um retrato dos ardinas da cidade, seguramente incompleto e impressivo; no entanto, creio que não terei cometido imprecisões de monta. É que o tempo passa e a minha memória já não é o que era.

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