quarta-feira, junho 20, 2012

DO MEU DIÁRIO


David Mourão-Ferreira, um grande poeta

Santa Iria de Azóia, 20 de Junho de 2012 – La Chartreuse de Parme de Stendhal é, indiscutivelmente, um dos melhores romances franceses de todos os tempos. E o mesmo se poderá dizer de Le Rouge et le Noir do mesmo autor. A Chartreuse li-a com a ajuda de um tal David Mourão- Ferreira, que era um grande apaixonado pela literatura francesa e pela Itália. Le Rouge et le Noir só o li mais tarde, mas seguindo a lição do autor de A Secreta Viagem. Não sei se Vino Rossi, um romance que David trouxe em mente, chegou a ser escrito e editado.

Hoje deu-me para dizer meia dúzia de coisas acerca de David Morão-Ferreira, que era um homem de trato muito fino e um grande sedutor. Não admira, pois, que tivesse sempre uma pequena corte de jovens mulheres por perto. Tinha uma caligrafia bem legível e era um adepto incondicional das esferográficas BIC. Vestia muito em tons de castanho, como se tudo tivesse de condizer com o seu inseparável cachimbo.

Nos anos oitenta usou um daqueles sobretudos que Freitas do Amaral celebrizou quando foi candidato à Presidência da República. E também um boné, que o protegia do frio. Entrava na FL, subia ao piso superior e dirigia-se para uma das salas do departamento de românicas, onde dava aulas ao fim da tarde e/ou princípio da noite. Nunca prescindia de entrar nos sanitários para dar um jeito ao cabelo. Fazia gala em cultivar um primoroso aprumo, que lhe conferia um toque de classe.

E este homem de vasto saber, que lia poetas portugueses e europeus como ninguém, por vezes gaguejava. Sobretudo quando se enervava com a ignorância, que, já naquele tempo, era muita na casa das humanidades. Gaguejava, por exemplo, quando alguém – e isto vale só como exemplo – lhe dizia que Montaigne era um filósofo do séc. XIX ou que François Villon era um poeta do séc. XVIII. E no entanto, David nunca desautorizava um aluno. Tentava sempre, a partir de uma resposta errada ou menos rigorosa, conduzir o aluno à resposta que ele considerava a mais acertada.

E Stendhal foi apenas o pretexto para aqui deixar meia dúzia de palavras acerca de um daqueles portugueses, que, tendo sido governante, nos deixou uma obra notável como poeta e ensaísta. Bem ao contrário dos Mira deste mundo.

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