HÁ CINQUENTA ANOS
Há cinquenta anos, quando nós ainda éramos todos, eu tinha seis anos e era feliz.
Nunca festejávamos os meus anos. E só sabia que fazia anos, porque a minha mãe me dizia: “hoje fazes anos, filho!” E eu, contente por fazer nos, corria pela rua e anunciava aos rapazes e às raparigas que era o dia dos meus anos.
Nós brincávamos sempre na rua, que era o prolongamento natural das nossas casas, que tinham quase sempre as portas semiabertas ou semicerradas que para o caso tanto faz. Era a rua Nova da Escola, que não tinha ainda estes paralelos ásperos, que continuam a causar-me irritação. A rua era térrea e quando chovia ficava lamacenta e nós brincávamos com a água das poças e por vezes chapinhávamos e sujávamos as saias das raparigas já casadoiras e fugíamos para nos rirmos delas.
E construíamos casinhas, imitando os nossos pais. E nelas mostrávamos o peixe às raparigas e elas nos mostravam o cochicho, sim, peixe e cochicho, que era assim que, puerilmente, chamávamos aos nossos sexos.
Hoje já não somos todos! E os que somos já não nos alegramos com a candura de outrora. Agora, às vezes, fazemos anos para nos dizermos que ainda somos; porém, arredios da simpleza e da alegria de, quando criança, minha mãe me dizia: “hoje fazes anos, filho!” E eu corria pelo interior do sol de Junho a dizer aos rapazes e às raparigas que fazia anos.
Vertiginosamente, a névoa vai tomando conta dos nossos olhos e os nossos corações deixaram, há muito tempo, de rejubilar com o alvorecer dos dias.
Nota– Sim, Pessoa está presente. Pessoa e Caeiro. Porém, foi assim mesmo a minha infância.
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