Santa Iria de Azóia, 6 de Abril de 2005 – Nos últimos tempos, isto é, desde que a morte do papa se tornou uma evidência, as televisões, quais sanguessugas, não largam o maná. Dir-se-ia que há qualquer coisa de abjecto neste frenesim comunicacional. E a culpa não é só das televisões e dos restantes meios de comunicação social. O Vaticano também tem a sua quota de responsabilidade.
Este papa foi um dos grandes fenómenos da comunicação dos últimos vinte e sete anos. Viveu da e para a comunicação. Percebeu rapidamente o poder dos chamados media e utilizou-o com grande mestria. E só a forma como usou os media pode explicar as profundas transformações ocorridas no mundo, sob a sua influência.
O papa falecido em dois de Abril, que certamente será santo, um dia, contribuiu para o advento de um mundo mais injusto e cínico. Cumpriu integralmente o seu programa, que consistia no derrube do comunismo; porém, nada de substantivo propôs em troca. Deixa-nos um mundo mais vil e domesticado do que aquele que encontrou. Os oprimidos do mundo inteiro ficaram à mercê desta gente sem escrúpulos que hoje governa o mundo.
Há aquelas almas repletas de candura – é o caso do meu amigo Pe Aguiar -, que acham que há duas fases distintas no reinado do papa há dias falecido: a do derrube do comunismo e a da restituição da voz àqueles que a não têm. Fácil foi, sem dúvida, vencer o comunismo, exibindo para o lado de lá bandeiras que, uma vez derrubado, foram enroladas e nunca mais voltaram a ser desfraldadas. A forma patética como se opôs à guerra do Iraque mostra cabalmente a sua completa insignificância. Depois, por vontade de Deus e acção dos anos começou a ficar sem pio. E de bons exemplos…
Marcou indelevelmente o seu tempo. Fez obra abundante e profunda, mas não nos lega um mundo melhor. Deixa-nos um mundo unipolar que, na ausência de um permanente debate dialéctico, se tornou nesta coisa sem princípios em que hoje vivemos. Ao contrário de João XXIII, o grande Papa João, Karol Wojtyla nada de verdadeiramente importante trouxe ao desenvolvimento da humanidade. A História acorrentá-lo-á à condenação do uso do preservativo, à manutenção do celibato dos padres, à condenação da interrupção da gravidez, mesmo quando existe má-formação dos fetos, etc. Este Papa, como escreveu Vasco Pulido Valente, foi verdadeiramente um tridentino.
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