sexta-feira, junho 22, 2007

JOÃO DE SOUSA TEIXEIRA

É meu amigo. É um poeta com obra e com muito mérito.
Santa Iria de Azóia, 23 de Outubro de 2003 - António Joaquim tem oito anos e frequenta a escola da Vila, onde vive com a avó Jacinta. Os pais, Miraldina e Chico Melga ( preferível a Chico Velhaco, sabendo nós o que valem as palavras e o que com elas se pode fazer), trabalham e vivem longe. Decorre o mês de Agosto de 1987.

A Vila é sinédoque de Zona de Intervenção da Reforma Agrária e serve apenas para que as personagens da narrativa de João de Sousa Teixeira, Mar de Pão, tenham um espaço para se movimentar. Vive agora na expectativa da construção de uma barragem, de um mar de água, dez anos após os golpes de misericórdia desferidos pelas autoridades, a instâncias dos antigos latifundiários, naquela que terá sido, no plano social, a maior, mais genuína e espontânea das precárias realizações de Abril. Os velhos, entre os quais, provavelmente, Joaquim das Vacas, disputam um lugar no banco à sombra da grande azinheira.

Dir-se-ia que este Mar de Pão, que em boa hora o autor decidiu dar à estampa, não é uma obra dos tempos que correm, tão-pouco do presente da narrativa, Agosto de 1987, quando as comissões liquidatárias já tinham liquidado todos os sonhos daquela gente simples que, como Zé da Cesaltina e Miraldina, ousaram transformar o Alentejo num mar de pão. A obra, que o autor não quis romance, marca sobretudo uma posição ética de alguém que, tendo-se iniciado há trinta e um anos como poeta, com RO(S)TOS DO MEU PAÍS, não podia calar a realidade presente do Alentejo, dominada pelo abandono e pela solidão dos que foram ficando


Mar de Pão é uma pequena narrativa, un récit ( faça o leitor vista grossa a esta utilização do francês e a esta fuga às classificações ), que rememora um tempo de grande fraternidade e de profundas transformações quanto ao modo de utilização da terra, no Alentejo, naqueles anos luminosos que se seguiram ao 25 de Abril. No plano da arquitectura, a fábula tem um momento indiscutivelmente alto: a decisão de criar a Cooperativa – tudo decidido na taberna do Faustino e a instâncias de Joaquim das Vacas – e que mais tarde se haveria de chamar Estrela Nova. É admirável como em apenas nove páginas se assiste ao nascer e definhar da Cooperativa e simultaneamente, ao nascimento e crescimento do amor de Chico Melga e Miraldina. Saúde-se aqui uma notável economia de meios.

João de Sousa Teixeira não quis fazer romance e, por isso mesmo, à semelhança do que acontece no texto dramático, ao leitor é exigida uma grande capacidade de intuição, no que à caracterização das personagens concerne. Chico Melga – o grande impulsionador da Cooperativa -, não se conformando com a morte de Zé da Cesaltina, tenta saber, junto da GNR, as razões que conduziram o amigo ao suicídio. É a demonstração de uma enorme inteireza de carácter e também de uma enorme simplicidade.

O narrador, ser de papel na opinião de Barthes, mas a quem um tal José de Sousa Saramago equipara ao próprio autor, parece encaixar-se na concepção deste último. A voz que se ouve ao longo da narrativa não é a de um ser de papel. É a voz irónica – nunca amargamente irónica -, de João Teixeira, que se assume como um redactor de eventos passados, através de um processo técnico narrativo chamado analepse. Saliente-se, de resto, que ao longo do récit o narrador-autor ( era inevitável chegar aqui) faz uso apropriado das anacronias, facto que demonstra que, querendo, a sua oficina podia produzir um belo romance.

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