terça-feira, junho 01, 2010

PEQUENO CANCIONEIRO DE LISBOA

TENTATIVA

Canção de amores vadios
- Vai de barco é marinheiro -,
Não enjeita desafios,
Dá volta ao mundo inteiro.

Em Lisboa junto ao Tejo,
Tem o fado sua morada,
Um afago, um desejo,
Uma rixa anunciada.

Fado velho sempre novo,
Alma vera deste povo.

Canta amores traídos,
Ausências, amizades,
Em versos muito sentidos
E repletos de saudades.


Onde um tintinho houver
É cantado à desgarrada.
Na presença da mulher
É canção civilizada.

Fado velho sempre novo,
Alma vera deste povo

LISBOA – I

Lisboa gosta de Farra,
Festeja todos os santos.
É como a leda cigarra,
Não vai com choros e prantos.

Com ar triste canta o fado
- Faz parte da convenção –
Bebe um tinto, passa ao lado
E lá se vai a paixão.

Velha Lisboa querida,
Sempre leal e valente,
Sempre audaz e destemida
E ilustre resistente.


Nas curvas mais apertadas,
Faz das tripas coração.
Vence! Águas passadas,
Volta à sua vocação.

Ora séria matrona,
Ora mocinha garrida,
Tratada por tu ou dona,
É alegre e divertida.

LISBOA – II

Um tal Fernando Pessoa,
Que não era pensador,
Pensava por aí à toa,
Com ironia e rigor.

Travestido de Caeiro,
Ah, tinha tanta piada!...
Era alegre e galhofeiro,
Fingia não pensar nada.

Quando de reis se vestia,
Era Horácio em pessoa.
As coisas que ele dizia,
Velho romano em Lisboa.

Ah!, sempre tão sonolento,
Cansado… Campos dizia,
Com tristeza e desalento,
Que da vida nada qu’ria.

Pessoa só não sabia
Amar Ofeliazinha:
Por isso, tanto escrevia…
Ela?! Pobre tiazinha…

LISBOA –III

Descer a Guerra Junqueiro,
De manhãzinha, em Agosto.
É bom. Não custa dinheiro
E deixa-me bem disposto.

Como Cesário vejo
As feridas da cidade;
E não raro sinto pejo
De tanto luxo e vaidade.

Eu lembro-me do poeta
Pelas ruas a caminhar.
Trazia sempre a paleta
Para Lisboa pintar.

Era poeta e pintor,
Amigo da populaça
Cesário!... Um senhor
Tão sensível à desgraça.

Tinha aquela mania
De passear por Lisboa…
Quadros e fotos fazia,
Com palavras, numa boa.

Manuel Barata, QUADRAS QUASE POPULARES, Ulmeiro, Lx. 2003



LISBOA


Ter Lisboa nos meus braços,
Apertada contra o peito.
Saber-lhe as curvas e traços,
Possuí-la com respeito.

Queria dar-te mil beijos,
Oh, minha rosa encarnada!
Mas são tantos os desejos,
Que mil beijos não é nada.

Tuas pétalas osculo
Com ânsia desvairada.
É assim este Catulo
Oh, minha rosa adorada!

Lisboa tem mil encantos,
Mas o Tejo é o maior.
De tantos feitos e prantos
Foste Tejo o causador.


Lisboa tem mil segredos
E mil lendas por narrar.
Nobre cidade sem medos,
Que os poetas sabem cantar.

As colinas de Lisboa
São todas muito famosas.
Nelas vive gente boa,
Raparigas tão vistosas!

Eu nunca senti enfado
Ao cantar esta cidade,
Que o mundo tem deslumbrado
Com cantigas de saudade.

Manuel Barata, FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005



LISBOA - 1

Há nas ruas de Lisboa
Uma graça, um encanto,
Que nelas inda ressoa
Um pregão em cada canto.

O cauteleiro teimoso
Inda persiste, coitado!
Deixou o grito ruidoso,
Vende o jogo sem enfado.

Galhofeiras, as varinas
Têm tanta, tanta graça!
Suas línguas viperinas
São a pimenta da praça.

Eu sinto tanta saudade
Dos ardinas barulhosos.
Coloriam a cidade
Com seus pregões saborosos!...

À tardinha, no Rossio,
- Oh, era bonito de ver!
Os ardinas, em desvario,
Apregoar e a correr.

Mudou tanto esta cidade!
Marcas do tempo imparável,
Causam-me tanta saudade...
Oh, mudança inexorável!

Do pitoresco a saudade,
Que do resto nem pensar!
Nada paga a liberdade
Que o povo pode gozar.

Mas tudo o que permanece,
Genuíno e popular,
Minha alma tanto enternece,
Meu coração faz pulsar.



LISBOA - 2

A nobre Lisboa tem
O vasto Tejo a seus pés
‘ma porta aberta ao vaivém
Rumoroso das marés.


Este Tejo que o Poeta
Morada das musas quis,
Foi a companhia certa
Deste pequeno país.

Cais de partida e chegada,
Quantos segredos ouviu?
Nunca quis revelar nada
Das muitas coisas que viu.

Companheiro e confidente,
Nas horas boas e más,
Esteve sempre presente,
Discreto, calmo, sagaz.

Manuel Barata, FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009.

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