quarta-feira, fevereiro 29, 2012

DO MEU DIÁRIO


Santa Iria de Azóia, 29 de Fevereiro de 2012 - A pandilha alemã, e também os seus acólitos, não desiste de humilhar e castigar a Grécia até onde lhe for possível. A pandilha alemã não esquece as palavras do presidente grego dirigidas a essa esquálida figura que dá pelo nome de Wolfgang Schauble, ou seja, o todo poderoso ministro das finanças da senhora olhos-de-goraz. Agora é o primeiro-ministro desse imenso país que é o Luxemburgo, presidente do eurogrupo, que quer que seja criado um novo comissariado europeu para, digamos assim, governar a Grécia.


Outro figurão, de seu nome Olli Renh, exorta Portugal a caminhar para o abismo e recomenda mesmo o redobro dos sacrifícios. Eu sei o que esta canalha está a pedir, mas não é com gente subserviente que terão a merecida resposta. A gente viu as célebres imagens de Gaspar com esse tal Schauble e sabemos do alinhamento do seu chefe com a caisarina olhos- de-goraz. Sendo estes os factos, por enquanto estamos conversados.


Mas nada me impede, no entanto, de mandar Olli Renh e Jean-Claude Juncker àquela banda. Que vão, pois, àquela banda. E só não escreve no nosso melhor vernáculo, porque quero esta prosa com bom odor.

sábado, fevereiro 25, 2012

DO MEU DIÁRIO

Toda a coragem é necessária(Joaquim Pessoa, creio)

Santa Iria de Azóia, 24 de Fevereiro de 2012 – Eu não sei bem caracterizar este prodigioso tempo que estamos a viver. Sei que vivemos sob a pata dos mercados e de muitos economistas seus serventuários, que, sendo-o, também se servem a si mesmos, rapando sem descanso o pátrio pote.


Como diria Garrett, este é o tempo de Sancho Pança. Só que os nossos sanchos seguem os senhores com a certeza de que mais tarde ou mais cedo serão chamados à manjedoura do OE ou de EP ou de PPP ou de coisas afins. Não andam nesta roda-viva por uma vaga promessa de virem a ser reis de uma ilha minúscula.


Portugal, que foi nos anos que se seguiram ao 25 de Abril um país interessante, volta a ser aquela apagada e vil tristeza de que Camões já falava n’ Os Lusíadas. Aqui reina de novo a ganância e a cobiça. E os pretensos almirantes sabem apenas infligir castigos ao povo, desprovidos que são de ideias de modernidade. Governam-nos a partir de vagos apontamentos de velhas sebentas que já provaram a sua inutilidade no passado.


A seca que assola o país está em consonância com a seca que é este governozinho de capatazes, às ordens de uns fulanos que aparecem por aí de quando em vez, para vomitarem, sobre Portugal e os portugueses, dispensáveis conselhos e opiniões e duvidosas mezinhas.

terça-feira, fevereiro 21, 2012

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 21 de Fevereiro de 2012 – Os dias têm corrido muito pressurosos, ainda que nem sempre – ou quase nunca – deixando boas recordações. Para dizer a verdade, não há mês do ano que não esteja associado a coisas ruins, que as boas, à semelhança dos milagres, são cada vez mais raras. Adiante.


No sábado passado visitei a exposição dedicada a Alves Redol, e por extensão ao neo-realismo, no museu vila-franquense com o nome daquele movimento literário dos anos 40-50 do séc. XX. Trata-se de uma exposição imperdível, não só pela abundância de documentos referentes ao autor de Barranco de Cegos; mas, também, pelo enquadramento sociopolítico, que permite uma visão alargada da vida portuguesa da época.


O visitante toma contacto com livros, velhas e novas edições, requerimentos, certidões, manuscritos, jornais, revistas, muitas fotografias, etc. E ainda materiais referentes a outras artes como o teatro e o cinema. Quem se deslocar a Vila Franca para ver esta exposição-homenagem, sem quaisquer preconceitos, há-de dar o tempo por bem empregue.


Adquiri um livro com depoimentos sobre Mário Sacramento, que devorei durante o serão e a noite de sábado. Eu conheço Máris Sacramento há muitos anos. Li amiúde páginas do seu diário, textos de crítica literária e a sua peça Teatro Anatómico. Não foi novidade para mim que todos aqueles depoimentos, dezenas e dezenas, fossem tão consensuais. Eu sabia que Mário Sacramento, o médico, o escritor, o crítico e o combatente pela liberdade, era um ser humano excepcional. Fiquei com a minha convicção reforçada.


Fiquei também a pensar que não tendo os portugueses feito o que Mário Sacramento lhes pediu - um país livre e fraterno -, o excepcional homem de acção terá de cá voltar.


sábado, fevereiro 18, 2012



AS CEGONHAS

Partem antes do equinócio
E antes do equinócio chegam.

Nos cocurutos das árvores
E nos velhos campanários,
Constroem as suas habitações;
Donde, com indiferença,
Gloterando, placidamente,
Espreitam as nossas vidas.

Falo das cegonhas
E da sua mania das alturas.


segunda-feira, fevereiro 13, 2012



ANTÓNIO SALVADO



Quando se fala de poetas e de poesia albicastrenses, há um nome que ganha espessura e sobressai: António Salvado. Natural da cidade de Castelo Branco, onde nasceu a 20 de Fevereiro de 1936, em Castelo Branco tem vivido quase ininterruptamente.


Licenciado em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa, o autor de Narciso (1955) deixou o seu nome ligado à revista Folhas de Poesia, tendo dirigido o nº 4 e último (1959), dedicado integralmente à obra de Ângelo de Lima.


Exerceu a docência em Lisboa, Luanda e na sua cidade natal. Em Castelo Branco dirigiu também, durante vários anos, o Museu Francisco Tavares Proença Júnior. É, indiscutivelmente, uma figura incontornável da vida cultural da cidade de Afonso de Paiva e Amato Lusitano.


Iniciou a sua carreira literária com Narciso (1955) e o seu último trabalho, AURAS DO EGEU – e de todos os mares, com a chancela da FOLIOEXEMPLAR, surgiu em Outubro do ano transacto. Importante poeta da segunda metade do séc. XX, entrou no séc. XXI com grande determinação e criatividade, estando para breve a publicação de um novo trabalho.


Apesar de ter vivido quase sempre em Castelo Branco, o trabalho poético de António Salvado tem merecido justo reconhecimento nacional e internacional. Está traduzido em castelhano, francês, italiano e inglês. O mundo ibérico já o distinguiu com vários prémios.


E como não podia deixar de ser, aqui vos deixo este belo poema de António Salvado:




COLHEI AS ROSAS




Colhei as rosas, sim, colhei as rosas

tão vivas de vermelho

e as brancas violetas

colhei também -



Eis a festa das flores

no vosso coração

estremecido quente

e mergulhai os lábios no prazer-



O amor vos aguarda,

ó frescas raparigas,

enfeitai-vos de rosas violetas

plantadas nos canteiros dos desejos.




AURAS DO EGEU - e de todos os mares, FOLIOEXEMPLAR, Lx., Out/2011

quarta-feira, fevereiro 08, 2012


AS PALAVRAS


Calhou-me em sorte ter de folhear dicionários. De palavras tem sido feita a minha vida. Com elas tenho feito o que a imaginação me permite, pouco, certamente, mas tento dar-lhes, sempre, a leveza das frescas brisas estivais e permitir-lhes os mais ousados voos.
Um dia disse, com papal solenidade, urbi et orbi, que com as palavras tudo faço: pinto o céu, pinto árvores, pinto frutos, pinto ruas e pinto casas. Às vezes, muitas, até pinto a manta. As palavras são o barro, a tinta, o mármore, a madeira - não deixarei aqui um preguiçoso etc. – com que vou recriando o mundo.
Com elas digo, todos os dias, a alegria, a esperança e o afecto; sem elas, não sei o que de mim seria. Outro seria, certamente.

segunda-feira, fevereiro 06, 2012


O DILÚVIO
Bem vistas as coisas, tudo filtrado pelo inexorável tempo – ah, essa misteriosa entidade, que protege todos os déspotas! -, a vida decorria sem inquietações, até ao dia do dilúvio que devastou a nossa frágil casa e nos trouxe horas e mais horas de infindável sofrimento e desespero.
Eu quis ser firme e decidido como os antigos generais e aguentar-me à tona das águas e ser paciente e acreditar que tudo teria uma solução. Destruída a casa, perdida a caixa onde guardara todos os sonhos, senti-me triste e fraco e deixei que as lágrimas aumentassem o caudal das águas.
De certa maneira - prefiro a expressão francesa “dans un certain sens” -, senti o desespero dos bíblicos judeus na antiquíssima Babilónia; porém, nunca fiz promessas nem implorei a Deus.
As águas baixaram e a casa há-de reconstruir-se. Tento, denodadamente, encontrar a caixa onde guardara todos os sonhos.

sábado, fevereiro 04, 2012

Passaram já três anos, mas a mágoa permanece intacta

CONVERSA INACABADA

Nunca diremos tudo o que havia para dizer, porque é da natureza das coisas as conversas ficarem inacabadas. É certo que por pudor – ou outra razão qualquer –, passamos ao lado de coisas importantes, decisivas, fundamentais. Foi sempre assim e assim continuará a ser.

Quando eu era menino e me perguntavas de quem eu gostava mais, se de ti ou de minha mãe, respondia-te da forma mais convencional, ortodoxa, previsível: gosto dos dois. E hoje sei, de ciência segura, quão verdadeira era a minha pueril resposta.

Nunca te terei dito “gosto muito de ti”, ou “és o meu ídolo” ou ainda “amo-te muito”. Estas coisas comezinhas estavam para além da nossa gramática quotidiana e excediam a nossa intimidade comedida. E no entanto, ambos sabemos quanto nos amámos sempre.

Estas palavras, que neste momento escrevo, entre um café e dois goles de água, não as ouvirás jamais da minha boca. Ainda por pudor, não era hoje que te iria dizer estas coisas, que apenas aumentariam a tua comoção. O que te juro – é palavra de homem –, é que tens um lugar único, no meu coração.

in FRAGMENTÁRIA MENTE, Ed. Alecrim, 2009


OS COMPUTADORES
I
Um dia
- Não muito distante –,
Tenho a certeza,
Vou atirar-me,
Sem piedade,
Ao computador.

A nossa relação
Tem sido
Muito pacífica,
Embora
eu não ache
Muita piada
Às partidas
Que esta máquina
Tão estúpida
E sedutora
Me vai pregando.

Eu vou travar
Esta relação
Que vicia
Como o absinto
E atirar-me,
Sem piedade,
Ao computador.

É inevitável!
É inevitável!


II
Começo a estar
Viciado,
Amor,
Com a treta
Do computador.

Doem-me
As mãos
Os braços
E as lombares
De tanto teclar

Há quanto tempo,
Amor,
deixei de te olhar
com olhos
de ver?

Qualquer dia,
Quando isto
Piorar,
Vou dormir
Com o endireita,
Amor!

inéditos

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

ÀS VEZES


Às vezes, quando alguma resistência sinto em entrar dentro de mim, mormente nos momentos de grande inquietação, procuro a quietude e a paz das igrejas. É então que este minúsculo território de orografia complicada, onde inúmeras guerras civis têm sido travadas, permite a celebração de todos os armistícios e festeja a doçura da reconciliação.
As catedrais góticas prefiro aos templos de outras épocas. Nelas, tudo é fruto de subida meditação e de um superior exercício da ordem. Dez minutos, meia, uma hora, às vezes, é o tempo necessário para, pegando numa ponta, enrolar o precioso fio de Ariadne e reencontrar-me com a luz.
Creio firmemente que as igrejas – e mormente as catedrais –, foram sempre pensadas para propiciar reencontros com a luz.


in FRAGMENTOS COM POESIA, Ulmeiro, Lx., 2005