NA RUA DE SANTO ANTÓNIO
Era nas águas-furtadas a nossa casa.
Era velha e com poucas condições,
mas tinha uma clarabóia,
por onde, quando havia, entrava a luz do sol.
Era no número vinte e um da rua de Santo António,
quase no coração da cidade.
No rés-do-chão,
era a mercearia do senhor António Canaveira.
Em frente,
havia uma agência de viagens,
onde trabalhava uma rapariga vistosa,
com quem, na solidão dos meus pensamentos,
fiz as primeiras grandes viagens.
Era uma rapariga alegre,
que vestia roupas alegres
e tinha um sorriso alegre e branco e amplo
e um corpo ágil de gazela.
Um dia a agência fechou as portas
e a rapariga mudou de ares,
qual ave de arribação.
Se me tivesse pedido,
apesar da idade,
creio bem que tinha partido com ela.
Ah, como batia forte e apressado,
naqueles dias,
o meu pobre coração!
E o tempo,
esse inigualável fazedor,
fluía placidamente.
Placidamente, que é assim que deverá fluir o tempo.
E tudo era normal e rotineiro,
até a passagem diário do batalhão,
o seis de caçadores,
que passava na rua de Santo António
ao som do tã…tão…tã-ta-ra-rã dos tambores
e do op, dois, erdo, direito dos cabos milicianos.
A nossa casa era nas águas-furtadas
do número vinte e um da rua de Santo António
e era a foz de um rio
de gente
que ali vinha pedir um pequeno favor,
como visitar, no hospital, um doente
ou comer um simples prato de sopa.
Aquelas águas-furtadas eram a casa da gente.
7 comentários:
OLà manuel,
que bonito poeam e onde era essa rua de st antonio?
Em Alfama?
Era a sua casa de menino?
Conte mais!
um beijinho e olhe està SOL!!!!
Até jà,
LM
Bom dia, Manel
Nunca tinhamos falado nisto ou eu não prestei a atenção devida. Na verdade, o mundo encolhe a olhos vistos quando pensamos nas voltas que já demos...
Nesta mesma casa, mas em 1953, moraram os meus pais e faleceu a minha mãe. Lembro-me muito bem dessa clarabóia e também do corrimão que fazia uma espiral em quadrado. Lembras-te?
A vida é do caraças! tenho até uma recordação um tanto, como hei-de dizer, exotérica, mas depois explico-te.
um abraço
joão
Amiga Lídia,
A rua de Santo António é em Castelo Branco. Ainda existe a rua e a casa, embora seja muito, muito velha.
Habitámo-la durante quatro anos, antes dos meus pais emigrarem e de eu ficar sozinho com uma das minhas tias.
Gostava de saber se recebeu o manuscrito do meu novo livro, que lhe enviei a si e ao Daniel.
Aqui ainda vai fazendo calor. Beijinhos. Manuel
Lídia,
Soube há meia dúzia de meses que a casa foi habitada pela família do poeta João de Sousa Teixeira, do qual sou amigo há cerca de quarenta anos. Este poema, se vier a ser publicado em livro, será dedicado ao João, que editou com vinte anos "Ro(S)tos do meu país", em 72, pois claro!
Beijinhos.
Bom dia, João!,
Votos de um dia feliz.
Acerca da casa e do exoterismo da casa: foste tu que me contaste o que sei. Retenho ainda o som da campaínha do telefone do Senhor João salvado, o proprietário e/ou primitivo rendeiro, que era taxista de profissão. Era casado com a D. Belmira, natural da Mata, sofria da gota e era grande adorador de Baco. Que a sua alma descanse em paz.
Um abraço,
Manuel
da memória gráfica e da alma.
passei.
gostei.
volto....
_____________cordialmente.
Isabel,
Volte sempre!
Obrigado pelo comentário.
Manuel
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