quarta-feira, setembro 17, 2008

HÁ CINQUENTA ANOS

Há cinquenta anos,
quando nós ainda éramos todos,
eu tinha seis anos
e era feliz.

Nunca festejávamos os meus anos.
Eu só sabia que fazia anos,
porque a minha mãe me dizia:
“hoje fazes anos, filho!”
E eu, contente por fazer anos,
corria pela rua
e anunciava aos rapazes e às raparigas
que era o dia dos meus anos.

Nós brincávamos sempre na rua,
que era o prolongamento natural das nossas casas,
que tinham quase sempre a porta semiaberta ou semicerrada
que para o caso tanto faz.
Era a rua Nova da Escola,
que não tinha ainda estes paralelos ásperos,
que continuam a causar-me irritação.
A rua era térrea
e quando chovia ficava lamacenta
e nós brincávamos com a água das poças
e por vezes chapinhávamos
e sujávamos as saias alvas das raparigas já casadoiras
e fugíamos para nos rirmos delas.

E construímos casinhas,
imitando os nossos pais
(quase todos profissionais da alvenaria).
E nelas mostrávamos o peixe às raparigas
e elas nos mostravam o cochicho,
sim, peixe e cochicho,
que era assim que puerilmente denominávamos os nossos sexos

Hoje já não somos todos!
E os que somos
já não nos alegramos com a lhaneza de outrora.
Agora, às vezes, fazemos anos,
para nos dizermos que ainda somos;
porém, arredios da simpleza e da alegria
de, quando criança, minha mãe me dizia:
“hoje fazes anos, filho!”
E eu corria pelo interior do sol de Junho
a dizer aos rapazes e às raparigas
que fazia anos.

Vertiginosamente,
a névoa vai tomando conta dos nossos olhos
e os nossos corações deixaram,
há muito tempo,
de rejubilar com o alvorecer dos dias.






2 comentários:

LM,paris disse...

OLà amigo manuel,
que lindo poema da memoria e que nos leva bem longe!
Parabéns por tudo, pelo chapinhar na àgua...pelo souvenir,
guardar a sua alma de criança é o métier e obrigaçao do poeta...
le jour de mon anniversaire,
lembra-me o poema do Pessoa!!!
Abraço amigo.
Deixei-lhe também um beijinho no meu blog, até jà!
LM

Manuel da Mata disse...

Minha Amiga,

O poema surgiu-me uma manhã, aqui em casa e escrevi-o de rajada.
Sim, há Pessoa e Caeiro, no poema.
A infância é uma fonte inesgotável. Já Rilk, nas "cartas a um jovem poeta", sugeria ao seu interlocutor, que perscutasse a infância. Haverá mais na mesma linha.
Já hoje estive em Paço de Arcos e lembrei-me de si. Almocei na Barra de S. Julião.
Beijinho, Manuel