quinta-feira, agosto 28, 2008

NAMBUANGONGO

Ansiosos,
como loucos,
esperávamos a DO.

E quem não recebia carta
ou aerograma
ficava mais triste
e só.

Era a puta da guerra
- já sem guerra -,
no degredo
de Nambuangongo.

Lá,
onde até o céu
parecia mais alto
e inclemente.

Lá,
onde o napalm
devastara a paisagem
e matara gente.

Lá.

segunda-feira, agosto 25, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 25 de Agosto de 2008 – Há muitos anos que conheço o nome de António Osório. Sabia-o poeta, com ligações a Setúbal e à Arrábida e também à advocacia. Lera meia dúzia de poemas seus em publicações periódicas, mas nunca ousara comprar uma obra sua.

Graças ao Daniel Abrunheiro, grande poeta e homem de generosidade muita, comecei a comprar as obras de Osório, um pouco ao acaso, e tenho-o lido com alguma avidez. Penso que já o cataloguei como poeta da amabilidade, num outro texto deste meu diário; porém, de Osório queria hoje dizer que é um poeta de recorte clássico, que nos presenteia com uma poesia de grande equilíbrio e serenidade.

De Osório estou a ler a obra VOZES ÍNTIMAS, que sendo um conjunto de textos acerca das pessoas com quem o poeta conviveu e dialogou, ajuda a escorar a opinião que expressei no parágrafo anterior. Neste livro poderá o leitor ler também quatro sonetos de Vivaldi, que correspondem às quatro estações, integrados num texto mais vasto sobre as vicissitudes que conheceu a obra do célebre compositor.

Osório é um daqueles poetas que não podemos ignorar, sob pena de ignorarmos alguma da grande poesia do século XX.


domingo, agosto 24, 2008

DO MEU DIÁRIO

Charneca da Cotovia, 24 de Agosto de 2008 – O país anda sobressaltado com a onda de assaltos, e, sobretudo, com o grau de sofisticação de alguns deles. Algo começa a fazer-se com requinte no reino de Portugal. Não há recurso às novas tecnologias propriamente ditas, mas as coisas fazem-se, nalguns casos, com o uso de muita massa encefálica.

Eu não sei se é impressão minha, mas a presente vaga parece ter-se intensificado com a divulgação da lista dos mais ricos de Portugal. Claro que não tem nada a ver, porque crime é crime, e as reivindicações fazem-se nos locais apropriados. Mas que esta vaga de assaltos é obra de bandidos que esta sociedade vai sornamente gerando, não tenho quaisquer dúvidas.

Os partidos de direita aproveitam esta magna ocasião para desancar no governo de esquerda dito, mas com alma e práticas de direita. Não há-de ser por acaso que o poder é sempre exercido pela trindade PS, PPD-PSD e CDS-PP, que vai (des)governando o reino desde os idos de 1976. E com soluções idênticas, mais coisa, menos coisa. No caso vertente, com mais dois mil polícias.

Eu não tenho o hábito de reflectir acerca destes fenómenos, mas alguma coisa deve estar mal, quando todo o mundo ocidental investe tanto em polícias, armamento e equipamentos de vídeo vigilância. E até em condomínios fechados, que são os castelinhos que, de certo modo, são réplicas modernas dos castelos medievais.

Por que razão ou razões andarão os títeres que nos governam com tantas preocupações de segurança? O que motiva esta onda de assaltos? Eu não sei o quê, mas algo fede por aqui. Eu vou-me embora para Elsinor. Lá, onde o príncipe também tem dúvidas!

quarta-feira, agosto 20, 2008

DO MEU DIÁRIO (NOTA AOS LEITORES)

Santa Iria de Azóia, 20 de Agosto de 2008 – Reitero a ideia – e pelos vistos partilhada -, de que a realidade actual do meu país me estimula pouco. E não é por estarmos em pleno período de férias.

Eu escrevi e quero dizer pe-rí-o-do e não "priudo", que é como diz a maioria dos nossos concidadãos, referindo-se àquela coisa mensal que as nossas concidadãs têm na idade fértil. Confesso que vou aos arames com o dito “priudo”, ou antes, ia, que agora já vou menos, tal como acontece com o tu “comestes”, bebestes”, “cantastes” e ainda com a sintaxe e a conjugação do verbo haver, do género “houveram” muitas trovoadas naquele mês de Agosto ou vocês “hádem” ver como elas mordem. Isto para não falar nos “aitems” três e quatro ou na Torre “Aifel”, no Sadam “Hussain”, etc.

É obvio que não sou um fundamentalista da gramática e tão-pouco dono da língua portuguesa. Quer-me parecer, no entanto, que sempre é preferível o rigor excessivo ao moderado laxismo. E falando de rigor, não sei se vou dizer alguma barbaridade, mas parece-me que os grandes problemas nacionais resultam do fraco conhecimento da língua portuguesa e do nosso consabido desprezo pela matemática. E até talvez do pouco interesse que dedicamos à filosofia.

Talvez.

domingo, agosto 17, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 17 de Agosto de 2008 – Há muitos anos que não me ausentava de Roma por um período de três semanas. Eu até pensava que a vida se tornaria mais monótona e sensaborona sem a minha presença. Verifico ao fim destas três semanas de lazer que se tratava da mais pura ilusão. Não houve golpes de Estado e tudo funcionou na perfeição. Estou a pensar que, mais dia, menos dia, vou mesmo morar o mais longe possível da Cidade.

A actualidade não me motiva. Portugal é um país excessivamente repetitivo. Repetitivo pela negativa, diga-se em abono da verdade. Por isso mesmo, sinto-me pouco inclinado a comentar a actualidade que, se o acordo ortográfico já estivesse em uso, se poderia escrever atualidade.

No último “Jornal de Letras”, um magnífico reitor de uma universidade qualquer publicou umas quantas teses que, na sua douta e magnífica opinião, deveriam ser acolhidas pelos “fabianos” que vão vociferando contra o dito acordo. Eu estou em crer que o senhor deverá ser “Professor Doutor Engenheiro”, de escola contrária à do eng.º Jorge de Sena (o que pensaria Sena acerca do Acordo Ortográfico?), ou então “Professor Doutor Economista”, porque de linguística não deve perceber muito.

No mesmo número do mesmo jornal, Eugénio Lisboa, de uma forma claríssima e brilhante, disse aquilo que tinha de ser dito e ponto final. Procurai o “JL” e lede, caros leitores, o magnífico artigo de Eugénio Lisboa! É uma ordem, ouvistes?

Deixo o registo que seria o de José Gomes Ferreira e vou aqui rememorar aquele episódio contado por Raul Brandão nas Memórias. Diz-se que quando a rainha velha, a sereníssima Maria Pia, saiu de Mafra para apanhar o iate real na Ericeira, foi vista com um casqueiro de Mafra debaixo do braço. Eu creio que Brandão leu bem o episódio, quando diz que Maria Pia, que fora toda a vida uma perdulária etc. e tal, e que finalmente percebera o valor de um simples pão. A minha filha, que estuda Brandão, acha o episódio muito ternurento e acha que Maria Pia queria levar consigo um pedaço do país. Um pedaço perecível do país, digo eu, que nestas coisas vou mais com Sancho Pança.

Reinstalado nos arredores de Roma, amanhã – segunda-feira –, cumprirei o ritual. Irei reencontrar os amigos. No forum, para dois dedos de conversa e alguma inofensiva maledicência.



MAHMOUD DARWICH

L' ENFANT RÉFUGIÉ



Algumas estrofes



Racontez! Peut-être me rappellerais-je

quelque image de mon pays,

quelque souvenir déposés

sur mes lèvres

et que ne puis pas exprimer.





Mais je ne me rappelle pas

«les jours de sérénité».

Évoquez-les encore,

et que leur échoà mes oreilles parvienne!





Parlez, et que vos paroles réveillent

sur mes lèvres, écho à leur appel strident,

un bruissement à l'unisson

de leur murmure.





Non, li m'est impossible

de faire revivre leur mémoire;

mais je sais qu'ils sont l'espérance

òu s'abreuve encore le monde

qui a nourri mon père.





........................................





Racontez-moi mon pays

ce pays qui semble un rêve

où se perd, où se noie

l'horizon de ma vie.





........................................





in La Poésie Arabe, Éditions Phébus, Paris, 1995

segunda-feira, agosto 11, 2008

DO MEU DIÁRIO

TERMINAÇÃO DO ANJO


Passada a surpresa do “estremeção” inicial, a leitura de TERMINAÇÃO DO ANJO de Daniel Abrunheiro decorreu-me sem sobressaltos, embora me tenha exigido uma grande concentração.

Apesar de já ter no activo muitas narrativas e algum cinema, nomeadamente de autores como Arthur Conan Doyle, Poe, Agatha Christy e Alfred Hitchcok, seria excessiva presunção da minha parte afirmar que nada me surpreendeu e não reconhecer a originalidade deste excelente autor de língua portuguesa. Se a leitura me decorreu sem sobressaltos, isso fica a dever-se à engenhosa forma de conduzir a narrativa, que tornou Camilo Ardenas e a sua actuação perfeitamente
verosímeis.

A surpresa maior há-de o leitor encontrá-la no diálogo entre Camilo Ardenas, o anjo terminador - de António Tomás Jesus Duque, Ismael Janeiro Lonas Arco e Orlando Gil Coura Serafim, ourives o primeiro, arquitecto o segundo e professor de latim o último – e Francisco Gabriel Andrade Corvo, o arcanjo, que trás colado ao nome outro Gabriel, bíblico e anunciador de vida.

O longo diálogo entre o anjo Camilo e o arcanjo Gabriel, que poderia ser apresentado sob outra forma, é em minha opinião uma intrusão curiosa do género dramático neste romance, como que a demonstrar que em literatura não há géneros puros.

O próprio título merece algumas palavras, porque permite que se instale desde o início alguma ambiguidade, que só vai desaparecer com a terminação do anjo terminador. Dir-se-ia que o investimento literário começa no próprio título.

Os futuros leitores de Daniel Abrunheiro, aqueles que desconhecem a sua produção lírica, hão-de, se de Eça tiverem sido leitores, notar o mesmo gozo na utilização inusitada das palavras, num romance onde não falta sequer uma ou mais referências à Senhora D. Patrocínia da RELÍQUIA.

Aqui ficam estas notas e uma pequena relação de verbos inventados por Daniel: “douraverdear”, “carneirar”, “mesmerizar”, “esponjar”, “nadegar”, “ginvermutar”, etc., para abrir o apetite a potenciais leitores.

Abrunheiro, Daniel, Terminação do Anjo, Portugália Editora, 1º Ed., Lx. 2008.


domingo, agosto 03, 2008

SESIMBRA




1
Quando o sol te morder a pele
E sentires o chamamento do mar,
Não hesites. Vai.

2

O meu reino daria
Por uma varanda sobre o mar.

Em Sesimbra,
Pois claro!

3

A proximidade do mar me basta.

Infelizmente,
Falta-me o pulmão
Para o desafiar
Em possantes braçadas.

4

Nunca aprendi a nadar.

Ah, os pequenos nadas
Da já longínqua infância!

5

Talvez um dia,
mãe,
Te traga comigo a ver o mar.

…Em Sesimbra.

Só então saberás
Quão bom seria
Saber nadar.

Sim, só então.