“Portugal é um país de poetas”, diz o povo; porém, o povo nem sempre sabe o que diz. Aceitemos, no entanto, o ditado como bom, acrescentando-lhe: “e de pavões”. Com este acrescento de minha lavra, teremos o precioso ditado: “Portugal é um país de poetas e pavões”.
Pelos poetas, que são desde tempos imemoriais os grandes oráculos da nossa civilização, tenho a maior simpatia. Pelos pavões, cujas caudas tanto agrado causam aos nossos olhos, tenho-os na conta de seres gráceis e dóceis da criação. Penso mesmo que o mundo ficaria empobrecido sem os belos pavões.
Pelos poetas, que são desde tempos imemoriais os grandes oráculos da nossa civilização, tenho a maior simpatia. Pelos pavões, cujas caudas tanto agrado causam aos nossos olhos, tenho-os na conta de seres gráceis e dóceis da criação. Penso mesmo que o mundo ficaria empobrecido sem os belos pavões.
Porém, não é das aves que vos falarei hoje. Vou falar-vos de outros pavões, ou seja, dos pavões-homens, que pululam entre nós e que constituem uma verdadeira casta nacional.
Os pavões-homens andam entre nós e dão nas vistas como se possuíssem magníficas caudas. Andam engravatados, opinam acerca de todas as coisas, frequentam os meios mais sofisticados, sentem-se capazes de ocupar todos os cargos, conduzem grandes máquinas, viajam para os países mais exóticos, aparecem nas colunas sociais, etc. Mas no fundo, quem é esta gente? Vou dizer-vos de memória um poema de Jacques Prévert, que se adapta bem ao tema que aqui vos trago:
Luís I
Luís II
Luís III
Luís IV
Luís V
Luís VI
Luís VII
Luís IX
Luís X
Luís XI
Luís XII
Luís XIII
Luís XIV
Luís XV
Luís XVI
Luís XVII
Luís XVIII
Mas afinal de contas,
Quem é esta gente
Que não sabe contar até vinte?
Mais ainda: o nosso homem-pavão corta o cabelo, há pelo menos vinte anos, no barbeiro onde ia o Presidente da República; é cliente do dentista do Professor Cavaco Silva; conhece ministros, secretários de estado e directores-gerais; dá-se como irmão com as vedetas mais famosas da televisão.
E que tal este retrato?
Traçado o retrato, pergunto: qual de vós, caríssimos e indulgentes leitores, não conhece meia dúzia de pavões? A vaidade é, com efeito, um pecado capital. E não é própria de seres inteligentes e capazes de reflectirem acerca da posição que ocupam no imenso cosmos. A vaidade assenta bem em seres mesquinhos, candidatos a títeres e tiranetes, que o tempo engole implacavelmente.
Os pavões-homens podem ser comparsas, mas nunca as personagens principais de uma ficção de qualidade. Mas cuidado, muito cuidado, meus amigos, com os pavões. Eles andam por aí, entre nós, e causam muitos estragos!
6 comentários:
Manuel, aquele que veio para nos recordar os nossos pecados!...
Pavões, os bichos, acho-os muito bonitos, os outros são-me indiferentes! O que me irrita mesmo são os abutres...
Nada disso, meu caro José! Faço constatações e estou-me nas tintas para o resto!
Se tivesses de aturar pavões todos os dias, talvez te não fossem indiferentes. Lido igualmente mal com os abutres.
Manuel,
Acho que estamos a falar de coisas diferentes, agora a sério. O que é a vaidade? Vaidade de pessoas? Acho que somos, de facto, governados por uma classe de engravatados, onde impera a iliteracia e a mediocridade. É a estes seres rastejantes que te referes?...
Caro José,
E por que carga de água havíamos de estar a falar de coisas diferentes?
Falo da vaidade "latu sensu", ou seja, da presunção ridícula, da ostentacão que ofende, da ilitercia e da mediocridade que vai governando o mundo, etc.
Terei acertado na "mouche"?
Já viste o texto sobre o UTR e o último SONETO (PORTUGUÊS)?
Durante a semana, se calhar vou a Castelo Branco. Se quiseres sair da cidade...
Abraço
Manuel,
Estamos de acordo, claro! Falava dos engravatados que nos governam, dos poderes de dentro e de fora!...Dos media e seus comentadores...Da insuportável tirania da aurea mediocritas!...
Há excepções, como sempre, há ilhas que tornam este mundo um pouco mais habitável! E há sempre os livros, a música, uma tarde de chuva e uma boa companhia, o vento a silvar entre os eucaliptos, o mar, o nosso mar,a amizade, a poesia...
Manel,
esqueci-me do convite para a ida a Castelo Branco, é claro que aceito.
Diz quando! Um abraço!
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