quarta-feira, outubro 22, 2008

FRAGMENT(À)RIAMEMTE

GRATAS
RECORDAÇÕES

A minha idade é assim – verde, sentada.
Tocando para baixo as raízes da eternidade.

Herberto Hélder







JUNHO

Nas manhãs de Junho,
Quando o sol tudo doirava,
A nossa casa era também
A sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Guardo memória, mãe!,
Da nossa rua térrea
E vejo-te jovem
Algodão dobando
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Nas manhãs de Junho,
Quando o trigo amadurecia
E eu brincava, brincava
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Fazia-te mil perguntas
- Mil ou muitas mais –,
E tu respondias sem enfado
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

E eu era feliz
E tu eras feliz, mãe!
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.

Do outro lado da rua
À sombra da oliveira.





E O TEMPO FLUÍA


Plácido o tempo fluía,
As cigarras cantavam
E as cerejas amadureciam.


E dentro de nós,
Ai, amiga!,
O divino fogo ardia.


De mão na mão,
Apressados,
Descíamos até ao rio
E era à sombra dos freixos,
Pausadamente,
Que tudo acontecia.



COM A NATUREZA


Nos regatos e nas fontes
Água cristalina bebi.


Nos silvedos dos caminhos,
Amoras bravias colhi.


Nos cocurutos das figueiras,
Sadios figos comi.


Nas sombras amigas dos choupos,
Lindas histórias ouvi.


Mas um dia,
Pelos sonhos embalado,
Fui ver o mundo
E tudo perdi.





O VERÃO


No verão,
Quando o sol
Incendiava os dias,
Era à sombra
Da figueira branca,
Junto ao poço,
Que a nossa família
Se acolhia.


Pacientemente,
Meu avô
Descascava então
Figos de piteira
Que eu comia.


Saciada a sede
E distribuído o pão,
Muito feliz,
Minha avó dizia:
- Abençoado seja o verão!...




MEMÓRIA – 1

(Em memória de minha avó paterna)


Muito erecta em seu balcão,
De cores tristes vestida,
Cantava toda a manhã.

Os cabelos penteava
E rimas lançava ao vento
Pr’ afastar a solidão.

Sua voz tinha magia,
Tristeza muita e profunda,
E cantava todo o dia…

Ó querida velha tonta!,
-Minha esmeralda perdida,
Onde cantarás agora?




MEMÓRIA – 2

(Em memória de minha avó paterna)

Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
No teu banquinho sentada
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
De viuvez vestida
Ansiosamente olhando
Mas não vendo nada.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Velho tronco devastado
Pelo simples fluir
Inexorável dos dias.


Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Vivo o lume
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.




1 comentário:

João de Sousa Teixeira disse...

Olá, Manel, como vão esses ossos?

Pois é assim: nunca sei muito bem a fronteira entre o pueril e o naif, mas os teus versos andam por aí.
É a catarze dos cinquenta... eu tenho os meus à espera que a editora diga qualquer coisa: "Prova de Vida".
Um abraço
João