sexta-feira, março 30, 2007

FRAGMENTOS DO MEU DIÁRIO

Para o Zé Ribeiro, amigo de ambos.
Santa Iria de Azóia, 24 de Setembro de 2000 - António Lobo Antunes, comummente considerado l’ enfant terrible da literatura portuguesa, recebeu hoje, na Casa de Mateus em Vila Real, o Prémio D. Dinis. Não é conhecida nenhuma das habituais reacções do autor de Manuel dos Inquisidores. Assim, poder-se-á dizer que o Portugal institucional e o escritor estão de pazes feitas. Por outras palavras: como a idade tudo traz, António tornou-se, também ele, mais institucional. De velho, oxalá, há-de morrer nesta nossa querida terra lusa, com todos os sacramentos cristãos ministrados.

Tinha algum jeito deixar-nos aqui mais sós e ir viver na tola América ou na bárbara Alemanha? Lá onde ninguém saberia sofrer e torcer pelo Benfica?
Lisboa, 4 de Outubro de 2000 - Nunca imaginei António Lobo Antunes a posar para a posteridade com o neto ao colo. Agora é absolutamente seguro de que já não emigrará.

Afinal de contas os portugueses estimam-no e até lhe permitem viver só da escrita. Será que se despediu do Miguel Bombarda? Ou estará com licença sem vencimento? Ou nem uma coisa nem outra? É evidente que Lobo Antunes é uma personalidade importante, mas diz coisas mais ou menos irresponsáveis. Se desde tão cedo sentiu aquela necessidade irreprimível de escrever e se assume como um artífice da palavra, um artífice que trabalha a palavra como o ourives trabalha a filigrana, então é seguro que o trabalho do psiquiatra foi relegado para segundo plano.

Sou um leitor de Lobo Antunes, desde Memória de Elefante. De Lobo Antunes e da sua obra tenho falado aos meus alunos. Achei imensa piada ao mais irreverente dos escritores portugueses dos últimos vinte anos, sobretudo quando perdia imenso tempo à procura de um naco de prosa sem palavrões para preparar exercícios. Mas este Lobo Antunes de neto ao colo... É homem para nos fazer grandes surpresas. Um dia destes, mordido pelo remorso, faz as pazes com José de Sousa e volta a acreditar na política. Votam ambos em Sampaio para Presidente e candidatam-se pela CDU à Assembleia Municipal de Lisboa.

3 comentários:

José Antunes Ribeiro disse...

Manel:)
Obrigado pela dedicatória! É verdade que sou amigo de ambos. Mas, como bem sabes, o António é para mim o exemplo perfeito de alguém que tudo sacrificou pela literatura...até a própria família! E não te iludas com a imagem do neto ao colo! Continuará sempre a "disfarçar" os seus próprios sentimentos! Mas eu creio que o que nos dá a todos é insubstituível. E,já agora, posso garantir-te que nem ele nem o José de Sousa farão as pazes...E o António continuará afastado da política, esta que comanda as nossas vidas!...O que eu aguardo dele são novos livros!...E já agora para igualar o José de Sousa Saramago, venha lá o Nobel...

Manuel da Mata disse...

Sabes, meu amigo, a data dos textos. E também o interesse que suscita o António. Mas não confundo o homem com o artista.

Sabes que o Machado escreveu mais ou menos isto: eu não vos devo nada, vocês é que me devem os versos que vos dei. Provavelmente, o António poderia dizer o mesmo.

Ainda acerca do António. Eu gostaria que lhe atribuíssem o Nobel, mas que o prémio não tivesse a componente monetária.O que é que achas?

Um abraaaaaço.

José Antunes Ribeiro disse...

Manel:)

E porque não a componente monetária?!...Que, pelo menos,o António possa escrever sem ter de se preocupar com essa coisa complicada que é a sobrevivência quotidiana. E quantos escritores em Portugal podem dizer o mesmo?!
E de quem é a culpa...se culpa há?!...