
domingo, abril 15, 2007
quinta-feira, abril 12, 2007
quarta-feira, abril 11, 2007
QUADRAS
Uma quadra bem urdida,
Na mais pura tradição,
Tem de ter justa medida,
Sentimento e emoção.
*
Portugal é ‘ma desgraça
E de aldrabões bom retiro.
O povo vive com traça,
Enriquece o ti Belmiro.
*
Inda conheci Lisboa,
No falar bem colorida.
Era urbe franca e boa,
Muito alegre e divertida.
*
Ia-se à Feira Popular
Pelo cheiro da sardinha.
E as criadas namorar,
Quando vinham da terrinha.
*
Que é feito do bom tintol
Das tascas d’antigamente?
Canta, canta rouxinol,
Que anda triste a nossa gente.
*
Castelo Branco tem praia,
Disseram na tel(e)visão.
E a boa gente da raia
Vem a banhos de excursão.
Na mais pura tradição,
Tem de ter justa medida,
Sentimento e emoção.
*
Portugal é ‘ma desgraça
E de aldrabões bom retiro.
O povo vive com traça,
Enriquece o ti Belmiro.
*
Inda conheci Lisboa,
No falar bem colorida.
Era urbe franca e boa,
Muito alegre e divertida.
*
Ia-se à Feira Popular
Pelo cheiro da sardinha.
E as criadas namorar,
Quando vinham da terrinha.
*
Que é feito do bom tintol
Das tascas d’antigamente?
Canta, canta rouxinol,
Que anda triste a nossa gente.
*
Castelo Branco tem praia,
Disseram na tel(e)visão.
E a boa gente da raia
Vem a banhos de excursão.
segunda-feira, abril 09, 2007
quarta-feira, abril 04, 2007
segunda-feira, abril 02, 2007
FRAGMENTOS DO MEU DIÁRIO
Será que o senhor Paulo de Azevedo vai cumprir a promessa, depois das peripécias da OPA lançada sobre a PT?
Santa Iria de Azóia, 13 de Novembro de 2000 - Um tal Paulo Azevedo, que não sei quem seja, ameaça, segundo o “Expresso” de sábado, abandonar Portugal, se não lhe derem uma parte no negócio das telecomunicações(?).
Já escrevi neste Diário que o patriotismo é um sentimento das classes populares. O povoléu é que se entretém com os negócios estéreis de lutar por territórios e por pátrias, As pessoas bem-nascidas dedicam-se a negócios outros, mais produtivos e agradáveis. São eles que tudo dominam. Escolhem os governadores a seu bel-prazer, mesmo que tenham de os submeter a uma pretensa escolha popular. Vejamos: Balsemão é dono do “Expresso” ( de algumas publicações mundanas) e da SIC; Azevedo(s) é dono do “Público” e mexe com as telecomunicações e com a distribuição alimentar; a PT, que neste momento não sei ao certo de quem é, é dona do “DN”, da “TSF”, do “Jornal de Notícias”, do “Jornal do Fundão”, de quase todas as salas de cinema do país, etc. É esta gente que decide quem nos governa. É esta gente que suga as tetas da pátria até ao tutano. É esta gente quem come tudo e não deixa nada, como cantava o saudoso José Afonso. E é esta gente que, quando não é apaparicada como julga merecer, ameaça desertar. Que desertem, pois, todos estes patriotas do cifrão, que fazem tanta falta como uma viola num enterro. Porque outros virão para sugar a teta da pátria até ao tutano.
Refractários a ideais nobres, os grandes senhores tratam a pátria como uma vulgar prostituta. Servem-se dela enquanto precisam e renegam-na logo que se apanham servidos. Decididamente, o patriotismo é um sentimento do povoléu estulto, boçal e inculto.
domingo, abril 01, 2007
sexta-feira, março 30, 2007
FRAGMENTOS DO MEU DIÁRIO
Para o Zé Ribeiro, amigo de ambos.
Santa Iria de Azóia, 24 de Setembro de 2000 - António Lobo Antunes, comummente considerado l’ enfant terrible da literatura portuguesa, recebeu hoje, na Casa de Mateus em Vila Real, o Prémio D. Dinis. Não é conhecida nenhuma das habituais reacções do autor de Manuel dos Inquisidores. Assim, poder-se-á dizer que o Portugal institucional e o escritor estão de pazes feitas. Por outras palavras: como a idade tudo traz, António tornou-se, também ele, mais institucional. De velho, oxalá, há-de morrer nesta nossa querida terra lusa, com todos os sacramentos cristãos ministrados.
Tinha algum jeito deixar-nos aqui mais sós e ir viver na tola América ou na bárbara Alemanha? Lá onde ninguém saberia sofrer e torcer pelo Benfica?
Lisboa, 4 de Outubro de 2000 - Nunca imaginei António Lobo Antunes a posar para a posteridade com o neto ao colo. Agora é absolutamente seguro de que já não emigrará.
Afinal de contas os portugueses estimam-no e até lhe permitem viver só da escrita. Será que se despediu do Miguel Bombarda? Ou estará com licença sem vencimento? Ou nem uma coisa nem outra? É evidente que Lobo Antunes é uma personalidade importante, mas diz coisas mais ou menos irresponsáveis. Se desde tão cedo sentiu aquela necessidade irreprimível de escrever e se assume como um artífice da palavra, um artífice que trabalha a palavra como o ourives trabalha a filigrana, então é seguro que o trabalho do psiquiatra foi relegado para segundo plano.
Sou um leitor de Lobo Antunes, desde Memória de Elefante. De Lobo Antunes e da sua obra tenho falado aos meus alunos. Achei imensa piada ao mais irreverente dos escritores portugueses dos últimos vinte anos, sobretudo quando perdia imenso tempo à procura de um naco de prosa sem palavrões para preparar exercícios. Mas este Lobo Antunes de neto ao colo... É homem para nos fazer grandes surpresas. Um dia destes, mordido pelo remorso, faz as pazes com José de Sousa e volta a acreditar na política. Votam ambos em Sampaio para Presidente e candidatam-se pela CDU à Assembleia Municipal de Lisboa.
quarta-feira, março 28, 2007
SANTA IRIA (PARQUE URBANO)
terça-feira, março 27, 2007
ERÓTICAS
Texto anónimo, encontrado
recentemente em Jerusalém.
Ao fundo da barriguinha,
tens uma porta secreta.
É a passagem prá vinha,
muito real e concreta.
Quando nela poiso a mão,
depressa se ergue a tranquita.
Devagar transponho então
essa dilecta portita.
E depois perco o juízo
como o velho Salomão.
E uma vez no paraíso
é copular até mais não.
recentemente em Jerusalém.
Ao fundo da barriguinha,
tens uma porta secreta.
É a passagem prá vinha,
muito real e concreta.
Quando nela poiso a mão,
depressa se ergue a tranquita.
Devagar transponho então
essa dilecta portita.
E depois perco o juízo
como o velho Salomão.
E uma vez no paraíso
é copular até mais não.
segunda-feira, março 26, 2007
CASCAIS (FAROL DO GUINCHO)
MR FRED
domingo, março 25, 2007
SANTA IRIA (PARQUE URBANO)
SANTA IRIA (PARQUE URBANO)
sexta-feira, março 23, 2007
CONFISSÃO
Estou a ficar cansado - não do débito e crédito Rosiano -, mas das alíneas dos números dos artigos das leis e dos decretos-leis, produzidos por juristas preclaros, e também dos números das circulares e dos ofícios-circulados, através dos quais os directores –gerais, debitam para o vulgar o que se deve entender que entenderam, repito, os preclaros juristas.
Não sou um funcionário triste nem alegre, porque a um funcionário não se pede nem se paga para ser triste ou alegre. Um funcionário é um funcionário, despido de adjectivos, como diria o sempre delicioso Caeiro. Cansado, sim, que a leitura e a exegese das alíneas dos números dos artigos das leis e dos decretos-leis, absorvem e ocupam um espaço desmesurado na minha mente.
Objectivamente, sou um funcionário cansado e estranho que só agora me ocorra este cansaço, quando passei muitas tardes de domingo a olhar o Tejo e os bandos de aves em viagem e eu fui ficando, ficando, ficando e nunca arranjei coragem para mandar às malvas as alíneas dos números dos artigos das leis e dos decretos-leis e ir com as aves.
Não sou um funcionário triste nem alegre, porque a um funcionário não se pede nem se paga para ser triste ou alegre. Um funcionário é um funcionário, despido de adjectivos, como diria o sempre delicioso Caeiro. Cansado, sim, que a leitura e a exegese das alíneas dos números dos artigos das leis e dos decretos-leis, absorvem e ocupam um espaço desmesurado na minha mente.
Objectivamente, sou um funcionário cansado e estranho que só agora me ocorra este cansaço, quando passei muitas tardes de domingo a olhar o Tejo e os bandos de aves em viagem e eu fui ficando, ficando, ficando e nunca arranjei coragem para mandar às malvas as alíneas dos números dos artigos das leis e dos decretos-leis e ir com as aves.
SONETO (PORTUGUÊS) -IX
Nuno foi o braço e a mente
Que Portugal defendeu
Da castelhana gente.
Títulos e riquezas recebeu
De seu amigo João de Avis,
Cujo arnês envergou
Quando Leonor, mãe de Beatriz,
Cavaleiro o armou.
Destemido herói medieval,
Escolheu o caminho certo
E terçou armas por Portugal.
Ilustre patrono da infantaria,
Nuno foi o grande arquitecto
Da lusitana soberania.
Que Portugal defendeu
Da castelhana gente.
Títulos e riquezas recebeu
De seu amigo João de Avis,
Cujo arnês envergou
Quando Leonor, mãe de Beatriz,
Cavaleiro o armou.
Destemido herói medieval,
Escolheu o caminho certo
E terçou armas por Portugal.
Ilustre patrono da infantaria,
Nuno foi o grande arquitecto
Da lusitana soberania.
quinta-feira, março 22, 2007
quarta-feira, março 21, 2007
terça-feira, março 20, 2007
DIA MUNDIAL DA POESIA
Dá-me alegria,
ó musa,
para celebrar
a poesia!
E não me faltes
com a tusa,
neste dia!
Ouve bem,
musa,
alegria
e tusa,
ou tusa
e alegria,
tanto faz!
ó musa,
para celebrar
a poesia!
E não me faltes
com a tusa,
neste dia!
Ouve bem,
musa,
alegria
e tusa,
ou tusa
e alegria,
tanto faz!
segunda-feira, março 19, 2007
SONETO (PORTUGUÊS) - VIII
Era Verão… E Mariana ardia,
Na fresquidão dos claustros.
Caóticos,
Os seus pensamentos voavam,
Voavam obre as montanhas,
As planícies e os rios.
Em vão procuravam
O cavaleiro Chamilly.
De seus olhos negros,
Lágrimas apaixonadas caíam.
Lágrimas sentidas,
Que Chamilly jamais veria.
E na fresquidão dos claustros
Mariana ardia… ardia…
Na fresquidão dos claustros.
Caóticos,
Os seus pensamentos voavam,
Voavam obre as montanhas,
As planícies e os rios.
Em vão procuravam
O cavaleiro Chamilly.
De seus olhos negros,
Lágrimas apaixonadas caíam.
Lágrimas sentidas,
Que Chamilly jamais veria.
E na fresquidão dos claustros
Mariana ardia… ardia…
sábado, março 17, 2007
D. PEPE
sexta-feira, março 16, 2007
SE EU FOSSE COMO CAMÕES
Republicação
Se eu fosse como Camões,
Havia de te fazer,
Amor, versos geniais,
Muitas trovas de encantar!
Pintar-te-ia morena
E de outras cores sadias.
Blusa vermelha decerto
E calças de ganga azul.
Assim irias à fonte
- Discreta como se vê -,
Leda e bela ao meu encontro.
E haveria de deixar
Teu rosto ruborizado
Com mil beijos, mil ou mais.
Se eu fosse como Camões,
Havia de te fazer,
Amor, versos geniais,
Muitas trovas de encantar!
Pintar-te-ia morena
E de outras cores sadias.
Blusa vermelha decerto
E calças de ganga azul.
Assim irias à fonte
- Discreta como se vê -,
Leda e bela ao meu encontro.
E haveria de deixar
Teu rosto ruborizado
Com mil beijos, mil ou mais.
quinta-feira, março 15, 2007
JUNHO
Plácido o tempo fluía,
as cigarras cantavam
e as cerejas amadureciam.
E dentro de nós,
ai amiga!,
o divino fogo ardia.
De mão na mão,
apressados,
descíamos até ao rio
e era à sombra dos freixos,
paulatinamente,
que tudo acontecia.
as cigarras cantavam
e as cerejas amadureciam.
E dentro de nós,
ai amiga!,
o divino fogo ardia.
De mão na mão,
apressados,
descíamos até ao rio
e era à sombra dos freixos,
paulatinamente,
que tudo acontecia.
MATA (UNIÃO FELIZ)
terça-feira, março 13, 2007
MATA (OLIVAL)
segunda-feira, março 12, 2007
AMO
Amo os dias luminosos
E fogosos do Verão,
À beira mar, vagarosos
E com muita animação.
Amo as formosas gazelas
Nos suaves areais.
Meus olhos partem com elas
Em seus passeios ‘stivais.
Amo os frutos saborosos,
Porém, o Outono não.
Quando cinzento e chuvoso
Lança-me na depressão.
Amo o crepitar do pinho
E uma boa cavaqueira.
Amo a cor rubi do vinho,
No conforto da lareira.
E fogosos do Verão,
À beira mar, vagarosos
E com muita animação.
Amo as formosas gazelas
Nos suaves areais.
Meus olhos partem com elas
Em seus passeios ‘stivais.
Amo os frutos saborosos,
Porém, o Outono não.
Quando cinzento e chuvoso
Lança-me na depressão.
Amo o crepitar do pinho
E uma boa cavaqueira.
Amo a cor rubi do vinho,
No conforto da lareira.
MATA (CAPELA DE S. PEDRO)

Suponho que é uma construção dos fins dos anos quarenta ou princípios dos anos cinquenta. Prima pela simplicidade.
Ali mora S. Pedro, sozinho, que é uma espécie de sentinela avançada para defesa da população da Mata.
À frente da capela, jogávamos futebol tardes inteiras. Sem uma gota de água para molhar a garganta.
domingo, março 11, 2007
MATA (OLIVAL)
MATA (LIMOEIROS E OLIVEIRAS)
sábado, março 10, 2007
sexta-feira, março 09, 2007
DO AMOR
É em pequenino
Que se aprende
A amar a sério,
Porque o amor,
Aprendido assim,
Não tem mistério.
Que se aprende
A amar a sério,
Porque o amor,
Aprendido assim,
Não tem mistério.
quinta-feira, março 08, 2007
AMIGO de MONTESINHO
Antero dos Inocentes,
Trovador de inspiração,
Dá-nos versos comoventes:
Uns com mais fel, outros não.
Arranja sempre um motivo
Para versejar com graça.
Ora calmo ora emotivo,
Bonitos retratos traça.
Nunca perde a compostura,
- quem me dera ser assim! –
arranha com tal doçura,
com ironia sem fim…
Há dias até ousou
‘screver ao senhor Bagão.
E com risinhos mostrou
Como vai esta nação.
O seu culto da humildade
Não s’ pode levar a mal.
É um poço de qualidade,
Coisa rara em Portugal.
Trovador de inspiração,
Dá-nos versos comoventes:
Uns com mais fel, outros não.
Arranja sempre um motivo
Para versejar com graça.
Ora calmo ora emotivo,
Bonitos retratos traça.
Nunca perde a compostura,
- quem me dera ser assim! –
arranha com tal doçura,
com ironia sem fim…
Há dias até ousou
‘screver ao senhor Bagão.
E com risinhos mostrou
Como vai esta nação.
O seu culto da humildade
Não s’ pode levar a mal.
É um poço de qualidade,
Coisa rara em Portugal.
MATA (CASA-OFICINA)
quarta-feira, março 07, 2007
Mr FRED
terça-feira, março 06, 2007
MATA (UM FORNO EM RUÍNAS)
segunda-feira, março 05, 2007
O CASTELO DE SESIMBRA
domingo, março 04, 2007
MAGNÓLIAS
sexta-feira, março 02, 2007
MATA (CENTRO DE DIA)
quinta-feira, março 01, 2007
PONTE VASCO DA GAMA
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
COMO SE FOSSE ONTEM
Novembro de 1979. Vinte e nove ou trinta, pouco interessa. Batem as três da madrugada, no aeroporto da Portela. Vem de Tunes ou de outro sítio qualquer. Yasser Arafat, o mouro, pisa terras cristãs de Luso. Silas Cerqueira, Cunha Serra, Gualter Basílio e outros, aguardam o terrorista que fala como os poetas.
Lisboa é o centro do mund. Eden Pastora - que depois foi o que se sabe-; chega com passaporte diplomático, mas sem um tostão para gastar. Pedro Medina, que os deuses chamaram a si muito cedo, pagou medicamentos do seu próprio bolso. Daniel Ortega é o homem forte em Manágua.
Nanna Amida, do Assafir de Beitrute e do Le Monde, havia de chegar depois, com os seus cabelos de azeviche sobre as nádegas. Sim, a porta-voz dos negociadores de Bagdad, na Suiça, antes da primeira guerra do Golgo.
Lurdes Pintasilgo é a chefe do governo de Portugal. Ramalho Eanes, o presidente. Lisboa é o centro do mundo e Portugal um país decente.
Arafat, na Aula Magna, declara que já não há lugar para mais mortos na Terra Santa da Palestina.
Portugal é ainda anfitrião de causas nobres. Lisboa é o centro do mundo!
terça-feira, fevereiro 27, 2007
MEMÓRIA
MEMÓRIA
(Em memória de minha avó paterna,
Maria, de seu nome completo).
Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
No teu banquinho sentada
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.
Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
De viuvez vestida
Ansiosamente olhando
Mas não vendo nada.
Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Velho tronco devastado
Pelo simples fluir
Inexorável dos dias.
Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Vivo o lume
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.
(Em memória de minha avó paterna,
Maria, de seu nome completo).
Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
No teu banquinho sentada
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.
Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
De viuvez vestida
Ansiosamente olhando
Mas não vendo nada.
Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Velho tronco devastado
Pelo simples fluir
Inexorável dos dias.
Vejo-te sempre ali
Junto à lareira
Vivo o lume
Os olhos muito abertos
Mas já sem brilho.
domingo, fevereiro 25, 2007
YASSER ARAFAT
Nas ruínas da Muqata
- o seu quartel-general -,
em campa muito pacata
jaz um mito universal.
Muitas vezes foi vencido,
Mas nunca foi derrotado.
De seu povo era querido,
Pelo mundo respeitado.
Era o homem do turbante
Por Israel combatido.
Físico insignificante?
Sim, mas forte e decidido.
Combatente de primeira;
Contudo, sempre acossado.
Era o mastro e a bandeira
da Nação-futuro-Estado
- o seu quartel-general -,
em campa muito pacata
jaz um mito universal.
Muitas vezes foi vencido,
Mas nunca foi derrotado.
De seu povo era querido,
Pelo mundo respeitado.
Era o homem do turbante
Por Israel combatido.
Físico insignificante?
Sim, mas forte e decidido.
Combatente de primeira;
Contudo, sempre acossado.
Era o mastro e a bandeira
da Nação-futuro-Estado
quinta-feira, fevereiro 15, 2007
AS NOSSAS OLIVEIRAS
Viram-te nascer e conhecem de cor os teus segredos. Foram a tua companhia, silenciosa e segura, durante centenas de anos.
Deram-te sombra, nem sempre boa, é certo, nos tórridos dias do Verão; a luz possível, antes do advento da electricidade; o calor nos Invernos, às vezes, tão longos e rigorosos; o tempero para a panela pobre, que tornava o feijão e a couve menos ásperos; o dinheiro para muitos dos restantes e indispensáveis bens.
E também, é justo que se diga, muito e aturado trabalho e servidão.
De qualquer modo, moldaram-te o carácter. Com elas aprendeste a mansidão e a austeridade. Por isso mesmo, nunca foste dada a sobressaltos e a paixões. Em toda a minha vida, apenas ouvi falar de um crime passional, perpetrado por um homem, a quem o amor de uma mulher não quis servir. Foi muito antes de eu ter nascido e já passei há muito pelos cinquenta.
Benditas sejam para sempre as nossas oliveiras!
Deram-te sombra, nem sempre boa, é certo, nos tórridos dias do Verão; a luz possível, antes do advento da electricidade; o calor nos Invernos, às vezes, tão longos e rigorosos; o tempero para a panela pobre, que tornava o feijão e a couve menos ásperos; o dinheiro para muitos dos restantes e indispensáveis bens.
E também, é justo que se diga, muito e aturado trabalho e servidão.
De qualquer modo, moldaram-te o carácter. Com elas aprendeste a mansidão e a austeridade. Por isso mesmo, nunca foste dada a sobressaltos e a paixões. Em toda a minha vida, apenas ouvi falar de um crime passional, perpetrado por um homem, a quem o amor de uma mulher não quis servir. Foi muito antes de eu ter nascido e já passei há muito pelos cinquenta.
Benditas sejam para sempre as nossas oliveiras!
terça-feira, fevereiro 13, 2007
MEMÓRIA E DRAMA
Nas manhãs de Junho,
Quando o sol tudo doirava,
A nossa casa era também
A sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
Guardo memória, mãe!,
Da nossa rua térrea
E vejo-te jovem
Algodão dobando
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
Nas manhãs de Junho,
Quando o trigo amadurecia
E eu brincava brincava
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
Fazia-te mil perguntas
- mil ou muitas mais -
E tu respondias sem enfado
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
E eu era feliz
E tu eras feliz, mãe!,
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
Do outro lado da rua
À sombra da oliveira.
Quando o sol tudo doirava,
A nossa casa era também
A sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
Guardo memória, mãe!,
Da nossa rua térrea
E vejo-te jovem
Algodão dobando
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
Nas manhãs de Junho,
Quando o trigo amadurecia
E eu brincava brincava
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
Fazia-te mil perguntas
- mil ou muitas mais -
E tu respondias sem enfado
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
E eu era feliz
E tu eras feliz, mãe!,
À sombra da oliveira
Do outro lado da rua.
Do outro lado da rua
À sombra da oliveira.
domingo, fevereiro 11, 2007
O FLUIR DO TEMPO
O tempo tudo devora
no seu fluir incessante.
Muda o mundo em cada hora
e a verdade em cada instante.
Vão as horas vão os dias,
vão os meses vão os anos;
Breves são as alegrias,
tantos são os desencantos.
no seu fluir incessante.
Muda o mundo em cada hora
e a verdade em cada instante.
Vão as horas vão os dias,
vão os meses vão os anos;
Breves são as alegrias,
tantos são os desencantos.
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
SIM
Termina hoje, à meia-noite, a campanha de propaganda pró e contra a chamada interrupção voluntária da gravidez (IVG). Domingo, através do instituto do referendo, os portugueses vão exercer o seu direito de voto e dizer de sua justiça.
A campanha termina apaixonadíssima na blogosfera; porém, um tanto ou quanto chocha, nas ruas e nos espaços públicos tradicionais. Ainda assim, têm-se ouvido até à exaustão velhos argumentos e pseudo-argumentos, nomeadamente por parte dos defensores do NÃO, que são os mesmos do costume, menos o major Valentim Loureiro.
Da parte do SIM, porque alguém lembrou que era bom não radicalizar a questão, os seus defensores têm sido efectivamente comedidos e de um modo geral repetitivos. Pugnam por uma causa que reputam de justa e indispensável para acabar com a igomínia do aborto clandestino.
Sou defensor do SIM pelas seguintes razões:
1. Sendo uma questão do foro íntimo da mulher, penso que não tenho o direito de exigir ao Estado, que, em nome da sociedade, puna as mulheres que decidam abortar até às dez semanas.
2. Penso que a sociedade não tem o direito de impor regras a seu bel-prazer - e de punir as mulheres que recorrem ao aborto, quantas vezes em condições infames -, quando é incapaz de ser equitativa e solidária.
3. A lei existente é retrógrada - e por isso mesmo é tão desrespeitada -, e só beneficia os negócios obcuros que se instalaram à volta do aborto clandestino.
4. Quero que os meus impostos sirvam para tratar também desta questão de saúde pública, porque desejo que as minhas concidadãs sejam tratadas com o respeito que é devido a todos os seres humanos.
5. Desejo que a natalidade ocorra de forma livre e consciente.
Se os meus leitores, que não conheço na sua totalidade, me puderem acompanhar nesta escolha, domingo votaremos SIM.
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
CONVERSAS INACABADAS
Nunca diremos tudo o que havia para dizer, porque é da natureza das coisas as conversas ficarem inacabadas. É certo que por pudor – ou outra razão qualquer –, passamos ao lado de coisas importantes, decisivas, fundamentais. Foi sempre assim e assim continuará a ser.
Quando eu era menino e me perguntavas de quem eu gostava mais, se de ti ou de minha mãe, respondia-te da forma mais convencional, ortodoxa, previsível: gosto dos dois. E hoje sei, de ciência segura, quão verdadeira era a minha pueril resposta.
Nunca te terei dito “gosto muito de ti”, ou “és o meu ídolo” ou ainda “amo-te muito”. Estas coisas comezinhas estavam para além da nossa gramática quotidiana e excediam a nossa intimidade comedida E no entanto, ambos sabemos quanto nos amámos sempre.
Estas palavras, que neste momento escrevo, entre um café e dois golos de água, não as ouvirás jamais da minha boca. Ainda por pudor, não era hoje que te iria dizer estas coisas, que apenas aumentariam a tua comoção. O que te juro – é palavra de homem –, é que tens um lugar único, no meu coração.
Quando eu era menino e me perguntavas de quem eu gostava mais, se de ti ou de minha mãe, respondia-te da forma mais convencional, ortodoxa, previsível: gosto dos dois. E hoje sei, de ciência segura, quão verdadeira era a minha pueril resposta.
Nunca te terei dito “gosto muito de ti”, ou “és o meu ídolo” ou ainda “amo-te muito”. Estas coisas comezinhas estavam para além da nossa gramática quotidiana e excediam a nossa intimidade comedida E no entanto, ambos sabemos quanto nos amámos sempre.
Estas palavras, que neste momento escrevo, entre um café e dois golos de água, não as ouvirás jamais da minha boca. Ainda por pudor, não era hoje que te iria dizer estas coisas, que apenas aumentariam a tua comoção. O que te juro – é palavra de homem –, é que tens um lugar único, no meu coração.
sábado, fevereiro 03, 2007
TRIPTICO
I
Para o José Ribeiro, que ouve Bach.
E logo hoje,
Que eu precisava tanto de um dia azul,
Alegre e límpido,
(oh, se precisava!)
A Natureza submerge-me de cinzento,
Tristeza e bruma.
Que mal te terei feito,
Pergunto-te,
Para me tratares assim,
Ó grande Mãe?!
Porque contrarias,
Tão pertinazmente
Os meus desejos simples
De azul, alegria e limpidez?
Porquê?
II
Eu aprecio imenso
As fotografias geladas
E brumosas
Da Papu
E do Daniel Abrunheiro.
Porém,
Trago em mim a ansiedade
Das amendoeiras floridas
No fim de Fevereiro.
III
Definitivamente,
O meu tempo é outro:
Abril
Com suas águas mil
(ó grande António Machado!);
Maio
Com todas as flores;
Junho
Com os primeiros figos
E cerejas maduras.
Definitivamente,
O meu tempo é outro.
Para o José Ribeiro, que ouve Bach.
E logo hoje,
Que eu precisava tanto de um dia azul,
Alegre e límpido,
(oh, se precisava!)
A Natureza submerge-me de cinzento,
Tristeza e bruma.
Que mal te terei feito,
Pergunto-te,
Para me tratares assim,
Ó grande Mãe?!
Porque contrarias,
Tão pertinazmente
Os meus desejos simples
De azul, alegria e limpidez?
Porquê?
II
Eu aprecio imenso
As fotografias geladas
E brumosas
Da Papu
E do Daniel Abrunheiro.
Porém,
Trago em mim a ansiedade
Das amendoeiras floridas
No fim de Fevereiro.
III
Definitivamente,
O meu tempo é outro:
Abril
Com suas águas mil
(ó grande António Machado!);
Maio
Com todas as flores;
Junho
Com os primeiros figos
E cerejas maduras.
Definitivamente,
O meu tempo é outro.
domingo, janeiro 28, 2007
AS PEQUENAS MEMÓRIAS
Li com muito interesse As Pequenas Memórias de José Saramago, ou seja, com o interesse com que já tinha devorado os “Cadernos de Lanzarote” e todos os romances até a “A Caverna”. E atribui-lhe o prémio Nobel, nas páginas do meu Diário, mesmo antes da Academia de Estocolmo. Porém, depois de 98 falou-se tanto de Saramago e Saramago de si mesmo, que passei anos sem ler de ou escrever sobre o nosso prémio Nobel.
Dir-se-ia que As Pequenas Memórias são isso mesmo, as pequenas memórias de um garoto que viera da aldeia para a Lisboa, “quando ainda não tinha dois anos.” Porém, à aldeia há-de voltar amiúde, na infância e na adolescência, para junto dos seus avós maternos, Jerónimo e Josefa.
O pequeno José de Sousa – Saramago por acaso, que o destino tem destes caprichos -, dá-nos conta do modo como ocupava o tempo, ora descobrindo os recantos do Almonda e do Tejo, ora ajudando nas tarefas da pecuária familiar. Vale a pena recordar a passagem da limpeza da pocilga. Quando começou a chover, o “Zezito” preparava-se para abandonar o trabalho; porém, o avô disse-lhe que tarefa que se começa, se leva até ao fim. E se dela falo aqui e agora, é porque esta história tem tudo a ver com a formação de um carácter. Foi por esta e por outras que, muito provavelmente, Saramago se tornou um homem perseverante e rigoroso.
Na vida citadina de Saramago, impressionaram-me-me muito aquelas mudanças de residência. E sobretudo, o viver em comunidade, isto é, na mesma casa com várias famílias, num despojamento completo de espaço e objectos. Penso que Saramago nos traça ao longo destas memórias um retrato rigoroso da miserável Lisboa popular dos anos vinte.
Numa última nota, quero observar que Saramago demonstra grande distanciação pela figura do pai, agente da polícia, que não seria propriamente um modelo de virtudes. E talvez aqui esteja a explicação para uma permanente valorização de figuras femininas: Blimunda, Lídia, Gracinda Mau-Tempo e tantas outras.
sábado, janeiro 27, 2007
SONETO (PORTUGUÊS - VII
Já começo a andar farto
Do patati-patatá
Da nossa vida política.
Eu amo a democracia,
Verdadeira e criativa,
Alegre e multicolor.
Essa coisa laranjosa,
A que chamam o centrão,
Tão sofista e batoteira,
Tornou-se ameaçadora.
Os detentores do poder
Usam a democracia
Para Portugal tragar.
Oh, que aves de rapina!
Do patati-patatá
Da nossa vida política.
Eu amo a democracia,
Verdadeira e criativa,
Alegre e multicolor.
Essa coisa laranjosa,
A que chamam o centrão,
Tão sofista e batoteira,
Tornou-se ameaçadora.
Os detentores do poder
Usam a democracia
Para Portugal tragar.
Oh, que aves de rapina!
terça-feira, janeiro 23, 2007
A MENTIRA
Desde que me conheço que oiço dizer que a mentira é uma coisa muito feia. A minha mãe dizia-me amiúde: “ se mentires, meto-te uma malagueta na boca.” Meu pai resolvia o problema de forma mais expedita: abria-me os seus olhos imensos e ameaçava-me com um puxão de orelhas. O método de meu pai era mais eficaz, porque soluçava logo a verdade e com juras de que diria futuramente sempre e só a verdade. Era um homem muito severo e que sempre respeitei muito. Eram outros os tempos e atribuía-se à verdade uma enorme importância.
Na origem dos mitos, encontramos sempre uma mentira piedosa. É sabido que Jesus Cristo nunca esteve em Portugal e muito menos para se relacionar com Afonso Henriques; porém, pôs-se a circular aquela narrativa mais ou menos maravilhosa e todos sabemos que se tornou o mito mais produtivo da História de Portugal. Sem esta mentira piedosa, que imediatamente virou mito, nunca teríamos sido o que fomos e o que somos. Por força do mito de Ourique combatemos o mouro e fomos à Índia, levando a cabo uma das façanhas maiores da Civilização Ocidental: os Descobrimentos marítimos. O mito, que é o tudo e o nada como diria Fernando António, fez de nós gente grande e ousada.
Saindo desta deriva, talvez ilegítima de relacionar a mentira e o mito, e colocando-nos no plano estrito da mentira, teremos de concordar que esta é largamente praticada pelos portugueses, independentemente da religião professada, da classe social, do credo político, da idade e do sexo. Dir-se-ia que os portugueses são inatamente pulhas. “Sou pulha e quero morrer portuguesmente pulha”, terá escrito Jorge de Sena. E chegados aqui, compreender-se-á melhor a nossa vocação para o “desenrascanço”, para o safe-se quem puder.
Poderia, sem grande esforço de imaginação, fazer-vos corar de vergonha. Mas não o farei, porque não foi esse o propósito que aqui nos trouxe. No entanto, meio a sério meio a brincar, sempre vos direi que mentimos por amor e por ódio, por vaidade e por modéstia, como pais e como filhos, como trabalhadores e patrões, na nossa relação com Deus e com o Diabo, e, não raramente, como cidadãos. Mentimos muitas vezes com vergonha de revelarmos os nossos comportamentos, sobretudo quando agimos à margem da chamada gramática social.
Tendo em conta que todos mentimos, velhos e novos, homens e mulheres, é minha firme convicção que a mentira não é um pecado – para alguns será mesmo um modo de vida –; ou então, teremos de enquadrar a mentira no número dos nossos pecados menores, perdoados quotidianamente por Deus, sob pena das nossas existências se tornarem infelizes e atormentadas. E como a vida dos portugueses, na sua esmagadora maioria, é uma pulhice pegada, durmamos todos descansadinhos e não nos preocupemos com este não-pecado.
SONETO (PORTUGÊS) -V
Pobre rei Sebastião,
Que ninguém viu cair,
Naquele dia de V’rão,
Em Alcácer-Quibir.
Provavelmente sepulto,
No tórrido deserto,
Deixou Portugal de luto
E com destino incerto.
Bravo serias, ó rei!:
Bravo, forte e valente;
Porém, conduziste a grei,
A tão grande derrota,
Que perdeste Aljubarrota!
Que ninguém viu cair,
Naquele dia de V’rão,
Em Alcácer-Quibir.
Provavelmente sepulto,
No tórrido deserto,
Deixou Portugal de luto
E com destino incerto.
Bravo serias, ó rei!:
Bravo, forte e valente;
Porém, conduziste a grei,
A tão grande derrota,
Que perdeste Aljubarrota!
domingo, janeiro 14, 2007
A PREGUIÇA
O Homem que trabalha – refiro-me ao trabalhador braçal -, não vive em conformidade com a sua natureza. Dotado de inteligência e da faculdade da linguagem, deixou-se escravizar de tal forma, que é comum ouvirmos dizer a muitas criaturas de Deus, que morreriam se não tivessem trabalho.
Como sabeis, o filho de Deus não ensinou: trabalhai-vos uns aos outros! Jesus, que não consta que tivesse trabalhado na carpintaria de S. José, ou pelo menos, os evangelistas oficiais não aventam sequer essa possibilidade, foi peremptório: “Amai-vos uns aos outros.” E mais disse: “Uni-vos e multiplicai-vos.”
Jesus, como todos sabeis, veio à Terra para nos redimir do pecado cometido pelos nossos primeiros pais. E que fizeram eles? Pensais que foram castigados por terem preguiçado? Não. Foram condenados porque tiveram a ousadia de saborear o fruto da árvore do conhecimento. Se assim dizem os livros sagrados, o trabalho surge, com toda a evidência, como um castigo.
O trabalho, diz o povo, não faz bom cabelo a ninguém. Que trabalhem pois, aqueles a quem o trabalho dá saúde e felicidade; que trabalhem, pois, aquelas negras formigas que nunca reflectiram acerca do seu negro estado e condição, e que merecem, por isso mesmo, ser espezinhadas; que trabalhem, pois, todos aqueles que, não tendo amor-próprio, se sujeitam aos malefícios das actividades braçais. Essa gente que poderá, estou certo disso, filiar-se na INTERSINDICAL e na UGT, mas nunca merecerá pertencer ao minúsculo grupo dos amigos de Paul Lafargue.
Para terminar este ponto, deixo-vos uma pergunta como tema de reflexão: será a preguiça, em bom rigor, um pecado capital?
sexta-feira, janeiro 12, 2007
AO CONTRARIO DAS ONDAS
Um romance de Urbano Tavares Rodrigues
Urbano Tavares Rodrigues é um dos mais prolixos e generosos autores portugueses. Tem uma obra com dezenas e dezenas de títulos, no domínio da ficção narrativa; traduziu e prefaciou livros de muitos autores; leu e ensinou a ler, enquanto crítico e académico, um sem número de obras. É um daqueles portugueses raros, a quem o país nunca pagará o trabalho, a imaginação e os agravos.
Li de UTR AO CONTRÁRIO DAS ONDAS, um romance com a chancela da DOM QUIXOTE, onde o autor trata temáticas que lhe são muito caras: as relações amorosas, as relações de amizade, as relações políticas, etc. A figura central de toda a narrativa é um certo Lívio, que estivera exilado para não fazer a guerra colonial. Regressa com o 25 de Abril e chega a ser deputado pelo MDP. Casou com Sabina, mas este homem não se contentava em sê-lo de uma só mulher. Sabina não encaixa a promiscuidade de Lívio e põe termo à relação já com Lívio ministro da justiça de um governo de direita.
A relação de Lívio com Mafalda é uma relação sem grandes compromissos, porque à primeira todos caem… Encontram-se, mas Mafalda nunca terá a preponderância que Sabino tivera na vida de Lívio. Esta, apesar da formação académica e do jeito para a pintura, é uma mulher frívola.
António Pedro, que é Conservador, é o melhor amigo de Lívio, ou seja, assim como que um seu alter ego. É aquele que tudo faz metodicamente, sem grandes rasgos, mas que mantém a coerência primordial. E curiosamente, coisa que já vinha de longe, vive na dependência sexual dos arranjinhos do amigo. Incluindo Sabina e Mafalda, no seu magro rol.
Nesta ficção de UTR, Lívio, o ministro da justiça, ao aperceber-se de que o ministério a que pertence quer privatizar a justiça, demite-se.
Estruturalmente o romance pode-se dividir em quatro partes, tratando cada uma delas de uma das quatro personagens principais do romance, que termina com uma longa carta de António Pedro a Sabina, onde, no fundo, analisa a sua relação com as restantes personagens, revelando-se também a si mesmo.
É um romance escrito com a habilidade, o talento e a delicadeza que UTR põe em tudo o que faz.
SONETO (PORTUGUÊS) - V
Entro nas casas de alterne
Por obrigação profissional;
Mas topam imediatamente
Os frequentadores habituais
E aquelas noctívagas mulheres
Quão estranho me sinto e sou
Dentro de tais aquários.
Lisboa tem para todos os gostos
E para todas as carteiras:
Moldavas, lusas, brasileiras,
De cabelos pretos, ruivos, loiros.
O à-vontade ganha-se indo,
Os pidgins aprendem-se falando.
O fundamental é ter carteira!
Por obrigação profissional;
Mas topam imediatamente
Os frequentadores habituais
E aquelas noctívagas mulheres
Quão estranho me sinto e sou
Dentro de tais aquários.
Lisboa tem para todos os gostos
E para todas as carteiras:
Moldavas, lusas, brasileiras,
De cabelos pretos, ruivos, loiros.
O à-vontade ganha-se indo,
Os pidgins aprendem-se falando.
O fundamental é ter carteira!
quinta-feira, janeiro 11, 2007
A VAIDADE
“Portugal é um país de poetas”, diz o povo; porém, o povo nem sempre sabe o que diz. Aceitemos, no entanto, o ditado como bom, acrescentando-lhe: “e de pavões”. Com este acrescento de minha lavra, teremos o precioso ditado: “Portugal é um país de poetas e pavões”.
Pelos poetas, que são desde tempos imemoriais os grandes oráculos da nossa civilização, tenho a maior simpatia. Pelos pavões, cujas caudas tanto agrado causam aos nossos olhos, tenho-os na conta de seres gráceis e dóceis da criação. Penso mesmo que o mundo ficaria empobrecido sem os belos pavões.
Pelos poetas, que são desde tempos imemoriais os grandes oráculos da nossa civilização, tenho a maior simpatia. Pelos pavões, cujas caudas tanto agrado causam aos nossos olhos, tenho-os na conta de seres gráceis e dóceis da criação. Penso mesmo que o mundo ficaria empobrecido sem os belos pavões.
Porém, não é das aves que vos falarei hoje. Vou falar-vos de outros pavões, ou seja, dos pavões-homens, que pululam entre nós e que constituem uma verdadeira casta nacional.
Os pavões-homens andam entre nós e dão nas vistas como se possuíssem magníficas caudas. Andam engravatados, opinam acerca de todas as coisas, frequentam os meios mais sofisticados, sentem-se capazes de ocupar todos os cargos, conduzem grandes máquinas, viajam para os países mais exóticos, aparecem nas colunas sociais, etc. Mas no fundo, quem é esta gente? Vou dizer-vos de memória um poema de Jacques Prévert, que se adapta bem ao tema que aqui vos trago:
Luís I
Luís II
Luís III
Luís IV
Luís V
Luís VI
Luís VII
Luís IX
Luís X
Luís XI
Luís XII
Luís XIII
Luís XIV
Luís XV
Luís XVI
Luís XVII
Luís XVIII
Mas afinal de contas,
Quem é esta gente
Que não sabe contar até vinte?
Mais ainda: o nosso homem-pavão corta o cabelo, há pelo menos vinte anos, no barbeiro onde ia o Presidente da República; é cliente do dentista do Professor Cavaco Silva; conhece ministros, secretários de estado e directores-gerais; dá-se como irmão com as vedetas mais famosas da televisão.
E que tal este retrato?
Traçado o retrato, pergunto: qual de vós, caríssimos e indulgentes leitores, não conhece meia dúzia de pavões? A vaidade é, com efeito, um pecado capital. E não é própria de seres inteligentes e capazes de reflectirem acerca da posição que ocupam no imenso cosmos. A vaidade assenta bem em seres mesquinhos, candidatos a títeres e tiranetes, que o tempo engole implacavelmente.
Os pavões-homens podem ser comparsas, mas nunca as personagens principais de uma ficção de qualidade. Mas cuidado, muito cuidado, meus amigos, com os pavões. Eles andam por aí, entre nós, e causam muitos estragos!
segunda-feira, janeiro 08, 2007
SONETO (PORTUGUÊS) - IV
Os homens pobres da minha aldeia
Trabalhavam nas terras dos homens ricos,
Que tinham terras na minha aldeia
E aos quais todos chamavam senhores.
Os homens pobres da minha aldeia
Não tinham onde cair mortos
E sofriam muito e queriam ter terra,
Onde um dia pudessem cair mortos.
De repente, começaram a ir para França
Onde trabalhavam noite e dia
E ganharam rios e rios de dinheiro.
Mais tarde, compraram as terras dos senhores
e gozaram a ilusória felicidade,
de já terem onde cair mortos.
Trabalhavam nas terras dos homens ricos,
Que tinham terras na minha aldeia
E aos quais todos chamavam senhores.
Os homens pobres da minha aldeia
Não tinham onde cair mortos
E sofriam muito e queriam ter terra,
Onde um dia pudessem cair mortos.
De repente, começaram a ir para França
Onde trabalhavam noite e dia
E ganharam rios e rios de dinheiro.
Mais tarde, compraram as terras dos senhores
e gozaram a ilusória felicidade,
de já terem onde cair mortos.
domingo, janeiro 07, 2007
SONETO (PORTUGUÊS) - III
Prepara-se a pátria de Pessoa
- Formidável império mundial –,
Para ter uma moderna lei geral
Que o mundo, por certo, seguirá.
Tlebs é o nome dessa lei, Tlebs!
Mais clara que os mandamentos
Por Deus confiados a Moisés,
Tornará mais forte o vasto império.
Desde o último Verão,
Vieira, Peres, Graça, Mateus,
Contra a nova norma se bateram
Com suas fortes penas sonorosas;
Porém, tudo está bem pesado e medido
E a coisa vai maravilhar o universo!
- Formidável império mundial –,
Para ter uma moderna lei geral
Que o mundo, por certo, seguirá.
Tlebs é o nome dessa lei, Tlebs!
Mais clara que os mandamentos
Por Deus confiados a Moisés,
Tornará mais forte o vasto império.
Desde o último Verão,
Vieira, Peres, Graça, Mateus,
Contra a nova norma se bateram
Com suas fortes penas sonorosas;
Porém, tudo está bem pesado e medido
E a coisa vai maravilhar o universo!
sábado, janeiro 06, 2007
SONETO(PORTUGUÊS) - II
Pertenço a uma geração
Que tudo deu à pátria
E da pátria só agravos recebeu.
Nasci sob a pata e a bota
Do déspota de Santa Comba;
A Angola fui parar,
Longe da pátria e dos meus;
e lutei pela democracia
E por uma pátria fraterna.
Rapazes de cueiros dizem agora
Que gozo de muitos privilégios.
E eu digo (lhes) livremente:
A puta que os pariu!,
A puta que os pariu!
Que tudo deu à pátria
E da pátria só agravos recebeu.
Nasci sob a pata e a bota
Do déspota de Santa Comba;
A Angola fui parar,
Longe da pátria e dos meus;
e lutei pela democracia
E por uma pátria fraterna.
Rapazes de cueiros dizem agora
Que gozo de muitos privilégios.
E eu digo (lhes) livremente:
A puta que os pariu!,
A puta que os pariu!
quinta-feira, janeiro 04, 2007
SONETO (PORTUGUÊS)
Pra um diálogo com Daniel Abrunheiro, meu amigo.
Passei pelos cinquenta
sempre a correr,
veloz e inquieto
como um pardal.
E, como dizia o outro,
tenho ainda na cabeça
todos os sonhos do mundo.
Com algumas artroses,
é certo,
mas a cumprir de homem o meu dever,
religiosamente.
Rijo e firme,
continuo a sonhar contigo, Antónia,
quase adolescentemente!...
Passei pelos cinquenta
sempre a correr,
veloz e inquieto
como um pardal.
E, como dizia o outro,
tenho ainda na cabeça
todos os sonhos do mundo.
Com algumas artroses,
é certo,
mas a cumprir de homem o meu dever,
religiosamente.
Rijo e firme,
continuo a sonhar contigo, Antónia,
quase adolescentemente!...
quarta-feira, janeiro 03, 2007
a ponte dos SuspiroS
Li a ponte dos Suspiros, durante esta quadra natalícia e só agora, porque a figura de . Sebastião, ao contrário de João II ou de Damião de Góis, nunca me mereceu grande simpatia. Eu explico: origem de um mito – o do desejado –, que, ao contrário de outros mitos, se revelou improdutivo, no plano da realização nacional e responsável pela permanente letargia em que Portugal se encontra mergulhado.
Neste romance, Sebastião regressa a Portugal, com um punhado de amigos e seguidores, chega a ir à cerimónia de investidura do cardeal Henrique, mas descobre por si mesmo que o ambiente lhe é hostil. As feridas estão ainda a sangrar. São muitos os órfãos, as viúvas e demais desvalidos da loucura de Alcácer-Quibir. Sebastião, que depois há-de ser por razões de segurança Savachão, sai do reino e inicia uma peregrinação, por países distantes, comendo e bebendo do que há, alheio agora às coisas boas dos ungidos por Deus para governar os homens. É o tempo de expiação das culpas.
De Jerusalém vem para Veneza, onde afluem muitos dos senhores de Portugal. Entretanto, Sebastião explica ao arcebispo de Espálato quem é e como a pele é a sua, consegue convencer o clérigo, do mesmo modo que há-de convencer o papa. A partir de um dado momento Frei Estêvão ganha a centralidade na narrativa, porque vem a Portugal recolher os testemunhos do barbeiro, do alfaiate e de outros que tinham privado com o rei, afim de eliminar quaisquer dúvidas. Ficamos a saber que coxeava, que tinha uma verruga num dedo do pé, que tinha menos um queixal e a picha torta. Removidas as dúvidas tudo deveria de ser mais fácil; porém, o rei Filipe II de Espanha não dormia e tinha industriado o seu corpo diplomático, no sentido de apanhar Sebastião. Nuno Costa, português, é o traidor que dá todas as informações, no sentido de contrariar os interesses de Sebastião e Portugal. É iludido, porque em Sevilha, segundo a ficção de Campos, morre Frei Estêvão e Marco Túlio, um sósia e fiel amigo de Sebastião e da causa portuguesa. Sebastião, o verdadeiro (?) desaparece no nevoeiro, na neblina, na bruma, para, no epílogo, ainda aparecer na casa de Teodósio, duque de Bragança, pai do futuro rei João IV, que o reconhece imediatamente.
Para além da história, que agarra o leitor do princípio ao fim, à boa maneira dos melhores policiais, as obras de Fernando Campos valem pela captação do espírito da época, mormente ao nível da linguagem. Campos utiliza os mais variados registos, incluindo o calão, mas sempre com toda a propriedade e muito frequentemente até com imensa graça. Note-se também o “visualismo” da escrita de mestre Campos, que tem o condão de fazer passar as personagens pelos olhos do leitor, como se estivesse em frente de um ecrã. E tudo de um modo tão natural, que a ficção até parece realidade.
terça-feira, janeiro 02, 2007
PENAMACOR - I
Dá-me, musa, inspiração
Pra cantar Penamacor,
Que é terra de devoção,
De muito frio e calor.
À velha Penamacor
Deu o rei Sancho foral.
Fê-la vila de valor,
Entre as beirãs sem rival.
Ribeiro Sanches, doutor,
Judeu de saber profundo,
Nasceu em Penamacor,
Mas cedo foi correr mundo.
Paris, Moscovo, Paris.
As etapas de uma vida.
Portugal uma cicatriz
Que o mestre nunca olvida.
Pra cantar Penamacor,
Que é terra de devoção,
De muito frio e calor.
À velha Penamacor
Deu o rei Sancho foral.
Fê-la vila de valor,
Entre as beirãs sem rival.
Ribeiro Sanches, doutor,
Judeu de saber profundo,
Nasceu em Penamacor,
Mas cedo foi correr mundo.
Paris, Moscovo, Paris.
As etapas de uma vida.
Portugal uma cicatriz
Que o mestre nunca olvida.
domingo, dezembro 31, 2006
AOS MEUS AMIGOS E LEITORES
Cantemos
amigos
hinos
à amizade;
e procuremos
sem desfalecimentos
os caminho
da "terra
da alegria".
quinta-feira, dezembro 28, 2006
PATRIA -III
Os apátridas dos negócios prefiro
Aos lacaios dos apátridas,
Quando os segundos de governantes travestidos,
Impõem o tal respeitinho.
E de ti se riem, alarves e felizes, ó Pátria!
Aos lacaios dos apátridas,
Quando os segundos de governantes travestidos,
Impõem o tal respeitinho.
E de ti se riem, alarves e felizes, ó Pátria!
A LUXÚRIA
“Segui, ó gente mortal, o exemplo das deusas
e não negueis o prazer, que vos é natural, aos homens que vos desejam.
Mesmo que logo depois vos enganem, que perdeis? Tudo fica no seu lugar;
ainda que mil vos possuam, nem por isso alguma coisa se perde”.
Ovídio, Arte de amar, Livros Cotovia
“ Conhecera Teresa mais ou menos há três semanas numa cidadezinha da Boémia. Só tinham passado pouco mais de uma hora juntos. Ela acompanhara-o à estação e tinha esperado até ele entrar no comboio. Dez dias mais tarde, veio vê-lo a Praga. Fizeram amor logo no próprio dia da sua chegada”.
Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser
“oh! que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que vivo… este medo, estes contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor. –Oh que amor, que felicidade…” (Madalena)
Garrett, Frei Luiz de Sousa
Por razões da minha vida pessoal não me foi possível consultar as obras necessárias para, acerca da luxúria, vos fornecer todo um manancial de citações, que ilustrariam melhor este tema do que as minhas palavras. Luxúria significa, como todos bem sabeis, sensualidade e libertinagem, nomeadamente. E é um dos sete pecados capitais.
Conheceis, certamente, a expressão “até os bichinhos gostam”. Tem mais uso junto do elemento masculino, mas concordareis que se trata de uma bela observação, que a vasta Natureza nos proporciona. E porque amar é tão natural como respirar, podem vir todas as doutrinas, podem chover catecismos, todos os conselhos, todas as bulas, que a força do desejo será sempre superior a todas as imposições de ordem moral e outras.
Pois “ se até os bichinhos gostam”… Façam todas as vontades ao corpo e ao espírito, no domínio da sexualidade. Sigam os sábios conselhos do imortal Ovídio. Aprendam e pratiquem a arte de amar. Na verdade, só amando lograrão atingir a felicidade. Mandem às malvas a temperança que os catecismos prescrevem! Mandem às urtigas todas as restantes virtudes, teológicas e cardinais, porque Deus perdoa sempre, e, nos tempos que correm, os virtuosos estão fora de moda.
Vou concluir com a sensação de que este pecado merecia um tratamento mais eficaz e desenvolvido. Deixo-vos, no entanto, um conselho: sejam pecadores metódicos; não se envergonhem de ser felizes; tornem as vossas vidas coloridas e interessantes.
e não negueis o prazer, que vos é natural, aos homens que vos desejam.
Mesmo que logo depois vos enganem, que perdeis? Tudo fica no seu lugar;
ainda que mil vos possuam, nem por isso alguma coisa se perde”.
Ovídio, Arte de amar, Livros Cotovia
“ Conhecera Teresa mais ou menos há três semanas numa cidadezinha da Boémia. Só tinham passado pouco mais de uma hora juntos. Ela acompanhara-o à estação e tinha esperado até ele entrar no comboio. Dez dias mais tarde, veio vê-lo a Praga. Fizeram amor logo no próprio dia da sua chegada”.
Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser
“oh! que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que vivo… este medo, estes contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor. –Oh que amor, que felicidade…” (Madalena)
Garrett, Frei Luiz de Sousa
Por razões da minha vida pessoal não me foi possível consultar as obras necessárias para, acerca da luxúria, vos fornecer todo um manancial de citações, que ilustrariam melhor este tema do que as minhas palavras. Luxúria significa, como todos bem sabeis, sensualidade e libertinagem, nomeadamente. E é um dos sete pecados capitais.
Conheceis, certamente, a expressão “até os bichinhos gostam”. Tem mais uso junto do elemento masculino, mas concordareis que se trata de uma bela observação, que a vasta Natureza nos proporciona. E porque amar é tão natural como respirar, podem vir todas as doutrinas, podem chover catecismos, todos os conselhos, todas as bulas, que a força do desejo será sempre superior a todas as imposições de ordem moral e outras.
Pois “ se até os bichinhos gostam”… Façam todas as vontades ao corpo e ao espírito, no domínio da sexualidade. Sigam os sábios conselhos do imortal Ovídio. Aprendam e pratiquem a arte de amar. Na verdade, só amando lograrão atingir a felicidade. Mandem às malvas a temperança que os catecismos prescrevem! Mandem às urtigas todas as restantes virtudes, teológicas e cardinais, porque Deus perdoa sempre, e, nos tempos que correm, os virtuosos estão fora de moda.
Vou concluir com a sensação de que este pecado merecia um tratamento mais eficaz e desenvolvido. Deixo-vos, no entanto, um conselho: sejam pecadores metódicos; não se envergonhem de ser felizes; tornem as vossas vidas coloridas e interessantes.
terça-feira, dezembro 26, 2006
QUANDO (POEMA DE NATAL)
Prá Filipa, com amor.
Quando o teu choro inundou
o silêncio doloroso daquela noite longa
quando me apoderei da certeza
da perfeição desejada
quando...
quando meu amor
soube tudo
do pouco muito que queria saber
corri pelas ruas da cidade
como um cavalo sem freio
para repartir a alegria incontida
de ter dado vida à vida
e após respirar o ar
de Lisboa ainda adormecida
recostei-me no banco do automóvel
e deixei que os meus olhos vertessem
um lágrima comovida
Jan./81
Quando o teu choro inundou
o silêncio doloroso daquela noite longa
quando me apoderei da certeza
da perfeição desejada
quando...
quando meu amor
soube tudo
do pouco muito que queria saber
corri pelas ruas da cidade
como um cavalo sem freio
para repartir a alegria incontida
de ter dado vida à vida
e após respirar o ar
de Lisboa ainda adormecida
recostei-me no banco do automóvel
e deixei que os meus olhos vertessem
um lágrima comovida
Jan./81
IGREJA HIPÓCRITA
A Igreja Católica é, indiscutivelmente, a instituição mais antiga e estável de Portugal. E também aquela que mais influencia toda a vida da nossa sociedade. São-lhes reconhecidos e outorgados incontáveis privilégios.
Durante quase nove séculos, a Igreja Católica tem interferido na vida de Portugal, mais ou menos a seu bel-prazer, tomando sempre partido ao lado dos detentores do mando. Os períodos de menos influência confirmam apenas a regra. Daí que esta vetusta senhora se permita interferir na vida do país de forma intolerável. É agora o caso, em vésperas de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.
A grande dama, que conhece como ninguém as engenharias de manipulação das almas, propaga aos sete ventos o seu apego à vida humana. E no entanto, não mexe uma palha para ajudar a resolver a pandemia que dizima as populações africanas e que dá pelo nome de HIV. Bastaria que, tolerante, aconselhasse o uso do preservativo.
A Igreja Católica, permanentemente alinhada ao lado dos segmentos mais conservadores da sociedade portuguesa – e quiçá minoritários -, ao imiscuir-se tão profunda e apaixonadamente na questão do aborto, desrespeita os defensores do sim e coloca-se em posição de ser desrespeitada. Está a badalar de mais.
Só quem respeita merece respeito!
domingo, dezembro 24, 2006
EM TEMPO DE NATAL
Sófocles escreveu: “grande maravilha é a Terra, mas maior maravilha é o Homem”. Se não for esta a frase pouco importa, porque importante, mil vezes mais importante que uma forma, neste caso particular, é o conteúdo da mensagem que se quer transmitir. Cito o autor de Antígona, porque é chegado o momento de mergulharmos de novo nas raízes da nossa decrépita e bem-amada Civilização Ocidental para, penso eu, renascermos imbuídos de um novo humanismo, que ponha um fim rápido a estas sociedades sem princípios, onde pontificam valores tão nobres como o lucro e o consumismo.
TORGA, OS DIÁRIOS E EU
Rabiscar notas, mesmo sob a forma de diário, não é tarefa fácil. Ainda que a escrita me esteja na massa do sangue, alinhar notas que suscitem interesse, numa prosa minimamente escorreita e ágil, repito, não é tarefa fácil. E há dias em que o vazio é total e o branco assusta. E no entanto, escrevo pelo prazer que a escrita me proporciona e não com a intenção de ganhar a vidinha. De resto, apenas um escrito me rendeu meia dúzia de patacos.
Concordo que um diário seja um espelho - um espelho muito peculiar - que há-de reflectir do autor a imagem desejada. Torga faz passar meia dúzia de ideias fortes: um homem na cidade, desenraizado, que procura no espaço primordial de S. Martinho de Anta a força para perseverar nos muitos desafios da vida; um homem dotado de uma grande firmeza de ânimo, à boa maneira dos estóicos, visível já nos textos escritos na prisão do Aljube, nos anos trinta; um homem solidário com os seus semelhantes e preocupado com a condição humana; um homem ousado, quando critica o Quixote de Cervantes; etc. Mas há outro Torga que se vai insinuando e que nada tem a ver com o caçador de S. Martinho de Anta: o artista que viaja e lê os autores mais significativos da literatura europeia (Ibérico por convicção, a sua Europa estende-se até aos Urais);o homem culto que é capaz de se pronunciar acerca de Rembrant e Beethoven. Ao fim e ao cabo, apesar de reivindicar persistentemente as suas raízes camponesas, lá bem no fundo, Torga não despreza um certo cosmopolitismo. E aqui encontramos, seguramente, uma das razões da sua candidatura ao Nobel.
Seja como for, não há que levar a mal que o autor de Os Bichos tenha as suas estratégias. É um direito que lhe assiste. Há que respeitá-lo enquanto homem e criador.
Retomando o fio à meada e para concluir, compartilho da ideia de que um diário, construído texto a texto, como quem constrói uma casa, é um acto criador como outro qualquer. Com a vantagem de o seu autor se despir perante os leitores, enquanto pessoa empírica, e não poder gozar de um estatuto idêntico ao do narrador que, no entender de Roland Barthes, “é um ser de papel”.
EM TEMPO DE NATAL (ORAÇÃO)
Dai saúde, Senhor, aos nossos bem-amados Chefes, para que nos possam guiar pelos Teus caminhos, nesta dura peregrinação que é a vida.
Protegei, Senhor, os nossos mui queridos Chefes, todos sem excepção, para que, mediadores entre a Luz e as trevas, nos possam iluminar os passos, nesta miseranda passagem pelo mundo.
Daí sabedoria, Senhor, aos nossos amantíssimos Chefes, também eles como nós pecadores, mas por Vós eleitos, para não nos deixarem pôr o pé em ramo verde, nesta lastimável passagem pelo reino das sombras.
Amai-os, Senhor, infinitamente, para que eles nos possam amar nesta difícil caminhada para a Glória, ou, no mínimo, para que não nos possam tramar.
Dai-lhes saúde, Senhor!
Protegei-os, Senhor!
Dai-lhes sabedoria, Senhor!
Amai-os infinitamente, Senhor!
Amai-os, Senhor, como eles nos amam.
EM TEMPO DE NATAL
Os santos que são santos também pecaram, diz o povo. E no entanto, quando se reencontraram com Deus (que cristão!), todos se sentaram à sua direita. Pecaram, com certeza, por pensamentos, palavras e obras e ter-se-ão arrependido contritamente, para merecerem a indulgência do Criador. E os homens tê-los-ão perdoado?
Um homem pode ter vivido a vida mais virtuosa das vidas, mas no dia em que cometer o mais insignificante deslize, os seus semelhantes constituir-se-ão em pelotão de fuzilamento. Em nome de Deus - mesmo sem procuração -, da justiça e da liberdade. O ensinamento profundo da parábola da adúltera, nunca entrará nas suas cabeças empedernidas.
PÁTRIA - II
Portugal é hoje um país de repteis. Não admira, assim, que a traição espreite a cada esquina. Os portugueses sempre foram mesquinhos e interesseiros. E nada dói tanto como a ausência de grandeza. Portugal começou a agonizar, com efeito, ainda na primeira metade do séc. XVI. Caminha para a dissolução final, inelutavelmente. E sobretudo, porque nunca mais soube encontrar alternativas credíveis e atempadas. Hoje, agarra-se e chupa a teta da mãe Europa com quantas forças tem. O pior virá, quando a teta, sugada até ao tutano, deixar de ser o almejado D. Sebastião.
Curiosamente, a religião nos fez grandes e pequenos. Com o mito de cruzada dominámos metade do mundo. A Inquisição castrou-nos para sempre.
sexta-feira, dezembro 22, 2006
AVAREZA
Se perguntarem a um avarento, por que nutre tanta apetência pela posse de bens materiais, antes de mais, negará a sua qualidade de avarento. Dirá que, ao contrário do que os outros pensam, é apenas uma pessoa previdente e contará ao seu interlocutor a conhecida fábula da cigarra e da formiga. E dirá que se sente bem na pele desses minúsculos e negros bichinhos que, de uma forma mecânica, executam metodicamente o vaivém entre o local onde se encontra a semente - ou seja lá o que for -. e o buraco-armazém.
Como é bom de ver, o avarento não é um contemplativo. Será mesmo incapaz de retirar prazer, de ordem estética ou outra, dos seus bens materiais. Não viu, decerto , “Casimiro e Carolina no teatro do Bairro Alto ou o “Círculo de Giz Caucasiano” no Teatro Aberto. Não frequenta salas de cinema, não aprecia pintura e escultura, não viaja. Em relação às coisas que enriquecem verdadeiramente um ser humano, o avarento é um homem não. E poderíamos ficar por aqui no que à avareza concerne, mas o retrato ficaria incompleto.
O avarento não cultiva a vida de relação. Vive ensimesmado. Prefere a conversa com os seus botões. Inventaria e actualiza permanentemente o valor dos seus bens. Tudo o que esteja para além do estritamente necessário é supérfluo. Quando compra botas novas aos filhos, recomenda-lhe que dêem passos largos. Gosta de ser convidado, mas quando toca a sua vez de pagar a conta, desafia os parceiros para jogar à moedinha. Vai aos arames quando lhe falam em férias. Cria galinhas na varanda de sua casa para poder vender ovos. É o único que não ri, quando lhe contam a nova versão da fábula da cigarra e da formiga, que aqui deixo reproduzida:
No pico do Inverno, a cigarra bate à porta da formiga e esta pergunta:
- Quem é?
- Sou eu, a cigarra.
- Que queres?
- Quero apenas falar contigo, formiga.
- Já conheço os teus truques desde que o mundo é mundo. Estou farta da tua música.
- Não sejas parva , formiga. Abre lá a porta!...
A formiga abriu o postigo e deparou com a cigarra toda anafada e de casaco de peles. È então que a cigarra diz:
- Vou para Paris. Vim despedir-me de ti.
- Estupefacta, a formiga replicou:
- Olha, cigarra, já que vais para Paris, se vires o La Fontaine, manda-o foder com a história da fábula.
Terão notado, com certeza, que me centrei apenas num tipo de avarento, ou seja, naquele que vive obcecado pelo dinheiro e pelos bens materiais. O discurso poderia, no entanto, ser dirigido noutras direcções. Poupemos, por hoje, os ambiciosos de todos os matizes e os mesquinhos.
A avareza, caríssimos alunos e colegas, é um pecado capital. Pratiquemos todos, todos sem excepção, a prodigalidade, tornando-nos dignos do senhor D. João V, o tal que, com o oiro do Brasil, mandou construir o convento de Mafra e passou à História com o cognome de “o Magnânimo”.
CANTIGA DO COITADO
Em Vigo
Perguntei às ondas:
- Sabeis Novas da minha amiga?
E as ondas me responderam:
- Um novo amigo tem!
Em Pontevedra
Perguntei aos barcos:
- Sabeis novas da minha amiga?
E os barcos me responderam:
- Um novo amigo tem!
Em Santiago
A Santiago perguntei:
-Sabeis novas da minha amiga?
E Santiago me respondeu:
- Um novo amigo tem!
Ferido no coração,
A Lisboa voltei
Mil vezes ouvindo:
- Um novo amigo tem!
- Um novo amigo tem!
Perguntei às ondas:
- Sabeis Novas da minha amiga?
E as ondas me responderam:
- Um novo amigo tem!
Em Pontevedra
Perguntei aos barcos:
- Sabeis novas da minha amiga?
E os barcos me responderam:
- Um novo amigo tem!
Em Santiago
A Santiago perguntei:
-Sabeis novas da minha amiga?
E Santiago me respondeu:
- Um novo amigo tem!
Ferido no coração,
A Lisboa voltei
Mil vezes ouvindo:
- Um novo amigo tem!
- Um novo amigo tem!
quinta-feira, dezembro 21, 2006
PÁTRIA - I
Quando eu era menino e moço,
escrevia-se com "pê" maiúsculo
e dizia-se com muito respeitinho.
Inda ia da ocidental Europa até Timor.
Por ela se delapidava a fazenda,
por ela se ignorava o sofrimento,
por ela se morria estupidamente.
Os que morriam, obviamente.
escrevia-se com "pê" maiúsculo
e dizia-se com muito respeitinho.
Inda ia da ocidental Europa até Timor.
Por ela se delapidava a fazenda,
por ela se ignorava o sofrimento,
por ela se morria estupidamente.
Os que morriam, obviamente.
ANTÓNIO OSÓRIO
Pró Daniel Abrunheiro,
com amizade.
Venturoso foi António,
Osório, de apelido.
Inda chorava no berço
E já tinha Camões lido.
Com um pai tão preparado
Prá arte de versejar,
As trovas de Luís Vaz
Eram canções de ninar.
Quem aprende assim no berço
Com tanta calma e rigor
Pensa e age, serenamente,
e o poema nasce sem dor.
com amizade.
Venturoso foi António,
Osório, de apelido.
Inda chorava no berço
E já tinha Camões lido.
Com um pai tão preparado
Prá arte de versejar,
As trovas de Luís Vaz
Eram canções de ninar.
Quem aprende assim no berço
Com tanta calma e rigor
Pensa e age, serenamente,
e o poema nasce sem dor.
terça-feira, dezembro 19, 2006
ACTUALIDADE
Santa Iria de Azóia, 17 de Janeiro de 2003 – Está na moda dizer mal da Função Pública. Diz o director do jornal e o patrão dos patrões, o homem do governo e o da oposição, o cidadão comum e o mais altamente colocado, o inteligente e o estúpido, etc. É a grande fraternidade para um regabofe de maldizer.
E os funcionários públicos merecem o chorrilho de disparates que sobre eles se vai dizendo e insinuando, porque, de um modo geral, os “opinantes” são uma cambada de ignorantes que não sabem fazer – ou não querem fazer a destrinça – das coisas. Os funcionários públicos são apenas os meros executantes, em muitos casos sem meios, do frenesim legislativo dos políticos governantes e do parlamento, cujo fito é controlar, controlar cada vez mais a vida dos cidadãos, para poderem controlar o poder – supostamente democrático – que exercem despudoradamente, ora mentindo, ora simulando falar a verdade.
Há, com certeza, muitos calaceiros na Função Pública. Há, com certeza, quem se aproveite da função para obter vantagens. Há, com certeza, muita gente que deveria estar algures, longe da coisa pública, para que as águas deixem de estar inquinadas. Há, com certeza! Mas há, igualmente, homens e mulheres honestos. Há, igualmente, centenas de milhar de pessoas que merecem respeito e consideração. Não me seria difícil contar aqui meia dúzia de situações que ilustram a desfaçatez de muitos dos tratantes da coisa pública.
O mito do privado é um mito e como todos os mitos, como dizia Pessoa, é o tudo que não é nada. Há bons e maus privados como há bons serviços públicos e bons servidores da coisa pública. Há muitos privados que, não fosse a política a miséria que é, estariam atrás das grades, porque são verdadeiros crápulas. A começar pelos que detêm os cordelinhos do mundo financeiro. Com a banca à cabeça, obviamente.
Esta onda de maledicência que varre a Função Pública esconde apenas culpas próprias de agentes vários, incapazes de alinhavar meia dúzia de ideias para reformar o que tem de ser reformado. Portugal é um país de pulhas e sacanas.
TINTO ARAGONÊS
Um bom tinto aragonês
Dá coragem e alegria.
Bebe tanto o português
E… é triste, quem diria?!
Dá coragem e alegria,
Na conta certa bebido.
Quem emborca em demasia
C’os burros é parecido.
Bebe tanto o português
Ao almoço e ao jantar,
Um copo de cada vez,
Aos golinhos, devagar.
E… é triste, quem diria?!
Quem bebe com devoção,
Deve sentir alegria.
Tristeza? Tristeza…Não!
Dá coragem e alegria.
Bebe tanto o português
E… é triste, quem diria?!
Dá coragem e alegria,
Na conta certa bebido.
Quem emborca em demasia
C’os burros é parecido.
Bebe tanto o português
Ao almoço e ao jantar,
Um copo de cada vez,
Aos golinhos, devagar.
E… é triste, quem diria?!
Quem bebe com devoção,
Deve sentir alegria.
Tristeza? Tristeza…Não!
NOITE DE LUA CHEIA
É noite de lua cheia,
Meu amor anda a rondar.
Já em mim o fogo ateia
E não o pode apagar.
Quem mo dera ter aqui
Para regar o braseiro.
Ai, amorzinho, eu, por ti,
Fugia para o Barreiro!
Ou outro sítio qualquer,
Que este fogo me devora.
A ti me quero render,
Vou sair daqui pra fora.
É noite de lua cheia
E de grande agitação.
Oh, tenho o mel na colmeia
Tão longe da tua mão!
Meu amor anda a rondar.
Já em mim o fogo ateia
E não o pode apagar.
Quem mo dera ter aqui
Para regar o braseiro.
Ai, amorzinho, eu, por ti,
Fugia para o Barreiro!
Ou outro sítio qualquer,
Que este fogo me devora.
A ti me quero render,
Vou sair daqui pra fora.
É noite de lua cheia
E de grande agitação.
Oh, tenho o mel na colmeia
Tão longe da tua mão!
segunda-feira, dezembro 18, 2006
REFLEXÃO
Não me venham falar da Pátria.
Não quero ouvir falar de pátrias
- nem desta, nem doutras -,
que as pátrias,
à semelhança dos deuses,
só sabem exigir sacrifícios,
desmedidos e vãos.
Não quero ouvir falar de pátrias
- nem desta, nem doutras -,
que as pátrias,
à semelhança dos deuses,
só sabem exigir sacrifícios,
desmedidos e vãos.
AS VELAS ARDEM ATÉ AO FIM, do autor Húngaro Sándor Márai, é um magnífico romance publicado pelas Edições Dom Quixote. A fábula poder-se-ia resumir como na badana do livro, mas a singularidade do romance, em minha opinião, reside no facto de, ente os capítulos 13 e 19, o narrador se eclipsar quase totalmente para que o velho general possa analisar a sua amizade com Konrád , o amigo de infância, que mais tarde o havia de trair mantendo uma relação secreta com Krisztina, sua mulher.
Konrád foge e vai viver no Extremo Oriente. Henrik permanece na sua floresta, onde espera, primeiro, na casa de caça, que Krisztina morra; e, depois, no palácio decadente, que Konrád regresse ao local do crime. A acção decorre, à boa maneira da tragédia grega, em menos de vinte e quatro horas, no velho Castelo e a intriga consiste em o velho general apurar se Konrád e Krisztina tinham gizado, em comum, o plano para o eliminar de um dos vértices do triângulo amoroso.
Durante quarenta e um anos e quarenta e três dias, o velho militar analisou todos os pormenores até à exaustão; tinha obtido a resposta para todas as questões; tinha dissipado todas as dúvidas; queria, agora, confrontar Konrád com as conclusões e, de certo modo, fazê-lo pagar, responsabilizá-lo, pela sua responsabilidade no destroçar das três vidas.
Tenho dúvidas que Konrád seja uma verdadeira personagem durante este jantar de acerto de contas. É antes de mais o pretexto para uma profunda reflexão sobre o sempiterno tema da amizade, onde Márai deixa passar a ideia de que comporta sempre uma «pitada de Eros». Henrik é o veículo para esse discurso que flui como um rio e onde as interrogações têm uma mera função retórica. O jantar é uma cena única e o discurso apenas a parte material de um admirável monólogo interior, entre o anoitecer de um dia e o amanhecer do dia seguinte.
O NATAL
Lisboa, 23 de Dezembro de 2002 – O Natal começa a tornar-se uma quadra aborrecida. Anda toda a gente num frenesim desenfreado, como se o mundo fosse a acabar: viagens, prendas, almoços, jantares, jantares, almoços, prendas e viagens. É a loucura quase total. Riem-se os comerciantes de tudo e mais alguma coisa e cantam os industriais da restauração. Esquecem-se por uns dias as carências quotidianas para se gastar o que se não tem.
Na minha infância o Natal era diferente: minha mãe fazia filhoses, cantava-se o menino Jesus à roda dos madeiros e ia-se à missa do galo. No dia de Natal estreava-se uma camisola ou uma camisinha e brinquedos não havia. É verdade que a quadra não transpirava esta fraternidade actual, mas era, quanto a mim, muito mais autêntica.
D. Quixote eclipsou-se e quem manda agora é Sancho Pança. Temos de esperar que volte D. Quixote, para que a quadra reganhe o seu simbolismo e alegrias tradicionais. Esta fraternidade cheira-me a uma coisa que não vou nomear. Ou se insistem nomeio. Hipocrisia! Arranjinhos de comerciantes e quejandos para desgraçarem as nossas bolsas.
Aqui ficam três quadras da minha infância, que todos cantávamos do Natal até aos Reis:
Ó meu menino Jesus,
Ó meu menino tão belo,
Logo vieste nascer,
Na noite do caramelo!
Eu fui dar ‘ma volta ao adro
O madeiro está arder,
O presépio está armado
E o Menino por nascer.
Lá vai a barca bela,
Que a fizeram os pastores,
Nossa Senhora vai nela,
Toda coberta de flores.
MAFRA
Mafra, 17 de Dezembro de 2002 – Mafra é uma aldeia simpática. Nada ali fere a sensibilidade do visitante. Um largo muito concorrido, dois ou três cafés simpáticos e a nossa jóia joanina a dominar as restantes construções.
O Convento – o calhau, na linguagem garrida dos mafrenses-, celebrado num admirável romance de Saramago, tem a cara lavada. E digo a cara, porque há muitas dependências do interior do gigante que necessitariam de barrela geral. Segundo a vox populi , os subterrâneos são habitados por milhões de ratos.
Porém, como os ratos não se passeiam pelas ruas de Mafra, que aqui fique expressa a ideia de que Mafra é uma aldeia simpática e limpa e merecedora de um Presidente de Câmara mais português e menos PPD, ou seja, capaz de encaixar o Memorial do Convento e o seu autor. É que Presidente que manda fazer estradas e outras obras, mas não aceita o nome de Saramago para uma Escola da terra, não sei se merece ser Presidente.
Mafra é - e deverá ser em todas as circunstâncias -, uma aldeia simpática e limpa.
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