sábado, abril 30, 2011


PALAVRAS PERDIDAS


Há quanto tempo, mãe, não te falo de amor
Com aquelas palavras de encantar
Com que as crianças falam do amor?!


Há dias corei de vergonha,
Corei de vergonha quando li,
Num livro de cartas de Saint-Exupéry,
As palavras mágicas que ele escreveu a sua mãe
E que eu nunca te disse a ti.


Deixei que entre nós se interpusesse
Um pudico silêncio ancestral
E disse-te apenas coisas imediatas e triviais.


Eu esqueci, mãe, aquelas palavras claras e pueris
Que tanto alegravam o teu coração.


Eu coro de vergonha, mãe!

in FRAGMENTOS COM POESIA, ULMEIRO, LX. 2005

VIVA O 1º DE MAIO


Foi lindo o Maio primeiro,
Onde esteve toda gente.
Lado a lado o engenheiro,
O marçano e o servente.

Todos de cravo ao peito
- que comunhão de ideais! –
Estava tudo perfeito,
Quem podia pedir mais?

Que grande mar de ilusões!
Portugal nunca podia,
Havendo tantos cabrões,
Mudar da noite prò dia.

segunda-feira, abril 25, 2011

25 DE ABRIL SEMPRE!

Santa Iria de Azóia, 24 de Abril de 2011 – O 24 de Abril, há trinta e sete anos, caiu numa quarta-feira. Cumpria serviço militar no RC-6, na minha cidade mais querida, Castelo Branco. Saí do quartel e fui com o João Rolo, como eu matense e funcionário das finanças, jantar à Mata, com os meus pais.
Regressámos a Castelo Branco por volta da meia-noite e nada vimos de estranho, durante a curta viagem. Na então casa dos cantoneiros decorria uma acção da GNR, absolutamente normal, que não prenunciava nada do que iria acontecer durante a noite nos centros nevrálgicos do país. Entrei no quartel por volta da meia-noite e meia, deitei-me e dormi tranquilamente até às quatro e meia da madrugada.


Foi àquela hora que fui abruptamente acordado pelo Luís Geraldes, do Ladoeiro, que nos anunciou o golpe de Estado que estava a decorrer e que durante o dia 25 se havia de tornar no começo de uma Revolução. Levantei-me, fui para a sala dos cabos milicianos e ali fiquei com outros camaradas, de ouvido atento às notícias e à música que iam sendo difundidas.


Não era ainda a hora para grandes manifestações de júbilo, ainda que o meu coração me dissesse que tinha chegado ao fim o regime que oprimira os portugueses e Portugal durante quase cinquenta anos. Depois foram horas e mais horas de incerteza, porque naquele quartel ninguém sabia o que se passava exactamente em Lisboa.


O fim da tarde e a noite trouxeram a certeza que, desde a madrugada, se instalara definitivamente no meu coração. O fascismo chegara ao fim. A liberdade triunfava, finalmente, em Portugal.

domingo, abril 24, 2011

DO MEU DIÁRIO



Santa Iria de Azóia, 23 de Abril de 2011 - Eu sabia lá que se comemorava hoje, sábado de Aleluia, o dia mundial do livro! A mim interessam-me os livros e não o dia que se convenciona como seu dia mundial. Porém, como a Filipa me falou do assunto, corri às estantes e peguei em livros meus e de amigos meus, coloquei-os no chão da minha biblioteca e tirei-lhes uma fotografia para publicar no Música Maestro, que é o sítio onde desabafo e deixo as minhas frágeis marcas sobre o tempo que passa.


Livros no chão, constatei então que tinha uns quantos de poesia e apenas dois de prosa: Mar de Pão de João Teixeira e Terminação do Anjo de Daniel Abrunheiro. Dois livros muito belos, em prosa de grande qualidade, da autoria de dois poetas de muito alto valor. Bem sei que os amigos tendem a exagerar, às vezes; porém, neste caso concreto, João Teixeira e Daniel Abrunheiro são, de facto, dois talentosos criadores.


De Daniel, que é um dos mais interessantes e promissores criadores da sua geração; porventura aquele que mais marcas há-de deixar na língua portuguesa, porque a sua imaginação, em bom rigor, não tem limites. Conheço-lhe a produção torrencial que publica no Canil, que é o blogue que lhe serve de veículo de divulgação. Não tenho de Daniel qualquer livro de poesia, em papel. E é um escândalo, um inenarrável escândalo, que a poesia de Daniel não encontre um editor interessado e competente, como já escrevi há tempos. Talvez por isso, a sua poesia seja perpassada por algum azedume e muitas mágoas.


João Teixeira publica desde os 19 anos. Publicou, em 1972, RO(S)TOS DO MEU PAÍS, título que sugere de imediato o tipo de autor que é o João. A sua evolução de 1972 até à actualidade foi muito grande. Não é impunemente que está prestes a comemorar quarenta anos de poesia. Disse poesia e não carreira literária, porque João Teixeira, produziu o que produziu, mas não tem – e nunca terá desejado ter -, uma carreira. É um poeta sério – e a sério-, que utiliza a ironia e o humor como forma de expressão artística. E o modo como pega em coisas concretas e sobre elas constrói admiráveis poemas, fazem dele um poeta cativante e não raramente tocante.


Este texto, sem quaisquer pretensões, é apenas, e só, o meu modo de dizer quanto estimo e admiro estes dois criadores. Estes dois homens que, embora separados pela idade e pela geografia, têm bastantes traços comuns. Entre os quais avulta o de serem meus amigos.

sábado, abril 23, 2011

NO DIA MUNDIAL DO LIVRO

Livros meus e de amigos meus

DO MEU DIÁRIO

MATA- BAIRRO DE CIMA, visto da variante

Santa Iria de Azóia, 23 de Abril de 2011 – Ontem, antes das dez, estava a chegar a Castelo Branco, que considero a minha cidade natal. Um café breve com o poeta João Teixeira, a quem tinham arrancado três dentes no dia anterior e que estava ainda muito queixoso. Mesmo assim, ainda nos divertimos com os incómodos da extracção de dentes e raízes ao João. Rumei até à Mata, onde fui buscar a senhora minha mãe para passar a Páscoa connosco, aqui, na simpática vila de Santa Iria de Azóia, “que ao 25 de Abril /deu o braço e o pulmão”.




Mas ainda tive tempo - apesar do mau tempo -, para tirar umas fotografias àquela esplendorosa paisagem beirã, que tão responsável é pelo nosso carácter. Carvalhos, sobreiros, rosmaninho, giestas, estevas, oliveiras e muitos arbustos e ervas, que, floridos nesta época do ano, conferem à paisagem um cromatismo deslumbrante.




Almoço em Castelo Branco, que conheço cada vez menos, gastronomicamente falando, claro. Um bacalhau-à-Brás, que na sexta-feira santa não se pode comer carne, foi o eleito. Ainda mais umas fotografias junto à Quinta das Pedras para registar fotograficamente o Largo da Estação, a antiga Metalúrgica e aquelas cegonhas cuscas que vivem ali como peixe na água.




E depois ala, que se faz tarde, até Santa Iria de Azóia.


DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 21 de Abril de 2011 – Agora deu-me para voltar a ler alguns volumes da Conta-Corrente de Vergílio Ferreira, onde o homem discorreu acerca de muitas coisas e nomeadamente da sua excelsa pessoa. Leio Ferreira, porque a sua escrita diarista me interessa. É alguém com quem se aprende. Até a dizer mal.

É consabido que Torga foi várias vezes candidato ao Nobel da Literatura. Ferreira regista o facto – é já a terceira vez – e remata desta forma lapidar: Torga é de novo candidato ao Nobel e era bom que ganhasse, porque o país está necessitado de divisas.


Bem sei que Torga não foi um grande, grande escritor; no entanto, outros foram contemplados e não escreveram nada comparável ao melhor Torga. Torga que também se fazia passar por um solitário, sem ligações e grandes amizades, mas que foi ganhando paulatinamente tudo o que cá havia para ganhar.

E Ferreira também. Sempre cheio de azia, sempre a mordiscar em certas figuras (Óscar Lopes, Óscar Monteiro Torres e até em E. de Andrade), também foi ganhando prémios e muitos admiradores. E os prémios até foram bem atribuídos, porque Ferreira romancista é de facto grande.

sábado, abril 16, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 16 de Abril de 2011 - Há pessoas que têm um medo enorme do “facebook” e das restantes cadeias sociais na web. Creio que todos os receios são mais ou menos infundados, se não viermos despir-nos em público. Eu sei bem que uma palavra escrita no “fecebook” vai ter vida mais ou menos eterna, porque este armazém é mais ou menos do tamanho do universo; porém, se na vida não aspiro a grandes coisas, por que razão hei-de ter receios?

Esta manhã, ouvi o programa “arestasdevento” na Rádio Azul de Setúbal (98.9). Um programa desempoeirado, levado a cabo por Ricardo Cardoso, Céu Campos e pelos seus convidados. Tudo muito espontâneo e informal. Falou-se de política, do 25 de Abril, de poesia e de poetas. E de música. E de Zeca Afonso. Fez-se jus ao mês que vai decorrendo com tantos e tão graves sobressaltos.

Ontem, ou anteontem, tanto faz, Ricardo Cardoso publicou um texto da Lusa no seu mural do “facebook”, através do qual ficamos a saber que o major Otelo, se soubesse no que isto havia de descambar, nunca teria feito o 25 de Abril. O nosso Otelo, eu prefiro o de Shakespeare, ainda vive convencido que sem ele não teria havido 25 de Abril. Pobre homem. Foi sempre um mar de egocentrismo e fantasias. Por isso lhe fizeram o ninho atrás da orelha (perdoem-me lá o cliché).

E por aqui me quedo.

quarta-feira, abril 13, 2011

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 12 de Abril de 2011 – Eu não conheço o meio literário português – e, provavelmente não teria que conhecer -, pois nunca senti grande curiosidade em relação à “coisa”. Até deixei há anos de adquirir e ler com regularidade o JL, que, não sendo nada do outro mundo, sempre é o melhor que temos do género. Portanto, não me sinto habilitado a dizer mal ou bem, apesar dos sinais que vou mentalmente compilando, colhidos aqui e ali.

Tenho algumas ideias acerca da denominada Teoria da Literatura, incluindo a célebre Teoria da Recepção, e também alguns saberes filológicos, mas nada que me habilite a dizer mais do que “gosto” ou “não gosto”. E pertenço àquele conjunto de indivíduos que sempre olhei para os estudos literários como uma coisa séria, naturalmente, mas sem qualquer carácter científico.

Eu não sei bem o porquê deste texto. Às vezes acontecem-nos coisas mais ou menos inesperadas e creio que este texto se inscreve no imenso rol das coisas inesperadas. Mas se calhar era só para dizer que, de António Lobo Antunes – ALA para fãs e amigos -, só fixei o nome de uma personagem, um tal Dr. Francisco; e, provavelmente, porque tinha a ver com a História do regime do contabilista do Vimieiro. É que eu seu um tipo fora de moda, que ainda gosta dos autores que nos deixam personagens. Pois, assim como Baltazar e Blimunda.

terça-feira, abril 12, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 12 de Abril de 2011 – Nunca fui um homem com grandes certezas, ainda que, desde a minha juventude, me tenha posicionado à esquerda e na esquerda continue. É que para mim é um imperativo moral ser de esquerda, porque só esta olha para os mais desprotegidos com olhos muito combativos e nada caridosos.

Tenho a certeza que pouca gente lê este meu Diário, porque quer no meu blogue, quer na ligação que estabeleço entre este e uma rede social, pouca gente se pronuncia. Às vezes é o total silêncio, apesar de ter consciência que me exprimo num português quase imaculado. No entanto, vou perseverando, porque a teimosia está inscrita no meu código genético. Passe o lugar- comum, quem sai aos seus não degenera.

Hoje é um dia muito especial. Temos de novo entre portas o bondoso FMI, que chegou para nos resgatar. É um pouco como as tropas francesas em África. De quando em vez, lá vão repor a democracia, trocando um ditador por outro. Aqui é uma organização agiota, que ajudámos a fundar, que vem substituir-se aos outros agiotas todos, porque a agiotagem já estava a passar das marcas e há que jogar o jogo com algumas regras. Portugal abre as portas. Faça favor de se sentir em casa.

Contumaz como sempre, eu acredito piamente que a coisa vai melhorar. Terá mesmo que melhorar. Para os do costume, obviamente.

quarta-feira, abril 06, 2011

TERRAS DO MUNDO

DEPÓSITO DA ÁGUA (Santa Iria de Azóia)

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 6 de Abril de 2011 – Fossem os portugueses tão irresponsáveis como alguns dos seus políticos e Portugal estaria já na bancar- rota. Perante o aumento quotidiano dos juros da venda de dívida pública, que chegam a atingir valores nunca vistos; as notícias em catadupa a anunciar a iminência do colapso das instituições financeiras da república; as notações das mui caridosas e rigorosas agências ditas de “rating”, que parecem mandar na economia, na finança e na política; os portugueses comportam-se com uma fleuma que até a velha Albion desconhece.

E o que seria espectável? Que cada português fosse ao(s) seu(s) bancos e tentasse levantar o seu dinheiro, a fim de o pôr a salvo, como, decerto, já o terão feito insignes figuras desta república. No entanto, os portugueses têm demonstrado uma maturidade saudável e patriótica, que contraste com a dos trastes que mais falam de Portugal e da sua salvação.

O povo, está mais do que provado, é o último reduto de uma pátria. É a trincheira que há-de resistir e vencer os agiotas e os seus serviçais.

terça-feira, abril 05, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 5 de Abril de 2011 – O Sr. Jorge Jesus, ficámo-lo a saber domingo, não é electricista. Também não é, e deveria sê-lo, um falante razoável da língua portuguesa. O Sr. Jorge Jesus, provavelmente, não é um bom treinador de futebol.

É certo que o ano passado conquistou para o Benfica o título de campeão nacional; no entanto, por soberba e incompetência, não foi capaz de lidar com a responsabilidade de ter sido campeão. Preparou mal a pré-época e sofreu inusitadas derrotas logo no início do campeonato. Objectivamente, o Sr. Jorge Jesus foi uma menos valia, numa equipa recheada de excelentes praticantes.

Em tempos, desculpou-se com a presença de jogadores do Benfica no campeonato do mundo, como se o rival do norte não tivesse também diversos internacionais. No domingo, pateta, até trouxe à colação, para justificar uma derrota humilhante, o facto de Nuno Gomes se ter lesionado. Nuno Gomes, a quem o Sr. Jorge Jesus foi negando, ao longo do campeonato, jogos e presenças entre os convocados.

Bem sei que o Benfica tem má imprensa e nomeadamente má televisão; bem sei que houve jogos em que o Benfica foi imensamente prejudicado; mas, com o plantel que tem e as aspirações que tinha, o Benfica jamais poderia estar a dezasseis pontos (16!) da concorrência. Alguma coisa não bate certo ali para as bandas da Luz.

segunda-feira, abril 04, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 4 de Abril de 2011 – A situação económico-financeira de Portugal é dramática. Talvez hoje muito mais do que ontem, mas que importa tudo isso aos rapazes que são governo e àqueles outros rapazes que se preparam para o ser, se as suas vidas estão orientadinhas e os seus patrimónios lhes garantem um futuro sem grandes preocupações?

Preocupações, e grandes tenho-as eu, que qualquer dia sou um sexagenário e ainda não tenho estatuto nem conta bancária farfalhuda, cá ou algures, que me permita encarar o futuro com risonho optimismo. Concedo que fui sempre um rapaz bisonho, ou seja, sem destreza e sem arte para grandes competições, apesar de ter entrada para a função pública mediante concurso público e ter sido o terceiro, com a mesma nota do segundo, com um pavilhão da antiga FIL cheia de candidatos. Ah, se tivesse sido nomeado, outro galo cantaria!...

As minhas doentias preocupações radicam neste mal-estar quotidiano que os agiotas produzem e as televisões multiplicam e ainda, e sobretudo, no facto de ninguém parecer disposto a dizer: chega! O José, que preside ao ministério e que porventura ainda acalenta esperanças de voltar a presidir, não está na disposição de querer entregar o ouro ao bandido; e o Pedro, digo o, porque me entra pela casa dentro várias vezes ao dia, mandou abaixo o governo do José e não tinha, e continua a não ter, nada para nos oferecer em troca, para além de promessas vagas de que quer fazer melhor.

É certo que eu já estou mais do que farto de José; porém, também já estou farto de Pedro, porque ambos contribuem para este clima deletério em que Portugal e os portugueses definham. O que é que será preciso fazer para correr com José e Pedro e ousar algo de novo para Portugal? E para que serve aquele senhor que diz que é mais correcto dizer éfffffffffffffffffff, éééééééééé´, éfffffffffffffff, éééééééééé´ e não FMI?

sábado, abril 02, 2011

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 29 de Março de 2011 – Este é o mês de Março de todas as incertezas. Virá o FMI, não virá o FMI?; pede-se ajuda ao BCE, não se pede ajuda ao BCE?; Portugal vai aguentar-se, Portugal vai claudicar?; etc. Já hoje ouvi dizer que os ricos perderão sempre mais do que aqueles que nada têm. É claro que aqueles que têm muito, ainda que muito possam perder, alguma coisa lhes há-de sobrar; porém, quem nada tem, nem lamentar se pode de ter perdido. Mas parece que o argumento para comer e calar é assaz falacioso, porque há sempre aqueles que vão pescando, e muito, mesmo quando as águas estão mais turvas. De resto, eu penso que eles são pescadores de águas turvas. Eu tenho para comigo, e parece que não estou sozinho, que o mal maior de Portugal é o das desigualdades. Não fosse Portugal um país tão desigual e talvez conseguíssemos, sem estranhos a meter o bedelho, resolver os nossos problemas. O mal de Portugal é ter excelentes pescadores, poucos, que, por sinal, contam com grandes ajudas entre aqueles que vão decidindo o nosso destino colectivo e se apropriam de todo o pescado. O mal de Portugal, aqui para nós, é a meia dúzia de vampiros que come tudo, como reza a canção, e não deixa nada.