sexta-feira, fevereiro 25, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 25 de Fevereiro de 2011 – Esta noite, se tudo correr como está previsto, vou jantar e dormir à Quinta de Santa Iria, Teixoso, concelho da Covilhã. Está visto que Santa Iria me atrai, apesar da padroeira da minha terra natal ser a Santa Margarida. Pela terceira ou quarta vez vou pernoitar no concelho da Covilhã, a velha cidade dos lanifícios, de Horácio, Ricardo e Marreta, ou seja, de três das personagens de Ferreira de Castro. E mesmo que assim não seja exactamente passa a ser, porque quero que assim seja.

Não se trata de desamor, não, que eu gosto muito da minha Beira natal; mas a Covilhã fica já numa ponta do distrito, lá onde as Beiras mudam de adjectivo. E para ser franco, também não tenho nada contra a Beira Alta, que, tal como a minha, é interior e está também a caminho da desertificação.
A ideia é confraternizar e sair de casa. Para ser franco, confesso que sou muito caseiro e muito agarrado às minhas coisas pessoais. Sei que Karl Marx estaria em desacordo, mas eu confesso que não sigo o alemão ao pé da letra. É claro que gosto de ser original e de cultivar o meu estilo. Sei igualmente que o meu estilo é a minha única e verdadeira propriedade privada; mas gosto do meu canto, ainda que um dia possa ser o canto de outro.

Eu não vou perder-me em detalhes, mas acho que a nossa casa pode ser o sítio mais acolhedor e também o mais hostil. Contas de outro rosário que não vou desfiar agora. Fiquem bem, que eu, invariavelmente, vou pôr-me a caminho de Santa Iria. No Teixoso, Covilhã, lá onde as beiras mudam de adjectivo qualificativo.

domingo, fevereiro 20, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 20 de Fevereiro de 2011 – Neste fim de tarde, que contrariou um pouco as previsões dos meteorologistas, após um passeio pelos arrabaldes, entreguei-me è leitura de Marcello Duarte Mathias. Mais concretamente, do volume de pequenos ensaios, A Memória dos Outros.

Eu gosto muito deste autor, que, tal como eu ou eu como ele, cultiva o gosto pela escrita diarística. Marcello Duarte Mathias é um escritor de grande erudição e com muito mundo. Por isso mesmo, pelos seus diários perpassam inúmeras personalidades da política, da cultura e dos negócios. Escreve num português muito suave, facto que o torna um autor amável e que se lê sem enfado.

Hoje detive-me nos textos sobre Albert Camus, que é provavelmente o autor francês magrebino que mais admiro. Encontrei referências a L’Etranger e a um tal Mersaut. L’ Étranger, que, conjuntamente com La Peste, é o melhor da obra romanesca do antigo director de Le Combat.

Mas a surpresa foi a referência a Les Noces, que é um “récit” escrito numa prosa verdadeiramente luminosa, que talvez todo o Norte de África devesse ler nos dias que correm. É em Les Noces que Camus escreve: “le monde finit toujours par vaincre l’histoire”.

sábado, fevereiro 19, 2011

DO MEU DIÁRIO

Mr. FRED, um verdadeiro felino
Santa Iria de Azóia, 19 de Fevereiro de 2011 - Agora me lembro que há mais de um mês que não ponho os pés na minha “datcha” de Sesimbra. Eu gostava muito de saber cirílico e escrever “datcha” em russo, porque emprestava mais estilo ao estilo e conferia-me outro estatuto. Mas passemos à frente que o tempo está de chuva e não se pode desperdiçar com as frivolidades deste escriba pindérico.

Ontem à noite, por volta das vinte e uma, apesar deste tempo invernoso e melancólico, fui forçado a deixar o remanso do doce para cumprir com os meus deveres profissionais. Popó estacionado à frente do Governo Civil, na Rua Capelo e depois foi seguir pela Rua Ivens até à Rua Garrett, cortar ligeiramente à esquerda para ganhar a Rua Serpa Pinto e subi-la até ao Largo Rafael Bordalo Pinheiro, já a dois passos do belo Teatro da Trindade. Sempre sob uma chuvinha pertinazmente chata.

E que viu este vosso amigo no seu caminhar pelas ruas do Chiado, que têm o nome de antigos exploradores de África? Cerca de uma dúzia de restaurantes, alguns com grande dimensão, repletos ou mais ou menos repletos de comensais, numa noite de chuva pertinazmente chata. E os restaurantes que vi, cheios e com grande animação, não são propriamente baratos. Portanto, cerca das dez da noite, aquela zona da cidade era bem o contrário de um país em crise.
A crise, é bom de ver, atinge fundamentalmente os desempregados, alguns funcionários públicos e os jovens à procura de primeiro emprego. Ou mais fundamentalmente os desempregados e as respectivas famílias. Porque, lá bem no fundo, heureusement, ainda há muito happy few.
E prontos, como agora se diz, acabei de vos demonstrar que todos os caminhos podem ir dar a Roma.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

SE EU FOSSE COMO CATULO

Se eu fosse como Catulo
Poeta de inspiração,
Em teu corpo, amor, havia
De gravar mil versos, mil!,
De grata recordação.

Com os dedos e os lábios,

lascivos e enlouquecidos,
nele havia de escrever
a mais pura poesia.

Disse bem, amor, havia!

(inédito)

sábado, fevereiro 12, 2011

SE EU FOSSE COMO CAMÕES

Se eu fosse como Camões,
Havia de te fazer,
Amor, versos geniais,
Muitas trovas de encantar!

Pintar-te-ia morena
E de outras cores sadias.
Blusa vermelha decerto
E calças de ganga azul.

Assim irias à fonte
- Discreta como se vê -,
Leda e bela ao meu encontro.

E haveria de deixar
Teu rosto ruborizado
Com mil beijos, mil ou mais.

O TEMPO
I
É o tempo
- o inexorável tempo -,
Que atenua a mágoa
E mostra
Quão profundas
Eram as raízes.

II
Um Verão vai
E outro vem.
E neste vaivém,
Decorre
A minha vida.

Esta vida que vai,
Vai e não vem.

III
Lentas,
As nuvens vêm
E vão.

Umas deixam (m)água
E outras não.

Ah, só o Verão,
Esplendoroso,
Alegra
O meu coração.

IV
O Outono

e o Inverno,
Decididamente,
Não!


(inédito)


quarta-feira, fevereiro 09, 2011


A LUSITANA MANIA

A lusitana mania
De esperar por quem não vem
Provoca melancolia,
Muito mal e nenhum bem.

Sempre de calças na mão
Ou esta à esmola estendida.
Tão estranha condição,
Tornou-se um modo de vida.


Era preciso matar
Esse rei Sebastião,
que não pára de enganar
a nossa triste nação!


Ao mito do desejado
Dê-se um combate eficaz.
Traz este país castrado
Ou capado, tanto faz.


(Barata, Manuel, Fragmentária Mente, ed. Alecrim, 2009)

terça-feira, fevereiro 08, 2011

PARQUE URBANO DE SANTA IRIA

FLORES BRAVIAS
O REBANHO

OVELHA CHURRA(?)



DO MEU DIÁRIO

LIVROS E LIVRARIAS
Santa Iria de Azóia, 8 de Fevereiro de 2011 – Nos finais dos anos sessenta, Castelo Branco não tinha – ou eu não me lembro de ter-, uma livraria a sério. E no entanto, lia-se muito na capital da Beira Baixa e coisas com qualidade.


É certo que a Semedo, ao cimo da rua D. Dinis, papelaria e livraria, tinha sempre alguns títulos nacionais e estrangeiros com muito interesse. Foi lá que comprei o meu primeiro Rimbaud e também José Gomes Ferreira, que era então um poeta muito em voga. Nuno Semedo, sempre descaído para o lado da literatura, para além de ser uma pessoa afável, também ia dando algumas dicas em relação a certos títulos e autores.


Porém, creio que o local dos livros por excelência era o quiosque Vidal, onde um tal José Fernandes – é o do Vidal, não o do Eça -, aconselhava e guardava os livros que iam resistindo à brigada dos costumes. O Zé Fernandes lia muito; nomeadamente lombadas, facto que lhe permitia depois fazer as suas próprias sinopses. Acresce que, apesar da sua juventude, José Fernandes era um “jeune homme” de formação democrática.


O quiosque Vidal, que ainda existe, é hoje um sítio atascado de jornais e revistas, com alguns livros ainda nas prateleiras mais altas, mas já não é o ponto de encontro de uma certa intelectualidade albicastrense. Contudo, é talvez o sítio onde se podem encontrar mais publicações de carácter etnográfico.


As papelarias Nogueira, Narciso e S. José, também comercializavam livros; porém, faltava-lhes a qualidade da Semedo e do quiosque Vidal. Ou melhor, ter-lhes-á faltado Nuno Semedo e José Fernandes.

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

DO MEU DIÁRIO

LIVRARTE-LIVROS E ARTE
Moscavide, 7 de Fevereiro de 2011 - Eu sempre gostei de livros e de livrarias, e, talvez por isso mesmo, quando vou a centros comerciais com a família, marco sempre o reencontro numa livraria.


Tive uma infância sem livros. O primeiro que aportou a minha casa, para além do manual da 1ª classe, chamemos-lhe assim, foi um livro de capa amarela, escrito em latim, que me foi dado pelo Pe. António Tavares Valente, pároco da Mata, e ainda hoje não sei porquê. Perdi-lhe o rasto sem nunca o ter folheado de fio a pavio, porque o latim só havia de chegar 20 anos depois, em dose económica, com a ajuda do grande linguista, poeta e também padre, de seu nome Tarcísio Alves.


O primeiro grande livro que me chegou às mãos, a obra poética de Manuel da Fonseca, edição da Portugália, foi-me igualmente oferecido. Por um amigo de infância e adolescência, que ainda considero meu amigo, embora não no modo como a amizade era encarada por Frei Amador Arrais. Na verdade, há muitos anos que não vejo o Raul Cabrito Paulo, que, ao que julgo saber, vai dividindo a vida entre Queluz e Malpica do Tejo, no concelho de Castelo Branco.


Depois veio o ano de 1969 e as eleições para a Assembleia Nacional do Dr. Caetano e capangas. E os tempos mudaram, e mudaram muito, ou melhor dizendo, começaram a mudar vertiginosamente, nos planos político, económico e social. E também no que concerne à minha relação com os livros. De 1969 à actualidade, comprei milhares de livros e ofereceram-me centenas. Sou autor de alguns títulos, de méritos duvidosos, e tenho planos para livros futuros, meus e alheios.


Estou convencido de que o cheiro do papel velho ou recentemente impresso e das tintas me hão-de acompanhar até ao fim d vida. Na verdade, "De e com livros tem sido feita a minha vida".

sábado, fevereiro 05, 2011

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 5 de Fevereiro de 2011 – Ontem, 4 de Fevereiro, não quis propositadamente falar de 4 de Fevereiro, porque há dois 4 de Fevereiro importantes para mim: o início da guerra colonial em Angola, no já distante ano de 1961, e o desaparecimento de meu pai, em 2009. Portanto, tenho a minha vida ligada ao 4 de Fevereiro e assim continuará a ser, doravante.

No dia 4 de Fevereiro de 1975, há trinta e seis anos, portanto, eu estava em Luanda e estava doente. Já não sei qual era a maleita, mas estava doente. Cumpria o serviço militar obrigatório na CCS de um batalhão importante, o 4511, comandado já por Francisco Granjo de Matos, tenente-coronel de infantaria. Tinha interrompido, voluntariamente, pela primeira vez, a minha actividade de fumador, que durou até Julho desse ano.

O meu batalhão estava sedeado no GAC-1, em Alvalade, ali a dois passos do cinema com o mesmo nome e da emissora oficial de Angola. Tinha quarto num dos últimos edifícios construídos pelo exército português, naquelas instalações militares, quase junto à rede da estrada que dava acesso ao aeroporto e a outros quartéis, nomeadamente os Adidos e a PM. E tudo isto vem a propósito do 4 de Fevereiro de 1975, pois foi naquele dia que regressou a Luanda o autor de Sagrada Esperança, António Agostinho Neto.

O desfile durou horas: muitas centenas de camionetas carregadas de nativos, centenas de milhar de pessoas desfilando e dançando com os seus melhores trajes e cantando canções autóctones, numa poderosa manifestação de patriotismo e desejo de independência. Apesar de estar doente, sentei-me nas traseiras do edifício e fiquei horas a gozar também o regresso do mítico dirigente do MPLA. Mais tarde foi o regresso de Savimbi. Holden Roberto, que mais tarde havia de nos surgir como um velho simpático, nunca chegou a regressar.

A esta distância, e numa análise sem paixão, acho que tudo valeu a pena, ainda que muitos dos dirigentes de Angola se tenham revelado mais tarde verdadeiros tiranos, verdadeiros crápulas, verdadeiros bandidos. Naquele contexto, todavia, não havia volta a dar. Todos nós estávamos cansados e aqueles territórios não eram, de facto, o prolongamento do Portugal europeu.


sexta-feira, fevereiro 04, 2011

COM O NETO JOÂO
Santa Iria de Azóia, 4 de Fevereiro de 2011 – À hora a que alinhavo estas linhas, sei bem que minha mãe lá estará na Mata, de lágrima ao canto do olho, só e corroída de saudades. Faz hoje dois anos que deixámos o meu pai no Campo da Verdade. E neste dia, mais uma vez, fico a dever-lhe um ramo de flores.
Eu recordo o meu pai com uma enorme saudade. É certo que não era dado a grandes manifestações de ternura; porém, por detrás daquela máscara, por vezes rude, existia um homem imensamente sensível e um bom, capaz de abundantes gestos de generosidade, que incluíam mesmo aqueles que não eram da nossa família. Na nossa casa, quem entrava era bem tratado.
Não sei se a Filipa se lembrará, hoje, do avô. Provavelmente sim e é capaz de telefonar e falar com a avó. Os restantes familiares, entretidos com as suas importantes vidas e com as suas importantes pessoas, não se lembrarão. E se calhar é assim mesmo que deverá ser, que a comiseração não faz bem a ninguém. Também não tenho intenções de falar mais, hoje, deste assunto, a não ser com minha mãe, com quem falo todos os dias e por vezes mais do que uma vez.
E aqui ficam estas palavras desajeitadas, que é a forma que tenho de prestar uma homenagem a uma das pessoas que mais amei.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

LISBOA GOSTA DE FARRA

Lisboa gosta de farra,
Festeja todos os santos.
É como a leda cigarra,
Não vai com choros e prantos.

Com ar triste canta o fado
- Faz parte da convenção –
Bebe um tinto, passa ao lado
E lá se vai a paixão.

Velha Lisboa querida,
Sempre leal e valente,
Sempre audaz e destemida
E ilustre resistente.

Nas curvas mais apertadas,
Faz das tripas coração.
Vence! Águas passadas,
Volta à sua vocação.

Ora séria matrona,
Ora mocinha garrida,
Tratada por tu ou dona,
É alegre e divertida.