quinta-feira, fevereiro 28, 2008

IDENTIDADE NACIONAL

Ontem estive em Mourão,
na Adega Velha manjar.
Comi sopa de cação,
bebi vinho de encantar.

Saboroso estava o rancho,
com ervas condimentado.
Pudesse a pança do Sancho
tê-lo por perto guardado

Ai, falar da doçaria
e da famosa encharcada...
Ó preciosa iguaria
de Adega tão recatada!

Hei-de voltar a Mourão
para me deliciar.
Comerei rancho de grão
e encharcada até fartar.

In QUADRAS QUASE POPULARES de Manuel Barata,
Ed. Ulmeiro, Lisboa, 2003.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

DAR

Para a Mª José

Dar...
Eis um verbo
dificílimo
de conjugar.

Mas ainda há
quem o saiba dizer
do princípio
ao fim
sem hesitação.

E subitamente,
um dia de Inverno
parece Verão!

domingo, fevereiro 24, 2008

DO MEU DiÁRIO

Santa Iria de Azóia, 24 de Fevereiro de 2008 – Realizou-se ontem, na Escola Primária da Mata, o lançamento do meu livro MATA –UM FALAR PECULIAR E OUTRAS CURIOSIDADES. Casa cheia para a apresentação de uma monografia sobre a aldeia, o que contraria um pouco a ideia de que os filhos da terra não fazem milagres.

O milagre fez-se, e nomeadamente, por força do trabalho da Associação Belgais, cujo Projecto Educativo é desenvolvido na escola da Mata, onde este vosso amigo aprendeu também a ler e a escrever. Por isso mesmo, o meu reconhecimento e gratidão à Directora Carma e ao Professor Luís Silveira, que envidaram todos os esforços para que a apresentação da minha humílima monografia tenha sido um sucesso. Agradeço também ao João Teixeira, meu amigo – e com cuja camaradagem conto há quase quarenta anos – as palavras que me dirigiu. E ainda à Maria José, que fez a ponte, e à Jesus, que teve o trabalho de adoçar a cerimónia.

Agradeço ainda à senhora vereadora da cultura, Dr.ª Cristina Granada, que representou o senhor Presidente da Câmara, e ao Dr. Joaquim Faustino, Presidente da Junta de Freguesia, que me colocaram algumas questões interessantes, permitindo um diálogo vivo e produtivo.

Agradeço povo da Mata, que soube honrar-me com a sua presença. Na verdade, é com provas destas que se estimula o trabalho e a criação.


sexta-feira, fevereiro 22, 2008

DO MEU DiÁRIO

Republicação
Santa Iria de Azóia, 16 de Outubro de 2005 - O senhor Presidente da República tomou posição, recentemente, sobre a problemática da corrupção, que é, a fazer fé no que se diz, uma praga nacional. É estranho, todavia, que o tenha feito apenas na recta final do seu segundo mandato, ou seja, quando a Constituição o impede de se recandidatar. Receio que daqui a dez anos, outro Presidente esteja a fazer o mesmíssimo discurso em relação ao tema.

É sabido que o Presidente é um homem seriíssimo. Sabemos até que se indigna muito quando alguém faz insinuações a seu respeito. Mas sabemos igualmente que o Presidente não governa o país, quer a nível central, quer a nível municipal. Quando muito, poderá exercer a já conhecidíssima magistratura de influência.

Desconheço a totalidade da comunicação presidencial sobre o tema da corrupção. Para além dos corruptos e corruptores e da trapalhada da corrupção activa e passiva, há todo um mundo de perguntas e respostas, a que não se pode fugir. Aqui deixo algumas. Por que razão a corrupção passiva é mais penalizada que a corrupção activa? Na relação custo/proveito, quem mais beneficia com a corrupção? Que estranhas razões conduzem os corruptores ao silêncio? Sabendo-se o que se sabe do problema, que estranhas razões impedem um combate continuado e sem quartel ao flagelo?

Seria importante saber, igualmente, se só é corrupção o recebimento de vantagens pecuniarias ou outras de natureza patrimonial. Quer-me parecer que há corrupção e da grossa, ora no preenchimento de lugares no aparelho e Estado e nas EP, ora nos lugares de topo das empresas de maior nomeada. Quem estiver atento, basta ler os apelidos nos jornais e nas televisões, para topar que há muitas mãozinhas a influenciar as escolhas. Ás vezes até parece que os filhos de certas famílias são sempre mais dotados que os de outras famílias portuguesas. Ás vezes até parece que a República virou Monarquia.

Era bom que o senhor Presidente, ainda antes de ir repousar, pudesse falar deste tormentoso problema nacional. Aqui fica um tema: " Empregos e Corrupção".

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

DO MEU DiÁRIO

Santa Iria de Azóia, 21 de Fevereiro de 2008 – O livrito MATA – UM FALAR PECULIAR E OUTRAS CURIOSIDADES será apresentado, urbi et orbi, no próximo sábado, na Escola Primária da localidade implicada no título. Para que a apresentação seja um êxito – e sê-lo-á seguramente -, muito têm contribuído o poeta João Teixeira e os seus amigos, que, por extensão e seguindo o ditado popular, meus amigos são também. Lembrá-los-ei, oportunamente, neste Diário, que, a seu tempo, terá o seu próprio lançamento.

O livro antes referido, salvo melhor opinião, é composto por duas partes fundamentais: o falar, que poderá ter interesse no domínio da linguística; e, as curiosidades, que poderão interessar os estudiosos da etnografia. Seja como for, o livro está nos escaparates e agora as minhas explicações já pouco interessam. O juízo final pertence àqueles que o lerem e o avaliarem.

De qualquer modo, reclamo para este meu trabalho, para além da autenticidade, que poderá, eventualmente, aqui ou além, estar salpicada de alguma subjectividade, um carácter pioneiro. Poderia ter saído mais perfeitinho e sem gralhas, mas eu tinha urgência. Eu senti a necessidade de escrever este livro. Havia um património em risco, que guardei nas páginas desde livro, que ofereço, com muita alegria, ao povo da Mata.

CASTELO BRANCO







Castelo Branco é cidade

de muito frio e calor.

Rica terra, na verdade,

p'ra viver c'o meu amor.



Nesta cidade vivi

minha casta adolescência;

tão casta que até perdi

os restos da inocência.



Tinha duas fabriquetas,

onde a matar se aprendia,

dois jornais, alguns poetas,

cheirinho a democracia.



Tinha dois chuis à civil,

que acorriam ao Vidal,

à cata de prosa vil..

Era assim, era normal...



E tinha o padre Anacleto,

que conferia à cidade,

com o seu estilo recto,

um tom de fraternidade.





In QUADRAS QUASE POPULARES de Manuel Barata




segunda-feira, fevereiro 18, 2008

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

MATA (vista parcial da escola primária)


DO MEU DiÁRIO

Santa Iria de Azóia, 15 de Fevereiro de 2008 – Portugal não é a choldra de Eça. É pior. É uma verdadeira súcia. Nomeadamente, as suas elites. A começar pelas que nos governam, pois claro!

Às vezes dói, dói tanto, ler e ouvir certas pessoas, de barriga cheia, a opinar em defesa dos interesses dos poderosos e atacando sempre os mais desprotegidos. É o caso dos ditos liberais que pululam por aí nos jornais e nas televisões, nos “blogues” e nas universidades. Detentores do saber e de cargos – e por vezes também do poder económico -, têm sempre receitas para resolver os problemas do país; mas, as suas soluções passam sempre pelo ataque aos mais fracos e deixam incólumes os do costume.

É desejável que o congresso da CGTP, cujos trabalhos se iniciam hoje, se abra mais às novas realidades. E que, à volta de Manuel Carvalho da Silva, se inicie uma verdadeira renovação da central, sem abdicar, todavia, da defesa contumaz dos direitos dos trabalhadores. Que se inove, se necessário for, no plano estritamente formal, já que no plano do conteúdo, desgraçadamente, não podemos inovar.

Na verdade, as propostas concretas terão de versar os velhos temas: a precarização, os baixos salários, a discriminação do trabalho das mulheres e exploração do trabalho infantil; a defesa da formação profissional, dos direitos dos imigrantes e dos deficientes; a denúncia da desregulamentação do mundo do trabalho, da cada vez mais desigual distribuição da riqueza, etc.

Portanto, lutar, lutar sempre, contra as súcias, para que Portugal deixe de ser uma grande súcia e se torne num país decente, é o caminho!

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

A OBRA DE DEUS

O Criador,
Ao sexto dia,
Deu a obra
Por concluída
E adormeceu.

Obra de arquitecto
Que os praticantes
De todas as profissões
Hão-de,
Pelo tempo fora,
Eternamente,
Executar.

E ainda há quem ache
Que fez obra
Completa
E perfeita

domingo, fevereiro 10, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 10 de Fevereiro de 2008 – E o general aqui está, no seu labirinto, pronto para o que der e vier. Há dias assim: no comentário que deixei no “blog” de Lídia Martinez, escrevi que ninguém escreve ao coronel e agora iniciei este texto rememorando outro título do autor colombiano. E tudo isto, enquanto espero por um questionário do jornal Reconquista, que considero como se se tratasse do Le Monde ou do El País.

Atribuo a maior importância ao jornal Reconquista, porque foi nas suas páginas que publiquei os primeiros textos, nos primeiros anos da década de setenta do século passado, na cidade de Castelo Branco. Na verdade, colaborei num suplemento cultural que era coordenado por António Apolinário Lourenço e cujo nome esqueci. Tal como Albano Matos, que é actualmente editor de política internacional, no Diário de Notícias. E do Reconquista havia de ser correspondente, na Mata, a minha aldeia natal.

Actualmente, não leio o Reconquista com regularidade; porém, quase todas as quintas-feiras, vejo as gordas na “net”. Uma questão de afecto, creio, como a que tenho em relação à obra de Garcia Marquez, esse inigualável e fantástico contador de histórias.

UM DIA NUMA VIDA - II

Foi em 27 de Julho. Era de 1970. Paris.
Na pacatez da rua Fleurus, Vitória,
Exuberante, exibia o Le Monde e gritava:
“O Salazar morreu! O Salazar morreu!”

Ah, como eu me lembro ainda do teu sotaque inglês
E dos teus longos cabelos pretos, Vitória!

Eu nunca te poderia olvidar, Vitória,
Ainda que não tenhamos bebido o comemorativo champanhe!

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

DO MEU DIÁRIO (ANTÓNIO OSÓRIO)

Santa Iria de Azóia, 8 de Fevereiro de 2008 – Para desgraça minha, descobri tardiamente o poeta António Osório. Dele sabia meia dúzia de coisas, mais ou menos biográficas, mas vivia na ignorância absoluta dos seus textos. E muito mais importante do que o homem empírico - advogado, pai, marido, filho, cidadão, etc. -, é o sujeito lírico que o leitor ouve, quando lê atentamente os seus versos.

Devo este poeta, que, se o talento me tivesse bafejado, incluiria na minha árvore genealógica, ao Daniel Abrunheiro. António Osório é um poeta de grande equilíbrio, que trata de forma muito peculiar os grandes temas da poesia. Talvez não haja poeta mais sereno e amável na moderna poesia portuguesa. E estas qualidades conferem-lhe, seguramente, um lugar cimeiro, entre os seus pares.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

UM DIA NUMA VIDA

Foi em 4 de Fevereiro. Era de 1975. Luanda.
À hora em que o sol se cola à pele
E os corpos pedem a clemência da sombra,
As ruas transbordaram de cor, cânticos e danças.

Neto, o da Sagrada Esperança, regressara
E, na escassa bagagem, só trazia sonhos.

Sonhos!, esse incrível alimento de que vivem as nações!

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

ANTÓNIO VIEIRA (DO MEU DIÁRIO)

Santa Iria de Azóia, 6 de Fevereiro de 2008 - Comemora-se hoje o quarto centenário do nascimento de António Vieira, que foi homem de múltiplas aptidões e de saberes diversificados. Merece referência especial a sua obra literária, e em especial os seus sermões, que o tornaram um paradigma da literatura portuguesa e um mestre ímpar na arte de bem escrever.

O meu primeiro contacto com Vieira foi através do livro da 4ª classe e de um texto chamado “Estatuária”. Com onze anos, descobria no “livro único”, um naco de prosa de extraordinária beleza, que decorei sem qualquer enfado e que me acompanhou pela vida fora. Perdi o livro, mas preservei a figura do escultor, na sua relação com a pedra informe, que também podia ser a do homem da escrita, na sua quotidiana luta com as palavras.

Mais tarde havia de estudar Vieira a fundo. E posteriormente, ensinei alguns dos seus sermões. Era-me particularmente grato ler e explicar o “Sermão de Santo António”, que me permitia uma leitura mais actualizante. Pressenti, muitas vezes, os alunos incomodados, porque, afinal de contas, o manancial de exemplos de Vieira, tinha plena actualidade. E sentia-me feliz, porque o sermão deve incomodar, como ensina Vieira no “Sermão da Sexagésima”.

Quero invocar, aqui, em tempo de homenagens e celebrações, o nome de Margarida Vieira Mendes, que dedicou uma parte significativa da sua curta vida ao estudo da obra de António Vieira. Por irónico que pareça, Margarida partiu num fim-de-semana de Carnaval. Está a fazer anos.

domingo, fevereiro 03, 2008

DO MEU DIÁRIO

Santa Iria de Azóia, 3 de Fevereiro de 2008 - Os graduados, que eram razoavelmente renumerados, tinham lavadeira. Um familiar do sexo masculino levava e trazia a roupa. E contava-se até, com alguma graça, que os nativos ainda vestiam a roupa suja do tropa, durante alguns dias. Verdade? Mentira? Fica a nota como mera curiosidade.

Os oficiais e os sargentos tinham ainda outros privilégios em relação aos cabos e aos soldados: uma dotação de bebidas estrangeiras, ou seja, duas ou três garrafas de uísque e duas de licores ou outra murraça qualquer. E podiam ir caçar, durante a noite, de Unimog, e ao musseque para tratar de outras humanas necessidades. Ia-se em grupo para cumprir as regras de segurança: cinco ou seis a montar guarda, enquanto um dos do grupo permanecia dentro da cubata. Tudo muito rápido, porque havia de facto alguns perigos, neste fim de permanência portuguesa em terras de Nambuangongo.

Debaixo de uma estrutura em madeira e com cobertura de capim, junto à messe de sargentos, havia uma mesa de pingue-pongue, onde se faziam verdadeiros campeonatos. Recordo aqui um excelente jogador, José Carlos Camarada Videira, já falecido. Era o melhor jogador, apesar de ser um homem com excesso de peso. De resto, o Camarada Videira era um homem de muitos excessos. E por isso mesmo, cedo entregou a alma ao Criador.

Ponho aqui um termo às minhas memórias de Nambuangongo, onde vi passar, felizes, a caminho de Luanda, os últimos homens que serviram em Zala e Madureira. Vi-os passar, felizes, porque eram sítios mais fustigados pela guerra do que Nambo, ainda que nunca tenham tido qualquer valor simbólico. Eram verdadeiros buracos, onde homens de vinte e poucos anos, permaneciam largos meses longe das suas terras e dos seus entes queridos.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

DO MEU DIÁRIO

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2008 – Hoje, seria de bom-tom escrever sobre o regicídio que contribuiu decisivamente para o fim da Monarquia e para o consequente advento da República. Enquanto republicano, este não é nem nunca foi um dos meus dias. Assim, esperarei pacientemente pelo 5 de Outubro de 2010.

Vou retomar, pois, a narrativa sobre Nambuangongo, que tinha uma pista onde podiam aterrar pequenas aeronaves. Não me recordo dos dias em que havia DO, que se pronunciava dê –ó e que era das poucas coisas boas que aconteciam na mítica aldeia, onde o igualmente mítico Spínola tinha chegado após vasta devastação, com recurso ao Napalm. A DO trazia víveres e sobretudo o correio. O correio, leitores!

Felizes ficavam os que recebiam verdadeiras molhadas de aerogramas, que era o meio de comunicação mais eficaz entre a colónia e Portugal. O Lopes, furriel amanuense da CCS, era a pessoa que mais correspondência recebia. E também recebia chocolates sem açúcar, porque o Belchior Lopes era diabético e a família, à distância, tinha a preocupação de cuidar pelo seu bem-estar.

Durante a guerra colonial, ou guerras coloniais, para ser mais preciso, ficaram famosas as chamadas madrinhas de guerra, que terão sido uma invenção do Movimento Nacional Feminino. Ajudavam a passar o tempo e alguns casos de correspondência acabaram em casório.

Havia cenas verdadeiramente hilariantes. Um soldado de nome Mário arranjou uma madrinha de guerra, que era assim como que uma namorada, e num dos famosos aerogramas pediu-lhe que lhe enviasse um pêlo do púbis, como prova dos sentimentos que tinha por ele. E o pêlo foi enviado e o Mário exibia-o como um verdadeiro troféu. Cenas da guerra. E da loucura dos vinte e poucos anos. “ Nous avions vingt ans”, poderia cantar Charles Aznavour

Graças ao Belchior Lopes pude ler Siddhartha de Herman Hess e ainda On the Road de Kerouac, que estavam ainda muito em voga. Em Nambuangongo havia de continuar a ler Jean-Paul Sartre, do qual conhecia já o teatro e muita da sua produção narrativa.